O valor das ideias: 5 falhas da teoria económica convencional expostas pela crise

29-09-2009
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Tenho escrito algumas vezes que a escola de pensamento económico largamente dominante, a nível mundial, vulgarmente designada por neoclássica, é falaciosa, anti-científica e errada. De uma forma que torne este debate menos fechado e que permita a que toda a sociedade interessada compreenda o problema que preside a essa perpetuação de um modo de pensar a economia, quando não faltam correntes alternativas de pensamento, o que me proponho é denunciar de forma directa alguns erros óbvios compreensíveis transversalmente, venha de onde vier o leitor em termos de área de formação e trabalho.1) A escola neoclássica assenta na ideia de que o que é válido a nível individual pode ser transportado para o nível agregado ou nacional. Porque assenta na hipótese do "agente representativo". Quer isto dizer que na vasta generalidade dos modelos neoclássicos, se assume que os consumidores podem ser representados por um único indivíduo já que todos os outros se comportam da mesma forma. Os produtores podem ser representados por uma única empresa representativa. É esta ideia de base que permite formular saltos como o que se discutia há dias a propósito da chamada lei dos rendimentos decrescentes, com que o Tiago Tavares e o LA-C procuravam contrariar o manifesto pelo emprego. Essa suposta lei é tautológica a nível individual: no exemplo do Luís, um computador a que se vão acresencentando operadores torna-se congestionado e a dada altura o 100º fulano sentado a trabalhar na máquina não acrescenta nada, só prejudica os outros. De acordo. O problema é que o Tiago e o Luís extravazam daqui para concluir que um país tem de exibir também rendimentos decrescentes. Ora isso equivale a assumir que o que é válido para um exemplo é válido para todas as actividades produtivas e por isso basta somar 10 milhões de exemplos destes para perceber Portugal. O problema neoclássico é que não compreende a heterogeneidade entre sectores de produção, entre fábricas dentro do mesmo sector, entre trabalhadores, etc. E quando tenta compreender fá-lo geralmente criando apenas dois tipos: tipo 1 (ex. fábricas boas), tipo 2 (ex. fábricas más). A realidade de inexistência de duas pessoas iguais seja a nível de produção seja de consumo é muito complexa para a dita economia neoclássica. Há modelos neoclássicos que o tentam, só que os pressupostos necessários a representar matematicamente um infinidade de tipos de empresas e trabalhadadores são tão pesados que tornam os modelos ridículos enquanto tentativas válidade de representar comportamentos humanos.Em síntese: o problema 1 que aqui refiro é que a economia neoclássia nunca compreende o que se passa a nível macroeconómico, porque assume que é o resultado de agentes micro iguais entre si. 2) Uma boa forma de avaliar uma metodologia que se pretenda científica passa por tentar ver se esta é capaz de explicar a realidade, ou de prever a realidade com um mínimo de rigor. Ora a presente crise, se não tiver servido para mais nada, serviu pelo menos para demonstrar que a economia neoclássica não tem em si mesmo, no seu núcleo de princípios de base (no seu core se pensarmos na filosofia da ciência), os mecanismos que permitam explicar, por exemplo, o surgimento de bolhas especulativas. Os mais proeminentes economistas neoclássicos, como o nobelizado Gary Becker, admitiam expressamente há um ou dois meses que as bolhas especulativas ultrapassavam a capacidade de compreensão de um pressuposto central da economia neoclássica: a racionalidade perfeita dos agentes, e a sua tradução em expectativas racionais. Porque manifestamente o surgimento repetido de bolhas mostra que os agentes erram a prever, e a hipótese de expectativas racionais, assume a ausência de erros repetidos de previsão. Há agora alguns modelos pseudo-neoclássicos que tentam explicar as bolhas, mas o próprio Becker, que levou a racionalidade do homo economicus a limites impensáveis, declarou a sua falta de fé nesses esforços. A economia neoclássica não admite interdisciplinaridade, e não compreende o que pode importar da psicologia social, a única forma razoável de compreender euforias nos mercados financeiros. 3) Além de ser incapaz de prever comportamentos que escapem ao paradigma da racionalidade perfeita (porque coisas como a racionalidade incompleta existem na economia mas não no núcleo que permite chamar a um conjunto de argumentos como neoclássicos), a economio neoclássica chega necessariamente a resultados a que chama de equilíbrios optimizadores. Nesse sentido, não tem forma de descrever a existência de desemprego maciço na economia, a não ser como falha no processo de ajustamento de mercados. E portanto, só compreende o desemprego que observamos hoje em dia por salários que não igualam oferta e procura. 