O valor das ideias: Rigidez Keynesiana no mercado de trabalho (o maior trunfo da Europa no presente) & a prova do fracasso dos modelos fortemente exportadores

29-09-2009
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Apesar de, na generalidade, o discurso da passada Sexta ter colocado o ênfase nas previsões negativas que se faziam para a economia portuguesa, já disse aqui mais que uma vez que todo o barco da UE está sob um tempestade inusitada. Contudo, e de forma aparentemente paradoxal como notava o the Economist, apesar de a retoma no Reino Unido e nos EUA ir claramente revelar-se mais rápida que na zona Euro, as populações da zona Euro não aparentam ainda uma percepção completa da longa crise que irão enfrentar. Curiosamente, para supresa dos defensores da liberalização do mercado de trabalho, facilitando despedimentos e permitindo descidas salariais, é a rigidez do mercado de trabalho na Europa que está a aguentar as cordas da tensão social. A inflexibilidade dos salários à descida, e os entraves que o modelo europeu coloca aos despedimentos, têm permitido aguentar a tensão social das falências e das paragens de produção. Estes casos extremos obviamente redundam na subida dos números do desemprego, mas onde o mercado de trabalho é verdadeiramente flexível como na Irlanda, é onde a taxa de desemprego atinge um dos níveis mais elevados da UE.O caso espanhol é mercado por níveis de rigidez apreciáveis mas o boom do imobiliário foi assente em trabalho precário a termo certo. Nesse sentido, se assiste ao disparar da taxa para valores inigualáveis. A ironia da crise, ou uma das ironias, é que é precisamente a percepção keynesiana de que os salários são rígidos à descida, pressuposto fortemente criticado por diversas ondas de neoliberalismo, a começar pelos monetaristas que advogavam um ajustamento praticamente instantâneo dos preços, que está a impedir em alguns Estados europeus situações próximas do motim social. Ademais, o modelo laboral que dificulta o despedimento individualo, e que alguns insistem em criticar, permite uma sobrevivência ao longo do período de crise que de outra forma podia ser politicamente complexa. A agitação social e política em diversos países de leste e na Islândia deve constituir evidência disso mesmo. Mas não é só a estabilidade social que a tão criticada rigidez do mercado laboral pelos neoliberais está a permitir suster ligeiramente. Se é certo que a eurolância está em derrapagem deflacionista, não pode ser ignorado que, mais uma vez, a rigidez de custos laborais, impede que os preços dos bens e serviços caiam assim tanto. A compressão das margens de lucro está com certeza a ocorrer. Mas não se reflectindo nos preços dos bens e serviços finais de forma manifesta, a inflação subjacente medida de forma habitual não dá conta de uma quebra abrupta nos preços na Eurolândia, antes de um suave deslizar para terreno negativo. Dos males de uma espiral deflacionista já aqui falamos longamente. Que seja de novo o postulado keynesiano da rigidez salarial à descida que se está a verificar empiricamente controlando a capacidade de descida dos preços sem que a empresa incorra em prejuízos, não deixa também de ser merecedor de nota. Aliás, o próprio BCE, catedral do monetarismo na Europa, já admitiu através de alguns dos seus economistas mais sonantes que a rigidez no mercado de trabalho estava a suster essa espiral deflacionista, e a suster o tecido social e político. A derrota do neoliberalismo, no plano da evidência empírica, acaba por isso por ser dupla: é a percepção keynesiana que está a suportar o modelo social e político; é também a percepção keynesiana que está a impedir o deslizar para uma prolongada deflação. Que percepção keynesiana: a da rigidez dos salários à descida. Keynes bate aqui, no domínio da evidência empírica, monetaristas, neoclássicos e austríacos. Existe, contudo, uma questão que alguns poderão levantar: é a situação sustentável? Durante quanto tempo podem as empresas praticar os preços actuais com a procura em quebra e as margens de lucro a apertar. A resposta é novamente keynesiana e política: quanto mais rapidamente alguma cabeça decisora da política económica comunitária