O valor das ideias: As mais recentes falácias neoliberais da UEM desmontadas

29-09-2009
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Tinha pensado dedicar este quinto post sobre as debilidades estruturais da UEM a algumas questões pragmáticas, como a análise das crises particulares que afectam alguns dos seus países. Mas a entrevista do Governador do Banco de França, e, por inerência, membro do Conselho de Administração do BCE, Christian Noyer, ao Financial Times a 11de Março, merece um post separado, porque explica muito do que subjaz às opções erradas que um pensamento económico obsoleto tem levado o BCE a tomar. Quando comecei por caracterizar como falácias neoliberais as fundações da argumentação da UEM,, não podia esperar ter ajuda tão preciosa como as declarações do Sr. Noyer, que usualmente é tido como a voz dos consensos que vão sendo possíveis no Conselho do BCE.Essencialmente o que Noyer traz de novo, ao que já anteriormente argumentei como sendo misticismo neoclássico, é uma justificação da repulsa por pacotes de estímulos assentes no investimento público baseada num dos mitos mais antigos do liberalismo económico: a famosa Equivalência Ricardiana. Já a discuti aqui na sequência de um post do LA-C.Diz o Sr. Noyer, que os pacotes de estímulos actualmente em vigor nos países da UEM, incomparavelmente mais modestos que o aprovado pelo Senado Americano, são, provavelmente, adequados à realidade europeia [é maçador que Paul Krugman tenha vindo ontem dizer que a situação na Europa é mais grave que nos EUA, muito por culpa das insuficientes políticas monetárias e fiscais].O Sr. Christian Noyer explica o porquê da sua tese: por um lado, dando corpo à ideia de Durão Barroso sobre os estabilizadores automáticos serem mais eficazes na Europa, ignora todos os elementos que discutimos aqui que contrariam essa hipótese. E acrescenta a tal novidade: há que ter em conta que “os efeitos ricardianos são especialmente importantes nos países europeus!” Surpreso? Não sabia estar sujeito a estes efeitos? O Sr. Noyer explica: “se as contas públicas se deteriorassem muito e durante muito tempo, corríamos o risco de os consumidores começarem a poupar para fazer face ao efeito antecipado da subida futura de impostos”.Na essência, este é um enunciado possível do chamado Teorema da Equivalência Ricardiana, e que foi adoptado de braços abertos pela teoria neoclássica, que é um dos pilares do neoliberalismo. O que diz o a equivalência ricardiana? Que o endividamento público no momento t é compensado por um aumento da poupança privada nesse momento, não estimulando o produto, porque os agentes antecipam que num momento futuro será necessário pagar impostos mais altos ou ter benefícios menores, para o Estado amortizar o seu empréstimo. Na essência, o padrão de despesa das famílias, ou se preferirem o consumo dos particulares, vai-se contrair em resposta a um aumento dos gastos públicos.Parece lógico, não? É nesta falácia de aparências que vive o misticismo liberal. Porque, por detrás disto, estão alguns pressupostos que podem não ser perceptíveis de imediato a quem não ande todos os dias por estas coisas:1) a validade deste enunciado repousa, disse-me inclusivamente o LA-C, que é um bom amigo e colega, mas infelizmente demasiado ortodoxo, numa coisa chamada teoria do rendimento permanente, e na restrição orçamental intertemporal do governo. Comecemos por dizer que essa teoria do rendimento permanente ou do ciclo de vida é uma criação desse vulto da economia de Chicago, chamado Milton Friedman. E assenta neste pressuposto fantástico: os agentes conhecem a cada instante todo o fluxo de rendimentos futuros que vão auferir ao longo da sua vida. Como? Isso mesmo, voltamos ao velho problema, embora o Luís se esquive na sua resposta a essa questão, das expectativas racionais e da informação perfeita. Os agentes têm