O nosso amigo Viriato foi à praia de transportes públicos. Daí a relatar a experiência na primeira pessoa é um pequeno passo:---Era um dia como tantos outros. Depois de uma boa tarde passada na praia, cheguei ao autocarro que me levaria calmamente – supunha eu – a casa.Porém, cedo a situação mudou de figura. Na primeira paragem, entraram cerca de uma dúzia de “jovens”, devidamente acompanhados por um rádio que debitava uns decibéis de som a mais que o recomendável.O autocarro estava cheio como uma lata de sardinhas. O cheiro, por razões que não interessa aqui explicar, era simplesmente nauseabundo. As pessoas, sentadas ou em pé, manifestavam o seu natural cansaço, depois de uma desgastante tarde de praia. Enquanto isso, a aparelhagem que os “jovens” levavam ao ombro continuava ligada, com músicas caseiras e temas de qualidade duvidosa que todos insistiam em cantar em coro (se é que se pode chamar cantar). Só por este cenário, já eu pensava ter uma boa história para contar. Infelizmente, as coisas não ficariam por aí.Durante o percurso, os “jovens” ganharam o hábito de premir os botões “STOP” antes das paragens. Assim, o autocarro parava, abria as portas e esperava em vão que alguém saísse. Aconteceu uma, duas, três, quatro vezes, até que o motorista decidiu esperar uns bons segundos de portas abertas. O protesto não se fez esperar. Os “jovens” começaram imediatamente a gritar para que o motorista arrancasse, já que eles tinham mais que fazer que estar ali à seca num autocarro a escaldar (pois claro, que a vida de gangster é ocupada). O motorista, carrancudo e contrariado, lá arrancou.Para provar a sua inocência, os “jovens” decidiram culpar uma rapariga asiática (que por acaso, conheço) pelo incidente dos botões. Acusaram-na, chamaram-lhe nomes e finalmente – e isto é a mais pura das verdades – questionaram o direito que a rapariga tinha de estar ali. Isto não é o Japão gritava um deles, ao que outro respondeu vai mas é para a tua terra, ò chinesa. Nesta altura não pude evitar um sorriso.A viagem prosseguiu e o rádio continuava a sua actividade, para desgosto da maioria dos passageiros do autocarro. A pouca distância do destino final, o veículo parou e as portas abriram-se. O motorista recusou-se a andar mais, já que não tinha condições para tal. Enquanto os “jovens” gritavam e praguejavam contra o condutor (que afinal não passava de um cabrão racista), olhei para o relógio. Estava mais atrasado do que previa. Foi aí que me virei para trás e falei educadamente com o “jovem” do rádio. Pedi-lhe com bons modos que desligasse o aparelho, para não arranjar confusões desnecessárias com o condutor, já que estávamos bastante perto do destino final. A resposta não se fez esperar. Perguntaram-me se o rádio era meu, mandaram meter-me na minha vida de pula e no fim ameaçaram desligar o aparelho na minha cabeça. Enquanto isso, várias pessoas falavam com o motorista, tentando convencê-lo a retomar o percurso, já que aquela decisão atrapalhava muitas pessoas que nada tinham a ver com o assunto e que estavam tão cansadas como ele. Passados uns minutos, o homem lá cedeu e arrancou até ao destino final e normal.P.S. - Depois de ler o texto, talvez algumas pessoas se questionem acerca da sua veracidade. No fundo, é difícil acreditar que cenas destas ocorram num país aparentemente desenvolvido. No entanto, asseguro que tudo o que foi escrito reproduz fielmente o que se passou.Realmente, é em situações como esta que tenho pena que a Diana Andringa, a Ana Drago, o Padre Vaz Pinto e afins não utilizem os Transportes Sul do Tejo. Estou certo que veriam o mundo de outra forma...(Viriato, O Porta-Bandeira)
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O nosso amigo Viriato foi à praia de transportes públicos. Daí a relatar a experiência na primeira pessoa é um pequeno passo:---Era um dia como tantos outros. Depois de uma boa tarde passada na praia, cheguei ao autocarro que me levaria calmamente – supunha eu – a casa.Porém, cedo a situação mudou de figura. Na primeira paragem, entraram cerca de uma dúzia de “jovens”, devidamente acompanhados por um rádio que debitava uns decibéis de som a mais que o recomendável.O autocarro estava cheio como uma lata de sardinhas. O cheiro, por razões que não interessa aqui explicar, era simplesmente nauseabundo. As pessoas, sentadas ou em pé, manifestavam o seu natural cansaço, depois de uma desgastante tarde de praia. Enquanto isso, a aparelhagem que os “jovens” levavam ao ombro continuava ligada, com músicas caseiras e temas de qualidade duvidosa que todos insistiam em cantar em coro (se é que se pode chamar cantar). Só por este cenário, já eu pensava ter uma boa história para contar. Infelizmente, as coisas não ficariam por aí.Durante o percurso, os “jovens” ganharam o hábito de premir os botões “STOP” antes das paragens. Assim, o autocarro parava, abria as portas e esperava em vão que alguém saísse. Aconteceu uma, duas, três, quatro vezes, até que o motorista decidiu esperar uns bons segundos de portas abertas. O protesto não se fez esperar. Os “jovens” começaram imediatamente a gritar para que o motorista arrancasse, já que eles tinham mais que fazer que estar ali à seca num autocarro a escaldar (pois claro, que a vida de gangster é ocupada). O motorista, carrancudo e contrariado, lá arrancou.Para provar a sua inocência, os “jovens” decidiram culpar uma rapariga asiática (que por acaso, conheço) pelo incidente dos botões. Acusaram-na, chamaram-lhe nomes e finalmente – e isto é a mais pura das verdades – questionaram o direito que a rapariga tinha de estar ali. Isto não é o Japão gritava um deles, ao que outro respondeu vai mas é para a tua terra, ò chinesa. Nesta altura não pude evitar um sorriso.A viagem prosseguiu e o rádio continuava a sua actividade, para desgosto da maioria dos passageiros do autocarro. A pouca distância do destino final, o veículo parou e as portas abriram-se. O motorista recusou-se a andar mais, já que não tinha condições para tal. Enquanto os “jovens” gritavam e praguejavam contra o condutor (que afinal não passava de um cabrão racista), olhei para o relógio. Estava mais atrasado do que previa. Foi aí que me virei para trás e falei educadamente com o “jovem” do rádio. Pedi-lhe com bons modos que desligasse o aparelho, para não arranjar confusões desnecessárias com o condutor, já que estávamos bastante perto do destino final. A resposta não se fez esperar. Perguntaram-me se o rádio era meu, mandaram meter-me na minha vida de pula e no fim ameaçaram desligar o aparelho na minha cabeça. Enquanto isso, várias pessoas falavam com o motorista, tentando convencê-lo a retomar o percurso, já que aquela decisão atrapalhava muitas pessoas que nada tinham a ver com o assunto e que estavam tão cansadas como ele. Passados uns minutos, o homem lá cedeu e arrancou até ao destino final e normal.P.S. - Depois de ler o texto, talvez algumas pessoas se questionem acerca da sua veracidade. No fundo, é difícil acreditar que cenas destas ocorram num país aparentemente desenvolvido. No entanto, asseguro que tudo o que foi escrito reproduz fielmente o que se passou.Realmente, é em situações como esta que tenho pena que a Diana Andringa, a Ana Drago, o Padre Vaz Pinto e afins não utilizem os Transportes Sul do Tejo. Estou certo que veriam o mundo de outra forma...(Viriato, O Porta-Bandeira)