4) Aliás o entendimento do mercado de trabalho na economia neoclássica é muito deficiente porque não compreende sequer a ideia de negociação colectiva, nem de 8 horas de trabalho diário. Na mitologia neoclássica, as pessoas podem escolher trabalhar 4,564 horas por dia. A padronização por unidades indivisíveis é estranha a este mundo.5) As novas realidades da geoeconomia não têm forma de ser explicadas por mecanismos neoclássicos. A economia neoclássica assume que o sistema de preços trata de tudo. Que a negociação e a cooperação entre a China e os EUA envolva em simultâneo uma relação de mútua dependência em função das reservas chinesas em dólares que conferem poder negocial à China na pressão sobre a própria política económica americana, mas ao mesmo tempo conferem aos EUA um ascendente dado o risco a que a China está exposta, e a necessidade daí resultante de um jogo cooperatico que se estende para além do económico a domínios como a influência chinesa no Zimbabwe, na Somália, no Irão e no próprio Hindu Kush, ao mesmo tempo que envolve re-equilíbrios de forças em organizações como o FMI e o Banco Mundial é algo que está para além do quadro de pensamento económico neoclássico. Na metáfora que já aqui usei uma ou duas vezes, a economia convencional centra-se na relação entre cada sujeito, A e B, e o objecto de transação. A heterodoxia permite uma compreensão mais vasta porque compreende também e sobretudo as relações entre A e B. Por muito que isso custe ao Luís e ao Tiago, a economia neoclássica é uma construção que reduz tudo a operacionalizações matemáticas. Muito do que descrevi nos 5 exemplos acima (e mais 5 eram possíveis) resulta de incapacidade de traduzir certas realidades económicas em formulações equacionais. Lamento, mas se a ciência que procuravam era auto contida, e um domínio exclusivo da matemática aplicada, a economia é o ramo errado. Da mesma forma que os austríacos foram marginalizados por pensarem que a economia podia ser uma construção filosófica assente em axiomas e dedução lógica, mais tarde ou mais cedo o mesmo destino tem de aguardar construções surreais que procuram explicar uma realidade social através do que o homem não é nem nunca foi.Verdadeiramente interessante era saber como subsistiu até hoje a economia neoclássica como mainstream. Mas isso era outra conversa.


Tenho escrito algumas vezes que a escola de pensamento económico largamente dominante, a nível mundial, vulgarmente designada por neoclássica, é falaciosa, anti-científica e errada. De uma forma que torne este debate menos fechado e que permita a que toda a sociedade interessada compreenda o problema que preside a essa perpetuação de um modo de pensar a economia, quando não faltam correntes alternativas de pensamento, o que me proponho é denunciar de forma directa alguns erros óbvios compreensíveis transversalmente, venha de onde vier o leitor em termos de área de formação e trabalho.1) A escola neoclássica assenta na ideia de que o que é válido a nível individual pode ser transportado para o nível agregado ou nacional. Porque assenta na hipótese do "agente representativo". Quer isto dizer que na vasta generalidade dos modelos neoclássicos, se assume que os consumidores podem ser representados por um único indivíduo já que todos os outros se comportam da mesma forma. Os produtores podem ser representados por uma única empresa representativa. É esta ideia de base que permite formular saltos como o que se discutia há dias a propósito da chamada lei dos rendimentos decrescentes, com que o Tiago Tavares e o LA-C procuravam contrariar o manifesto pelo emprego. Essa suposta lei é tautológica a nível individual: no exemplo do Luís, um computador a que se vão acresencentando operadores torna-se congestionado e a dada altura o 100º fulano sentado a trabalhar na máquina não acrescenta nada, só prejudica os outros. De acordo. O problema é que o Tiago e o Luís extravazam daqui para concluir que um país tem de exibir também rendimentos decrescentes. Ora isso equivale a assumir que o que é válido para um exemplo é válido para todas as actividades produtivas e por isso basta somar 10 milhões de exemplos destes para perceber Portugal. O problema neoclássico é que não compreende a heterogeneidade entre sectores de produção, entre fábricas dentro do mesmo sector, entre trabalhadores, etc. E quando tenta compreender fá-lo geralmente criando apenas dois tipos: tipo 1 (ex. fábricas boas), tipo 2 (ex. fábricas más). A realidade de inexistência de duas pessoas iguais seja a nível de produção seja de consumo é muito complexa para a dita economia neoclássica. Há modelos neoclássicos que o tentam, só que os pressupostos necessários