informação perfeita sobre todo o seu fluxo de rendimentos futuros até ao fim dos tempos. Por outro lado, como não cometem erros sistemáticos de previsão, ou lá vão passear as expectativas racionais, vão tomar as suas decisões de consumo presente, como não podia deixar de ser no mundo neoclássico, mediante a optimização da sua utilidade inter-temporal dado o valor actualizado para hoje de todos esses rendimentos futuros. Isto é, os agentes não cometem erros sistemáticos de previsão quanto a esse futuro, e, mais, resolvem um problema de optimização dinâmica que é uma coisa que, na sua versão simplificada, tem este aspecto giro:maximizar por escolha do consumo em cada instante, o integral de t a infinito de uma dada função utilidade instantânea multiplicada pela exponencial negativa de um factor de desconto vezes o tempoAh, e sujeito à restrição orçamental inter-temporal: o consumo actual não pode exceder o valor actual, , de todos os seus rendimentos futuros líquidos de impostos! O mesmo seja dizer que não só indivíduo tem informação completa sobre todo o rendimento até ao fim dos tempos, como sabe que o governo tem, intertemporalmente, de ter um saldo orçamental nulo.Aparte o "pequeno absurdo" de a versão muito simplificada (juro!) do problema de maximização acima ser resolvido por toda a gente na economia, o que em termos práticos significa que o estimado leitor sabe, mesmo que não saiba que sabe, resolver de problemas de controlo óptimo e usar Hamiltonians, e de que todos os seus amigos, e vizinhos, e toda a população do planeta sabem fazer o mesmo, incluindo o miúdo do Slumdog Millionaire – possibilitando essa maravilha da economia neoclássica que é olhar para uma pessoa como o agente representativo, porque as preferências de consumo são iguais entre si (eu por acaso não gosto de feijão frade, mas isso é irrelevante), e portanto o problema que todos sabem resolver, é igual para todos – há também o absurdo de sabermos que no nosso tempo de vida (assumido como infinito!) vamos ter que pagar impostos correspondentes ao excesso de gasto público no presente: isto é, pasmem-se, sabemos exactamente a evolução da taxa de juro ao longo do tempo. Por azar sabemos todos, porque se só eu a soubesse ia a correr para o mercado de futuros de taxas de juro e enriquecia em pouco tempo. Mas isso era se não fossemos todos iguais e não nos comportássemos da mesma forma. Não sei se o Carlos Novais e os amigos conseguem agora entender porque é que digo que o elogio do Friedman por supostos austríacos, é um contra-senso? É que se há uma coisa em que o Hayek teve razão, e não foram muitas, foi em assumir que os indivíduos são livres. E não sabem tudo. Para o Friedman, como espero que o exemplo acima tenha mostrado de uma vez por todas aos neoliberais, os seres humanos são autómatos! Senão, não havia agente representativo e toda a catedral dos neoclássicos e dos monetaristas ruía. Como está a ruir à nossa volta.Mas enfim, voltando ao problema, como nós vivemos infinitamente, e sabemos resolver optimização intertemporal sujeita a restrição, a subida dos gastos públicos hoje retrai o nosso consumo. Porque avaliamos quanto o estado terá de pagar no futuro por esses gastos, usando as taxas de juro que conhecemos, e poupamos no presente o que nos possa permitir na altura ter esse dinheiro para compensar a subida de impostos. Não digam que não estão convencidos?2) O segundo pressuposto fascinante de uma teoria do rendimento permanente tem a ver com a ideia de inexistência de restrições inter-temporais de liquidez. O que quer isto dizer? Que o banco tem exactamente a mesma informação que nós sobre todo o nosso rendimento futuro e por isso, ainda que no momento presente não tenhamos um cêntimo de rendimento, o banco vai alegremente emprestar-nos em função exclusivamente das tais taxas de juro e dos tais rendimentos futuros. Isto é: