O valor das ideias: Prioridades de Política económica e social para um tempo de crise: Uma reflexão

30-09-2009
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As fragilidades da estrutura e das redes de apoio social têm sido postas à prova pelas especificidades dos tempos que correm. A crise veio desnudar um acumular de asneiras de política económica praticadas durante três décadas, por influência da mitologia da mão invisível, que conduziu à desestruturação progressiva do fornecimento de bens públicos e de mérito, da estrutura fiscal e de redistribuição, da regulação dos mercados e do próprio sector empresarial do Estado. De um ponto de vista da intervenção política, esta é uma situação de emergência que obriga a propostas concretas que têm de obedecer aos nossos anseios e prioridades, enquanto esquerda moderna, mas nunca envergonhada.A prioridade ao nível da acção política tem de combinar a intervenção ao nível das redes de apoio social com a intervenção junto dos catalisadores da crise de forma a travar a sangria económica. Sobre o primeiro aspecto há que reconhecer como inválidos, na conjuntura, os mecanismos de obediência a um critério do défice orçamental. A retórica do comissário Almunia não é compatível com tempos de emergência. Assim, o aumento dos montantes e duração das transferências sociais para desempregados e famílias de rendimentos médios e baixos tem de ser uma prioridade. Da mesma forma que o investimento público deverá eleger como prioridade a exequibilidade das obras a curto prazo, para acorrer à chaga social do desemprego antes que a chaga se transforme num justificado motim. A criação de empregos no curto prazo exige relaxamento das lógicas assentes no carácter estruturante das grandes obras. Não se trata de afirmar que seja negligenciável a modernização, mas antes reconhecer que neste momento é importante privilegiar projectos prontos a arrancar.A ditadura do pensamento germânico sobre os equilíbrios orçamentais corre o risco de fazer implodir socialmente a União. Como observava, na semana passada, Anatole Kaletsky, se os países da UE seguirem concertadamente uma determinada orientação de expansionismo orçamental, ainda para mais sendo a economia germânica dependente das exportações para os mercados europeus, terá de ceder inevitavelmente, ainda que de forma tácita, à ideia dos pacotes de estímulos. A suspensão temporária, pelo menos, do PEC parece ser a opção política mais viável para evitar situações como a da Irlanda em que o socorro a sector financeiro em colapso levou o governo a uma tributação sem precedentes da classe média. Em Portugal é previsível que as ondas de choque financeiro se passem a fazer sentir com o aumento em termos reais da dívida das famílias, em função de um cenário deflacionista, e com o aumento do risco de contágio quando os grupos financeiros europeus forem atingidos por situações de default a leste. Como a realidade americana tem vindo a salientar, a nacionalização dos bancos em dificuldade acaba por ser a solução menos penosa socialmente, com a constituição dos chamados bad banks públicos. Se a Irlanda acabou de o fazer e se a Alemanha está próxima de constituir um, esta é uma opção política a considerar. Não para salvar um pequeno número de grandes fortunas em função de uma gestão bancária fraudulenta, mas para evitar o colapso de instituições que arrastem consigo o sistema financeiro português e os depósitos de pequenos aforradores.O alargamento do papel do Estado compreende pelo menos mais três vertentes. A primeira passa pelo financiamento capaz do poder local para evitar o surgimento de pólos de desemprego por incapacidade das estruturas de poder do Estado em fazerem face aos seus compromissos, com o resultante encerramento de serviços públicos, e a degradação da qualidade de vida das populações. Este é também o tempo de resistir a manobras no sentido da chamada racionalização dos serviços, que frequentemente têm em vista uma redução de efectivos, que só agravaria a situação corrente. Em segundo lugar, o Estado tem de ser capaz de assumir uma regulação mais do que cosmética seja na concorrência, seja nos domínios bancários e financeiros. O nosso sistema prudencial deu provas recentes de fraqueza que urge combater. Os produtos financeiros com fins meramente especulativos, fortemente alavancados e que aumentam o risco sistémico devem ser objecto de cuidada análise e, se nece ssário for, banidos. A saúde bancária na Índia e na China deve muito a essa capacidade de não permitir aos bancos a entrada no jogo especulativo. Tenho advogado também a supremacia da regulação financeira de malha apertada com suspensão de circulação de capitais para off shores. Finalmente e, em último lugar, é preciso um sistema tributário que favoreça um efectiva progressividade e que acabe de vez com a mitologia da discriminação positiva do IDE. Os exemplos da Irlanda, e do leste europeu, demonstram de modo cabal que os paradigmas de desenvolvimento assentes maciçamente nas exportações e nas facilidades ao capital estrangeiro potenciam os efeitos da crise. É igualmente preciso desmistificar os discursos que advogam que esta crise tem como saída possível a descida do IRC. É um argumento de oportunismo político, falso, e socialmente ineficaz.