a representar matematicamente um infinidade de tipos de empresas e trabalhadadores são tão pesados que tornam os modelos ridículos enquanto tentativas válidade de representar comportamentos humanos.Em síntese: o problema 1 que aqui refiro é que a economia neoclássia nunca compreende o que se passa a nível macroeconómico, porque assume que é o resultado de agentes micro iguais entre si. 2) Uma boa forma de avaliar uma metodologia que se pretenda científica passa por tentar ver se esta é capaz de explicar a realidade, ou de prever a realidade com um mínimo de rigor. Ora a presente crise, se não tiver servido para mais nada, serviu pelo menos para demonstrar que a economia neoclássica não tem em si mesmo, no seu núcleo de princípios de base (no seu core se pensarmos na filosofia da ciência), os mecanismos que permitam explicar, por exemplo, o surgimento de bolhas especulativas. Os mais proeminentes economistas neoclássicos, como o nobelizado Gary Becker, admitiam expressamente há um ou dois meses que as bolhas especulativas ultrapassavam a capacidade de compreensão de um pressuposto central da economia neoclássica: a racionalidade perfeita dos agentes, e a sua tradução em expectativas racionais. Porque manifestamente o surgimento repetido de bolhas mostra que os agentes erram a prever, e a hipótese de expectativas racionais, assume a ausência de erros repetidos de previsão. Há agora alguns modelos pseudo-neoclássicos que tentam explicar as bolhas, mas o próprio Becker, que levou a racionalidade do homo economicus a limites impensáveis, declarou a sua falta de fé nesses esforços. A economia neoclássica não admite interdisciplinaridade, e não compreende o que pode importar da psicologia social, a única forma razoável de compreender euforias nos mercados financeiros. 3) Além de ser incapaz de prever comportamentos que escapem ao paradigma da racionalidade perfeita (porque coisas como a racionalidade incompleta existem na economia mas não no núcleo que permite chamar a um conjunto de argumentos como neoclássicos), a economio neoclássica chega necessariamente a resultados a que chama de equilíbrios optimizadores. Nesse sentido, não tem forma de descrever a existência de desemprego maciço na economia, a não ser como falha no processo de ajustamento de mercados. E portanto, só compreende o desemprego que observamos hoje em dia por salários que não igualam oferta e procura. 4) Aliás o entendimento do mercado de trabalho na economia neoclássica é muito deficiente porque não compreende sequer a ideia de negociação colectiva, nem de 8 horas de trabalho diário. Na mitologia neoclássica, as pessoas podem escolher trabalhar 4,564 horas por dia. A padronização por unidades indivisíveis é estranha a este mundo.5) As novas realidades da geoeconomia não têm forma de ser explicadas por mecanismos neoclássicos. A economia neoclássica assume que o sistema de preços trata de tudo. Que a negociação e a cooperação entre a China e os EUA envolva em simultâneo uma relação de mútua dependência em função das reservas chinesas em dólares que conferem poder negocial à China na pressão sobre a própria política económica americana, mas ao mesmo tempo conferem aos EUA um ascendente dado o risco a que a China está exposta, e a necessidade daí resultante de um jogo cooperatico que se estende para além do económico a domínios como a influência chinesa no Zimbabwe, na Somália, no Irão e no próprio Hindu Kush, ao mesmo tempo que envolve re-equilíbrios de forças em organizações como o FMI e o Banco Mundial é algo que está para além do quadro de pensamento económico neoclássico. Na metáfora que já aqui usei uma ou duas vezes, a economia convencional centra-se na relação entre cada sujeito, A e B, e o objecto de transação. A heterodoxia permite uma compreensão mais vasta porque compreende também e sobretudo as relações entre A e B. Por muito que isso custe ao Luís e ao Tiago, a economia neoclássica é uma construção que reduz tudo a operacionalizações matemáticas. Muito do que descrevi nos 5 exemplos acima (e mais 5 eram possíveis) resulta de incapacidade de traduzir certas realidades económicas em formulações equacionais. Lamento, mas se a ciência que procuravam era auto contida, e um domínio exclusivo da matemática aplicada, a economia é o ramo errado. Da mesma forma que os austríacos foram marginalizados por pensarem que a economia podia ser uma construção filosófica assente em axiomas e dedução lógica, mais tarde ou mais cedo o mesmo destino tem de aguardar construções surreais que procuram explicar uma realidade social através do que o homem não é nem nunca foi.Verdadeiramente interessante era saber como subsistiu até hoje a economia neoclássica como mainstream. Mas isso era outra conversa.

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