o crédito funciona na perfeição. O banco ou sabe tudo, ou tem uma enorme fé no que nós dizemos sobre os rendimentos futuros, e por isso não tem problemas em emprestar-nos o valor actualizado desse rendimento. Eu aconselho que tentem na agência bancária mais próxima…Algum mal intencionado como eu, poderia pensar que, AINDA POR CIMA, no contexto de uma crise de crédito, isto não será bem razoável….mas os neoclássicos nem acreditam que haja uma crise de crédito. Porquê, se o sistema é de equilíbrio geral? Isto devia chegar para na altura (Dezembro de 2008) o meu interlocutor neoclássico ter percebido que a teoria económica convencional do mainstream não é ínteiramente válida independentemente do tempo e do espaço. Mas não: um mês depois estava o Luís a discutir com os economistas do Ladrões de Bicicletas sobre a superioridade da economia neoclássica, e a dizer, e cito “nada ouvi de relevante dos muitos que se aproveitam desta crise para marcar pontos na sua agenda político-económica.” Leia-se que nada ouviu de relevante da economia heterodoxa. Diz mesmo: “…é importante que se avance, e não que se recue, como muitos parecem fazer ressuscitando teorias caducas e mais do que refutadas.” Como bem lhe responderam na altura: andou a ler os livros errados.A história dos pressupostos não se fica contudo por aqui. A tal teoria do rendimento permanente, admite o Luís, foi refutada empiricamente (Aleluia). E diz ele: “…falha precisamente junto dos agregados familiares com restrições de liquidez. Na prática, isso quer dizer que falha para as famílias mais pobres”. Eu confesso que pasmei. E volto a pasmar ao reler isto. Eu não sei o que ele quer dizer com “mais pobres”, mas está portanto convencido que a classe média de um país desenvolvido, obtém do banco empréstimos sem restrições de liquidez! Ou seja, se alguém de rendimentos médios for ao banco explicar que sabe todos os seus rendimentos líquidos futuros, o banco vai, lá está, acreditar, ou, ter as mesmas certezas das pessoas quanto ao seu futuro. Portanto a teoria não falha por haver restrições ao crédito, a informação ser imperfeita ou as expectativas não serem racionais. Falha porque os bancos não emprestam a quem tem menos. Custa-me a alma citar um fulano, que plagiou o Luís Filipe Scolari, dizendo “eu é que sou burro!" Mas lá terá de ser… Confesso a todos os liberais, que não percebo que a teoria do rendimento permanente falhe só por causa disso. E peço que não dêem ouvidos a ninguém que vos diga que não consegue empréstimos, se souberem que a pessoa não pertence às camadas mais pobres. Expliquem-lhes, que elas têm necessariamente de estar livres de restrições inter-temporais de liquidez….Acreditem ou não, o Governador do Banco de França usou a equivalência ricardiana para explicar que na Europa os planos de estímulos têm de ser mais moderados. Eu só posso interpretar isto de uma de três formas:- ou, num acesso de xenofobia, ele está a dizer que somos mais inteligentes que os americanos, que não compreendem estas coisas da informação completa, expectativas racionais, ausência de restrições de liquidez e hamiltonians;- ou ele está a dizer que o governo americano não vai honrar os seus compromissos de endividamento, e por isso as pessoas não precisam de incorporar a restrição do governo, porque a dívida não é para cumprir (o que pode ser uma razão para as preocupações do PM chinês de que falei aqui); mas curiosamente tem a certeza que os governos europeus nunca entrarão em default (e dizem os americanos que o mercado deles é o mais seguro do mundo!);- ou ele está a brincar connosco. E eu apostava nesta hipótese. Dar uma justificação destas é presumir que o povo não entende. Se o Dr. Ribeiro e Castro tiver um tempinho, pode sempre escrever-lhe uma carta! (lá vou eu apanhar do…como se chamava… esqueci-me!!)A falha empírica das teorias nunca preocupou muito os