As fragilidades da estrutura e das redes de apoio social têm sido postas à prova pelas especificidades dos tempos que correm. A crise veio desnudar um acumular de asneiras de política económica praticadas durante três décadas, por influência da mitologia da mão invisível, que conduziu à desestruturação progressiva do fornecimento de bens públicos e de mérito, da estrutura fiscal e de redistribuição, da regulação dos mercados e do próprio sector empresarial do Estado. De um ponto de vista da intervenção política, esta é uma situação de emergência que obriga a propostas concretas que têm de obedecer aos nossos anseios e prioridades, enquanto esquerda moderna, mas nunca envergonhada.A prioridade ao nível da acção política tem de combinar a intervenção ao nível das redes de apoio social com a intervenção junto dos catalisadores da crise de forma a travar a sangria económica. Sobre o primeiro aspecto há que reconhecer como inválidos, na conjuntura, os mecanismos de obediência a um critério do défice orçamental. A retórica do comissário Almunia não é compatível com tempos de emergência. Assim, o aumento dos montantes e duração das transferências sociais para desempregados e famílias de rendimentos médios e baixos tem de ser uma prioridade. Da mesma forma que o investimento público deverá eleger como prioridade a exequibilidade das obras a curto prazo, para acorrer à chaga social do desemprego antes que a chaga se transforme num justificado motim. A criação de empregos no curto prazo exige relaxamento das lógicas assentes no carácter estruturante das grandes obras. Não se trata de afirmar que seja negligenciável a modernização, mas antes reconhecer que neste momento é importante privilegiar projectos prontos a arrancar.A ditadura do pensamento germânico sobre os equilíbrios orçamentais corre o risco de fazer implodir socialmente a União. Como observava, na semana passada, Anatole Kaletsky, se os países da UE seguirem concertadamente uma determinada orientação de expansionismo orçamental, ainda para mais sendo a economia germânica dependente das exportações para os mercados europeus, terá de ceder inevitavelmente, ainda que de forma tácita, à ideia dos pacotes de estímulos. A suspensão temporária, pelo menos, do PEC parece ser a opção política mais viável para evitar situações como a da Irlanda em que o socorro a sector financeiro em colapso levou o governo a uma tributação sem precedentes da classe média. Em Portugal é previsível que as ondas de choque financeiro se passem a fazer sentir com o aumento em termos reais da dívida das famílias, em função de um cenário deflacionista, e com o aumento do risco de contágio quando os grupos financeiros europeus forem atingidos por situações de default a leste. Como a realidade americana tem vindo a salientar, a nacionalização dos bancos em dificuldade acaba por ser a solução menos penosa socialmente, com a constituição dos chamados bad banks públicos. Se a Irlanda acabou de o fazer e se a Alemanha está próxima de constituir um, esta é uma opção política a considerar. Não para salvar um pequeno número de grandes fortunas em função de uma gestão bancária fraudulenta, mas para evitar o colapso de instituições que arrastem consigo o sistema financeiro português e os depósitos de pequenos aforradores.O alargamento do papel do Estado compreende pelo menos mais três vertentes. A primeira passa pelo financiamento capaz do poder local para evitar o surgimento de pólos de desemprego por incapacidade das estruturas de poder do Estado em fazerem face aos seus compromissos, com o resultante encerramento de serviços públicos, e a degradação da qualidade de vida das populações. Este é também o tempo de resistir a manobras no sentido da chamada racionalização dos serviços, que frequentemente têm em vista uma redução de efectivos, que só agravaria a situação corrente. Em segundo lugar, o Estado tem de ser capaz de assumir uma regulação mais do que cosmética seja na concorrência, seja nos domínios bancários e financeiros. O nosso sistema prudencial deu provas recentes de fraqueza que urge combater. Os produtos financeiros com fins meramente especulativos, fortemente alavancados e que aumentam o risco sistémico devem ser objecto de cuidada análise e, se nece ssário for, banidos. A saúde bancária na Índia e na China deve muito a essa capacidade de não permitir aos bancos a entrada no jogo especulativo. Tenho advogado também a supremacia da regulação financeira de malha apertada com suspensão de circulação de capitais para off shores. Finalmente e, em último lugar, é preciso um sistema tributário que favoreça um efectiva progressividade e que acabe de vez com a mitologia da discriminação positiva do IDE. Os exemplos da Irlanda, e do leste europeu, demonstram de modo cabal que os paradigmas de desenvolvimento assentes maciçamente nas exportações e nas facilidades ao capital estrangeiro potenciam os efeitos da crise. É igualmente preciso desmistificar os discursos que advogam que esta crise tem como saída possível a descida do IRC. É um argumento de oportunismo político, falso, e socialmente ineficaz.

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