perceber a urgência da suspensão do PEC por um ou dois anos, e da mudança de rumo da política do BCE, facilitando o financiamento a juros baixos do investimento público pelos Estados (suspendendo a claúsula do Tratado de Maastricht que proíbe esse financiamento directo), mais rapidamente a retoma permitirá regularizar situações. A compra de títulos de dívida dos Estados Membros não deveria neste momento constituir tabu: a Reserva Federal não se tem cansado de o fazer nos EUA. O BCE admitiu quando muito comprar obrigações hipotecárias de empresas. O que não ajuda propriamente as famosas PMEs. A terceira derrota do neoliberalismo resulta do modelo de acumulação contínua de excedentes comerciais de alguns países. Porque curiosamente, é a Alemanha e não a Espanha que está com a maior quebra do PIB na Eurolândia, a seguir à Irlanda. Dois países que apostaram tudo na procura externa. A nível da contracção do PIB, a bolha do imobiliário espanhol não teve efeitos sequer comparáveis ao que a Alemanha e a Irlanda estão a sofrer com a queda da procura externa. Os rearranjos em curso na China, procurando dinamizar a procura interna, são sinal claro de que Pequim já percebeu que um modelo assente nas exportações não é mais sustentável. Da mesma forma que os EUA têm de conseguir exportar mais. O comércio internacional está na génese das maiores contracções do PIB nesta crise. O meu artigo no Le Monde Diplomatique (ed. Portuguesa) deste mês explora essa questão. Em síntese, em lugar de enterrar a cabeça na areia e trocar acusações está na altura dos neoliberais virem à mesa e perceberem que se a Eurolândia será a zona mais afectada pela crise, é porque alguma coisa de estruturalmente errado se passa aqui. E isso poderá bem ser, como já defendi, o denho económico das instituições comunitárias: não é mais possível, a bem da própria Alemanha, acumular excedentes comerciais enquantro outros acumulam défices; não é mais possível o PEC ser uma espada sobre a cabeça da retoma e seguramente um BCE que já está a pensar subir os juros em 2010, não é o modelo de banco central que interesse aos povos europeus. Se Keynes tinha razão, está na hora de o aceitar e levar à prática.


Apesar de, na generalidade, o discurso da passada Sexta ter colocado o ênfase nas previsões negativas que se faziam para a economia portuguesa, já disse aqui mais que uma vez que todo o barco da UE está sob um tempestade inusitada. Contudo, e de forma aparentemente paradoxal como notava o the Economist, apesar de a retoma no Reino Unido e nos EUA ir claramente revelar-se mais rápida que na zona Euro, as populações da zona Euro não aparentam ainda uma percepção completa da longa crise que irão enfrentar. Curiosamente, para supresa dos defensores da liberalização do mercado de trabalho, facilitando despedimentos e permitindo descidas salariais, é a rigidez do mercado de trabalho na Europa que está a aguentar as cordas da tensão social. A inflexibilidade dos salários à descida, e os entraves que o modelo europeu coloca aos despedimentos, têm permitido aguentar a tensão social das falências e das paragens de produção. Estes casos extremos obviamente redundam na subida dos números do desemprego, mas onde o mercado de trabalho é verdadeiramente flexível como na Irlanda, é onde a taxa de desemprego atinge um dos níveis mais elevados da UE.O caso espanhol é mercado por níveis de rigidez apreciáveis mas o boom do imobiliário foi assente em trabalho precário a termo certo. Nesse sentido, se assiste ao disparar da taxa para valores inigualáveis. A ironia da crise, ou uma das ironias, é que é precisamente a percepção keynesiana de que os salários são rígidos à descida, pressuposto fortemente criticado por diversas ondas de neoliberalismo, a começar pelos monetaristas que advogavam um ajustamento praticamente instantâneo dos preços, que está a impedir em alguns Estados europeus situações próximas do motim social. Ademais, o modelo laboral que dificulta o despedimento individualo, e que alguns insistem em criticar, permite uma sobrevivência ao longo do período de crise que de outra forma podia ser politicamente complexa. A agitação social e política em diversos países de leste e na Islândia deve