neoclássicos, que encaram a economia como ciência hipotético - dedutiva. Nem os Austríacos que nem sequer produzem previsões testáveis. Em todo o caso, a mim, desculpem lá, a equivalência ricardiana nunca convenceu muito.E nem estou a discutir o problema de os agentes não viverem infinitamente, e de o problema ser mais correcto em tempo discreto do que em tempo contínuo. Diria simplesmente, que ao introduzirmos esses aspectos, percebemos porque é que se diz que pode haver um problema de equidade inter-geracional na dívida pública. Ainda assim, desconheço alguém que pense: deixem-me poupar hoje porque os gastos públicos subiram e os meus filhos poderão ter de pagar impostos mais elevados. De entre as motivações para a poupança, os impostos que os filhos hão-de pagar um dia não me parecem prioritários. Mas é uma opinião.E se pensarmos nesses modelos em tempo discreto, com gerações sobrepostas, se eu tiver 40 anos e o Estado encetar um pacote de estímulos financiado por títulos de dívida a 30 anos, confesso que, embora concorde com o Luís que alguém há-de pagar a dívida, presumo que não serei eu.A entrevista do Sr. Noyer vai mais longe. Ele afirma, taxativamente que o Banco Central Europeu já está a praticar Quantitative Easing como Política Monetária. E isto merece ser explicado. Em termos simples, em quantitative easing, o banco central já desceu a taxa para valores próximos de zero (o Banco de Inglaterra está presentemente a 0,5%; nos EUA a federal funds rate está desde 16/12 definida entre 0,5% e 0%). Nesses casos, o Banco Central tem de encontrar formas alternativas de ceder liquidez à economia (as tais medidas não ortodoxas a que apelava o comunicado do G-20 discutido aqui). Para Friedman, numa das boas metáforas que teve, isto é semelhante a deitar notas e moedas na economia a partir de um helicóptero. Ou seja, o banco vai ceder liquidez no mercado interbancário, em quantidade ilimitada, a um juro nulo ou quase, contra a entrega de papel (títulos do tesouro, ou o que for), pelos bancos comerciais que precisam de liquidez.Diz Noyer, que o BCE está já a fazer isto porque cede uma quantidade ilimitada de liquidez, à taxa vigente para empréstimos a 6 meses. Sucede apenas, que alguém lhe devia explicar que isto não cai na definição de QE. O entrevistador do Financial Times ficou igualmente perplexo. E perguntou : “Would you call that quantitative easing?”. Noyer insistiu que sim, que era.Qual a subtileza que está a escapar ao Governador do Banco de França, e, com toda a certeza, à ala ortodoxa do Conselho de Administração do BCE? Dizer "eu cedo todo o dinheiro que quiserem a um juro quase nulo" não é a mesma coisa que dizer "eu cedo todo o dinheiro que quiserem ao juro em vigor, que por acaso é 1 ponto percentual superior ao que se considera um juro quase nulo".Um exemplo: se alguém me oferecer 10 vivendas T5 junto ao mar por um preço conjunto de 1 milhão de Euros, isto não é QE. Porque eu posso não ter um milhão de euros, ainda que as 10 vivendas valessem cem vezes isso. Isto significa que se os bancos não têm liquidez, e há uma crise do crédito, eu suspeitaria que diversos bancos não conseguem o montante que querem, porque os juros associados levavam a encargos que não suportam. A forma de injectar liquidez nos bancos para combater a crise de crédito e a deflação é “dando” dinheiro aos bancos. Não é dizendo que se dá o que quiserem, sem eles poderem pagar o preço, que nós achamos que até é baixo.Em síntese, Paul Krugman tem toda a razão ao escrever que a política monetária e a política fiscal são demasiado conservadoras na Europa para a dimensão da crise. E por isso, muito provavelmente, não chegam. O problema estrutural da UEM é que engoliu uma visão da economia o mais ortodoxa possível, e vai a caminho do abismo sem dar conta que a evidência à sua volta mostra que a visão estava errada.Continua….


Tinha pensado dedicar este quinto post sobre as debilidades estruturais da UEM a algumas questões pragmáticas, como a análise das crises particulares que afectam alguns dos seus países. Mas a entrevista do Governador do Banco de França, e, por inerência, membro do Conselho de Administração do BCE, Christian Noyer, ao Financial Times a 11de Março, merece um post separado, porque explica muito do que subjaz às opções erradas que um pensamento económico obsoleto tem levado o BCE a tomar. Quando comecei por caracterizar como falácias neoliberais as fundações da argumentação da UEM,, não podia esperar ter ajuda tão preciosa como as declarações do Sr. Noyer, que usualmente é tido como a voz dos consensos que vão sendo possíveis no Conselho do BCE.Essencialmente o que Noyer traz de novo, ao que já anteriormente argumentei como sendo misticismo neoclássico, é uma justificação da repulsa por pacotes de estímulos assentes no investimento público baseada num dos mitos mais antigos do liberalismo económico: a famosa Equivalência Ricardiana. Já a discuti aqui na sequência de um post do LA-C.Diz o Sr. Noyer, que os pacotes de estímulos actualmente em vigor nos países da UEM, incomparavelmente mais modestos que o aprovado pelo Senado Americano, são, provavelmente, adequados à realidade europeia [é maçador que Paul Krugman tenha vindo ontem dizer que a situação na Europa é mais grave que nos EUA, muito por culpa das insuficientes políticas monetárias e fiscais].O Sr. Christian Noyer explica o porquê da sua tese: por um lado, dando corpo à ideia de Durão Barroso sobre os estabilizadores automáticos serem mais eficazes na Europa, ignora todos os elementos que discutimos aqui que contrariam essa hipótese. E acrescenta a tal novidade: há que ter em conta que “os efeitos ricardianos são especialmente importantes nos países europeus!” Surpreso? Não sabia estar sujeito a estes efeitos? O Sr. Noyer explica: “se as contas públicas se deteriorassem muito e durante muito tempo, corríamos o risco de os consumidores começarem a poupar para fazer face ao efeito antecipado da subida futura de impostos”.Na essência, este é um enunciado possível do chamado Teorema da Equivalência Ricardiana, e que foi adoptado de braços abertos pela teoria neoclássica, que é um dos pilares do neoliberalismo. O que diz o a equivalência ricardiana? Que o endividamento público no momento t é compensado por um aumento da poupança privada nesse momento, não estimulando o produto, porque os agentes antecipam que num momento futuro será necessário pagar impostos mais altos ou ter benefícios menores, para o Estado amortizar o seu empréstimo. Na essência, o padrão de despesa das famílias, ou se preferirem o consumo dos particulares, vai-se contrair em resposta a um aumento dos gastos públicos.Parece lógico, não? É nesta falácia de aparências que vive o misticismo liberal. Porque, por detrás disto, estão alguns pressupostos que podem não ser perceptíveis de imediato a quem não ande todos os dias por estas coisas:1) a validade deste enunciado repousa, disse-me inclusivamente o LA-C, que é um bom amigo e colega, mas infelizmente demasiado ortodoxo, numa coisa chamada teoria do rendimento permanente, e na restrição orçamental intertemporal do governo. Comecemos por dizer que essa teoria do rendimento permanente ou do ciclo de vida é uma criação desse vulto da economia de Chicago, chamado Milton Friedman. E assenta neste pressuposto fantástico: os agentes conhecem a cada instante todo o fluxo de rendimentos futuros que vão auferir ao longo da sua vida. Como? Isso mesmo, voltamos ao velho problema, embora o Luís se esquive na sua resposta a essa questão, das expectativas racionais e da informação perfeita. Os agentes têm informação perfeita sobre todo o seu fluxo de rendimentos futuros até ao fim dos tempos. Por outro lado, como não cometem