constituir evidência disso mesmo. Mas não é só a estabilidade social que a tão criticada rigidez do mercado laboral pelos neoliberais está a permitir suster ligeiramente. Se é certo que a eurolância está em derrapagem deflacionista, não pode ser ignorado que, mais uma vez, a rigidez de custos laborais, impede que os preços dos bens e serviços caiam assim tanto. A compressão das margens de lucro está com certeza a ocorrer. Mas não se reflectindo nos preços dos bens e serviços finais de forma manifesta, a inflação subjacente medida de forma habitual não dá conta de uma quebra abrupta nos preços na Eurolândia, antes de um suave deslizar para terreno negativo. Dos males de uma espiral deflacionista já aqui falamos longamente. Que seja de novo o postulado keynesiano da rigidez salarial à descida que se está a verificar empiricamente controlando a capacidade de descida dos preços sem que a empresa incorra em prejuízos, não deixa também de ser merecedor de nota. Aliás, o próprio BCE, catedral do monetarismo na Europa, já admitiu através de alguns dos seus economistas mais sonantes que a rigidez no mercado de trabalho estava a suster essa espiral deflacionista, e a suster o tecido social e político. A derrota do neoliberalismo, no plano da evidência empírica, acaba por isso por ser dupla: é a percepção keynesiana que está a suportar o modelo social e político; é também a percepção keynesiana que está a impedir o deslizar para uma prolongada deflação. Que percepção keynesiana: a da rigidez dos salários à descida. Keynes bate aqui, no domínio da evidência empírica, monetaristas, neoclássicos e austríacos. Existe, contudo, uma questão que alguns poderão levantar: é a situação sustentável? Durante quanto tempo podem as empresas praticar os preços actuais com a procura em quebra e as margens de lucro a apertar. A resposta é novamente keynesiana e política: quanto mais rapidamente alguma cabeça decisora da política económica comunitária perceber a urgência da suspensão do PEC por um ou dois anos, e da mudança de rumo da política do BCE, facilitando o financiamento a juros baixos do investimento público pelos Estados (suspendendo a claúsula do Tratado de Maastricht que proíbe esse financiamento directo), mais rapidamente a retoma permitirá regularizar situações. A compra de títulos de dívida dos Estados Membros não deveria neste momento constituir tabu: a Reserva Federal não se tem cansado de o fazer nos EUA. O BCE admitiu quando muito comprar obrigações hipotecárias de empresas. O que não ajuda propriamente as famosas PMEs. A terceira derrota do neoliberalismo resulta do modelo de acumulação contínua de excedentes comerciais de alguns países. Porque curiosamente, é a Alemanha e não a Espanha que está com a maior quebra do PIB na Eurolândia, a seguir à Irlanda. Dois países que apostaram tudo na procura externa. A nível da contracção do PIB, a bolha do imobiliário espanhol não teve efeitos sequer comparáveis ao que a Alemanha e a Irlanda estão a sofrer com a queda da procura externa. Os rearranjos em curso na China, procurando dinamizar a procura interna, são sinal claro de que Pequim já percebeu que um modelo assente nas exportações não é mais sustentável. Da mesma forma que os EUA têm de conseguir exportar mais. O comércio internacional está na génese das maiores contracções do PIB nesta crise. O meu artigo no Le Monde Diplomatique (ed. Portuguesa) deste mês explora essa questão. Em síntese, em lugar de enterrar a cabeça na areia e trocar acusações está na altura dos neoliberais virem à mesa e perceberem que se a Eurolândia será a zona mais afectada pela crise, é porque alguma coisa de estruturalmente errado se passa aqui. E isso poderá bem ser, como já defendi, o denho económico das instituições comunitárias: não é mais possível, a bem da própria Alemanha, acumular excedentes comerciais enquantro outros acumulam défices; não é mais possível o PEC ser uma espada sobre a cabeça da retoma e seguramente um BCE que já está a pensar subir os juros em 2010, não é o modelo de banco central que interesse aos povos europeus. Se Keynes tinha razão, está na hora de o aceitar e levar à prática.

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