erros sistemáticos de previsão, ou lá vão passear as expectativas racionais, vão tomar as suas decisões de consumo presente, como não podia deixar de ser no mundo neoclássico, mediante a optimização da sua utilidade inter-temporal dado o valor actualizado para hoje de todos esses rendimentos futuros. Isto é, os agentes não cometem erros sistemáticos de previsão quanto a esse futuro, e, mais, resolvem um problema de optimização dinâmica que é uma coisa que, na sua versão simplificada, tem este aspecto giro:maximizar por escolha do consumo em cada instante, o integral de t a infinito de uma dada função utilidade instantânea multiplicada pela exponencial negativa de um factor de desconto vezes o tempoAh, e sujeito à restrição orçamental inter-temporal: o consumo actual não pode exceder o valor actual, , de todos os seus rendimentos futuros líquidos de impostos! O mesmo seja dizer que não só indivíduo tem informação completa sobre todo o rendimento até ao fim dos tempos, como sabe que o governo tem, intertemporalmente, de ter um saldo orçamental nulo.Aparte o "pequeno absurdo" de a versão muito simplificada (juro!) do problema de maximização acima ser resolvido por toda a gente na economia, o que em termos práticos significa que o estimado leitor sabe, mesmo que não saiba que sabe, resolver de problemas de controlo óptimo e usar Hamiltonians, e de que todos os seus amigos, e vizinhos, e toda a população do planeta sabem fazer o mesmo, incluindo o miúdo do Slumdog Millionaire – possibilitando essa maravilha da economia neoclássica que é olhar para uma pessoa como o agente representativo, porque as preferências de consumo são iguais entre si (eu por acaso não gosto de feijão frade, mas isso é irrelevante), e portanto o problema que todos sabem resolver, é igual para todos – há também o absurdo de sabermos que no nosso tempo de vida (assumido como infinito!) vamos ter que pagar impostos correspondentes ao excesso de gasto público no presente: isto é, pasmem-se, sabemos exactamente a evolução da taxa de juro ao longo do tempo. Por azar sabemos todos, porque se só eu a soubesse ia a correr para o mercado de futuros de taxas de juro e enriquecia em pouco tempo. Mas isso era se não fossemos todos iguais e não nos comportássemos da mesma forma. Não sei se o Carlos Novais e os amigos conseguem agora entender porque é que digo que o elogio do Friedman por supostos austríacos, é um contra-senso? É que se há uma coisa em que o Hayek teve razão, e não foram muitas, foi em assumir que os indivíduos são livres. E não sabem tudo. Para o Friedman, como espero que o exemplo acima tenha mostrado de uma vez por todas aos neoliberais, os seres humanos são autómatos! Senão, não havia agente representativo e toda a catedral dos neoclássicos e dos monetaristas ruía. Como está a ruir à nossa volta.Mas enfim, voltando ao problema, como nós vivemos infinitamente, e sabemos resolver optimização intertemporal sujeita a restrição, a subida dos gastos públicos hoje retrai o nosso consumo. Porque avaliamos quanto o estado terá de pagar no futuro por esses gastos, usando as taxas de juro que conhecemos, e poupamos no presente o que nos possa permitir na altura ter esse dinheiro para compensar a subida de impostos. Não digam que não estão convencidos?2) O segundo pressuposto fascinante de uma teoria do rendimento permanente tem a ver com a ideia de inexistência de restrições inter-temporais de liquidez. O que quer isto dizer? Que o banco tem exactamente a mesma informação que nós sobre todo o nosso rendimento futuro e por isso, ainda que no momento presente não tenhamos um cêntimo de rendimento, o banco vai alegremente emprestar-nos em função exclusivamente das tais taxas de juro e dos tais rendimentos futuros. Isto é: o crédito funciona na perfeição. O banco ou sabe tudo, ou tem uma enorme fé no que nós dizemos sobre os rendimentos futuros, e por isso não tem problemas em emprestar-nos o valor actualizado desse rendimento. Eu aconselho que tentem na agência bancária mais próxima…Algum mal intencionado como eu, poderia pensar que, AINDA POR CIMA, no contexto de uma crise de crédito, isto não será bem razoável….mas os neoclássicos nem acreditam que haja uma crise de crédito. Porquê, se o sistema é de equilíbrio geral? Isto devia chegar para na altura (Dezembro de 2008) o meu interlocutor neoclássico ter percebido que a teoria económica convencional do mainstream não é ínteiramente válida independentemente do tempo e do espaço. Mas não: um mês depois estava o Luís a discutir com os economistas do Ladrões de Bicicletas sobre a superioridade da economia neoclássica, e a dizer, e cito “nada ouvi de relevante dos muitos que se aproveitam desta crise para marcar pontos na sua agenda político-económica.” Leia-se que nada ouviu de relevante da economia heterodoxa. Diz mesmo: “…é importante que se avance, e não que se recue, como muitos parecem fazer ressuscitando teorias caducas e mais do que refutadas.” Como bem lhe responderam na altura: andou a ler os livros errados.A história dos pressupostos não se fica contudo por aqui. A tal teoria do rendimento permanente, admite o Luís, foi refutada empiricamente (Aleluia). E diz ele: “…falha precisamente junto dos agregados familiares com restrições de liquidez. Na prática, isso quer dizer que falha para as famílias mais pobres”. Eu confesso que pasmei. E volto a pasmar ao reler isto. Eu não sei o que ele quer dizer com “mais pobres”, mas está portanto convencido que a classe média de um país desenvolvido, obtém do banco empréstimos sem restrições de liquidez! Ou seja, se alguém de rendimentos médios for ao banco explicar que sabe todos os seus rendimentos líquidos futuros, o banco vai, lá está, acreditar, ou, ter as mesmas certezas das pessoas quanto ao seu futuro. Portanto a teoria não falha por haver restrições ao crédito, a informação ser imperfeita ou as expectativas não serem racionais. Falha porque os bancos não emprestam a quem tem menos. Custa-me a alma citar um fulano, que plagiou o Luís Filipe Scolari, dizendo “eu é que sou burro!" Mas lá terá de ser… Confesso a todos os liberais, que não percebo que a teoria do rendimento permanente falhe só por causa disso. E peço que não dêem ouvidos a ninguém que vos diga que não consegue empréstimos, se souberem que a pessoa não pertence às camadas mais pobres. Expliquem-lhes, que elas têm necessariamente de estar livres de restrições inter-temporais de liquidez….Acreditem ou não, o Governador do Banco de França usou a equivalência ricardiana para explicar que na Europa os planos de estímulos têm de ser mais moderados. Eu só posso interpretar isto de uma de três formas:- ou, num acesso de xenofobia, ele está a dizer que somos mais inteligentes que os americanos, que não compreendem estas coisas da informação completa, expectativas racionais, ausência de restrições de liquidez e hamiltonians;- ou ele está a dizer que o governo americano não vai honrar os seus compromissos de endividamento, e por isso as pessoas não precisam de incorporar a restrição do governo, porque a dívida não é para cumprir (o que pode ser uma razão para as preocupações do PM chinês de que falei aqui); mas curiosamente tem a certeza que os governos europeus nunca entrarão em default (e dizem os americanos que o mercado deles é o mais seguro do mundo!);- ou ele está a brincar connosco. E eu apostava nesta hipótese. Dar uma justificação destas é presumir que o povo não entende. Se o Dr. Ribeiro e Castro tiver um tempinho, pode sempre escrever-lhe uma carta! (lá vou eu apanhar do…como se chamava… esqueci-me!!)A falha empírica das teorias nunca preocupou muito os neoclássicos, que encaram a economia como ciência hipotético - dedutiva. Nem os Austríacos que nem sequer produzem previsões testáveis. Em todo o caso, a mim, desculpem lá, a equivalência ricardiana nunca convenceu muito.E nem estou a discutir o problema de os agentes não viverem infinitamente, e de o problema ser mais correcto em tempo discreto do que em tempo contínuo. Diria simplesmente, que ao introduzirmos esses aspectos, percebemos porque é que se diz que pode haver um problema de equidade inter-geracional na dívida pública. Ainda assim, desconheço alguém que pense: deixem-me poupar hoje porque os gastos públicos subiram e os meus filhos poderão ter de pagar impostos mais elevados. De entre as motivações para a poupança, os impostos que os filhos hão-de pagar um dia não me parecem prioritários. Mas é uma opinião.E se pensarmos nesses modelos em tempo discreto, com gerações sobrepostas, se eu tiver 40 anos e o Estado encetar um pacote de estímulos financiado por títulos de dívida a 30 anos, confesso que, embora concorde com o Luís que alguém há-de pagar a dívida, presumo que não serei eu.A entrevista do Sr. Noyer vai mais longe. Ele afirma, taxativamente que o Banco Central Europeu já está a praticar Quantitative Easing como Política Monetária. E isto merece ser explicado. Em termos simples, em quantitative easing, o banco central já desceu a taxa para valores próximos de zero (o Banco de Inglaterra está presentemente a 0,5%; nos EUA a federal funds rate está desde 16/12 definida entre 0,5% e 0%). Nesses casos, o Banco Central tem de encontrar formas alternativas de ceder liquidez à economia (as tais medidas não ortodoxas a que apelava o comunicado do G-20 discutido aqui). Para Friedman, numa das boas metáforas que teve, isto é semelhante a deitar notas e moedas na economia a partir de um helicóptero. Ou seja, o banco vai ceder liquidez no mercado interbancário, em quantidade ilimitada, a um juro nulo ou quase, contra a entrega de papel (títulos do tesouro, ou o que for), pelos bancos comerciais que precisam de liquidez.Diz Noyer, que o BCE está já a fazer isto porque cede uma quantidade ilimitada de liquidez, à taxa vigente para empréstimos a 6 meses. Sucede apenas, que alguém lhe devia explicar que isto não cai na definição de QE. O entrevistador do Financial Times ficou igualmente perplexo. E perguntou : “Would you call that quantitative easing?”. Noyer insistiu que sim, que era.Qual a subtileza que está a escapar ao Governador do Banco de França, e, com toda a certeza, à ala ortodoxa do Conselho de Administração do BCE? Dizer "eu cedo todo o dinheiro que quiserem a um juro quase nulo" não é a mesma coisa que dizer "eu cedo todo o dinheiro que quiserem ao juro em vigor, que por acaso é 1 ponto percentual superior ao que se considera um juro quase nulo".Um exemplo: se alguém me oferecer 10 vivendas T5 junto ao mar por um preço conjunto de 1 milhão de Euros, isto não é QE. Porque eu posso não ter um milhão de euros, ainda que as 10 vivendas valessem cem vezes isso. Isto significa que se os bancos não têm liquidez, e há uma crise do crédito, eu suspeitaria que diversos bancos não conseguem o montante que querem, porque os juros associados levavam a encargos que não suportam. A forma de injectar liquidez nos bancos para combater a crise de crédito e a deflação é “dando” dinheiro aos bancos. Não é dizendo que se dá o que quiserem, sem eles poderem pagar o preço, que nós achamos que até é baixo.Em síntese, Paul Krugman tem toda a razão ao escrever que a política monetária e a política fiscal são demasiado conservadoras na Europa para a dimensão da crise. E por isso, muito provavelmente, não chegam. O problema estrutural da UEM é que engoliu uma visão da economia o mais ortodoxa possível, e vai a caminho do abismo sem dar conta que a evidência à sua volta mostra que a visão estava errada.Continua….

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