Horários Escolares

21-04-2008
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De facto! Aquela poderia ser mais uma manhã como outra qualquer. Um sujeito entra na estação do metro, vestindo jeans, camiseta e boné, encosta-se próximo à entrada, tira o violino da caixa e começa a tocar com entusiasmo para a multidão que passa por ali, na hora de ponta matinal. Durante os 45 minutos em que tocou, foi praticamente ignorado pelos passantes. Ninguém sabia, mas o músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, executando peças musicais consagradas, num instrumento raríssimo, um Stradivarius de 1713, estimado em mais de 3 milhões de dólares. Alguns dias antes Bell tinha tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam a bagatela de 1000 dólares. A experiência, gravada em vídeo, mostra homens e mulheres de andar ligeiro,copo de café na mão, telemovel no ouvido, crachá balançando no pescoço,indiferentes ao som do violino. A iniciativa realizada pelo jornal The Washington Post era a de lançar um debate sobre valor, contexto e arte. A conclusão: estamos acostumados a dar valor às coisas quando estão num contexto. Bell era uma obra de arte sem moldura. Um artefato de luxo sem etiqueta de marca.

Esta frase contraria a teorização da pedagogia moderna, em que querem objectivos, comportamentos, programas, axiomas «como só se pode ensinar aquilo que pode ser avaliado». Perde-se o valor da Educação na perspectiva nemesiana - o saber livre, o saber gratuito, o saber por saber - e fica-se nesta história de saber porque vão perguntar-me para ver se sei. Isto quando a prática está sempre a destapar-nos a ignorância.

Parece que o vídeo da zaragata ocorrida entre uma aluna e uma professora do Liceu Carolina Michaëlis de Vasconcelos, no Porto, sobressaltou as serenas consciências e permitiu uma resoluta série de opiniões. Putativos culpados: a aluna, a professora, a escola, a ministra - e os pais. Não me atrevo a juízos definitivos. A vigilância hierarquizada, assim como a punição pelo método da pirâmide, correspondem, em última análise, a insidiosas extensões dos mecanismos de poder. O que está em causa, modestamente o creio, é a questão do "sistema", não as debilidades do "regime". Este possui os desvios e as turbulências comuns às suas estruturas e instituições. Aquele nunca cedeu ao seu radical objectivo. A verdade é que, um pouco por todo o mundo, a violência nos estabelecimentos de ensino é um dado adquirido. Os estudantes do Maio de 68 exigiam "Tudo, já!", e invocavam ser a última das gerações marcadas pela injustiça. Sacolejaram a velha doutrina. O festim durou um instante. E os seus líderes deram no que deram, com especial relevo para a teatralidade pungente de Cohn-Bendit. O mal-estar persiste porque se alterou alguma coisa a fim de tudo ficar na mesma. A fórmula de Lampedusa aplica-se, também, às situações a que temos assistido. Não há ausência de valores. Há, isso sim, outros valores de rápida importação, sobre os quais nenhuma reflexão tem sido feita. A nova ordem económica mundial modificou, substancialmente, o articulado no qual se estatuiu, durante décadas, a nossa existência comum. Tudo se tornou precário, instável e inquietante. Destruiu-se comportamentos consolidados, disposições familiares de séculos, mecanismos que garantiam equilíbrios sociais. No fundo, a "organização" não passava de uma dissimulada sanção normalizadora ou, se o quiserem, punitiva, por opressora. Acusam-se os pais e os professores de desatenção, negligência, falta de zelo; os alunos, de desobediência, insolência, má educação. E reclama-se a velha "autoridade". As fracções mais ténues de conduta não são analisadas à luz das novas regras - nas quais o "mercado" e a inobservância dos laços solidários desempenham poderosos papéis. Em todos os sectores funcionam aparelhos penais, num espaço que as sociedades deixaram vazio, por não esclarecerem a dimensão das novas regras. E estas foram estabelecidas pelo capitalismo moderno, rude e desenfreado por inexistência de alternativa credível. Vivemos num tempo evolutivo. A escola, a Igreja, a justiça, o amor, o conceito de família, a noção de comunidade, tal como no-lo foram inculcados, são sacudidos porque emergiram outras modalidades de poder. O caso do liceu do Porto é um dos sinais do tempo. Nem mais nem menos graves do que outros.

De facto! Aquela poderia ser mais uma manhã como outra qualquer. Um sujeito entra na estação do metro, vestindo jeans, camiseta e boné, encosta-se próximo à entrada, tira o violino da caixa e começa a tocar com entusiasmo para a multidão que passa por ali, na hora de ponta matinal. Durante os 45 minutos em que tocou, foi praticamente ignorado pelos passantes. Ninguém sabia, mas o músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, executando peças musicais consagradas, num instrumento raríssimo, um Stradivarius de 1713, estimado em mais de 3 milhões de dólares. Alguns dias antes Bell tinha tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam a bagatela de 1000 dólares. A experiência, gravada em vídeo, mostra homens e mulheres de andar ligeiro,copo de café na mão, telemovel no ouvido, crachá balançando no pescoço,indiferentes ao som do violino. A iniciativa realizada pelo jornal The Washington Post era a de lançar um debate sobre valor, contexto e arte. A conclusão: estamos acostumados a dar valor às coisas quando estão num contexto. Bell era uma obra de arte sem moldura. Um artefato de luxo sem etiqueta de marca.

Esta frase contraria a teorização da pedagogia moderna, em que querem objectivos, comportamentos, programas, axiomas «como só se pode ensinar aquilo que pode ser avaliado». Perde-se o valor da Educação na perspectiva nemesiana - o saber livre, o saber gratuito, o saber por saber - e fica-se nesta história de saber porque vão perguntar-me para ver se sei. Isto quando a prática está sempre a destapar-nos a ignorância.

Parece que o vídeo da zaragata ocorrida entre uma aluna e uma professora do Liceu Carolina Michaëlis de Vasconcelos, no Porto, sobressaltou as serenas consciências e permitiu uma resoluta série de opiniões. Putativos culpados: a aluna, a professora, a escola, a ministra - e os pais. Não me atrevo a juízos definitivos. A vigilância hierarquizada, assim como a punição pelo método da pirâmide, correspondem, em última análise, a insidiosas extensões dos mecanismos de poder. O que está em causa, modestamente o creio, é a questão do "sistema", não as debilidades do "regime". Este possui os desvios e as turbulências comuns às suas estruturas e instituições. Aquele nunca cedeu ao seu radical objectivo. A verdade é que, um pouco por todo o mundo, a violência nos estabelecimentos de ensino é um dado adquirido. Os estudantes do Maio de 68 exigiam "Tudo, já!", e invocavam ser a última das gerações marcadas pela injustiça. Sacolejaram a velha doutrina. O festim durou um instante. E os seus líderes deram no que deram, com especial relevo para a teatralidade pungente de Cohn-Bendit. O mal-estar persiste porque se alterou alguma coisa a fim de tudo ficar na mesma. A fórmula de Lampedusa aplica-se, também, às situações a que temos assistido. Não há ausência de valores. Há, isso sim, outros valores de rápida importação, sobre os quais nenhuma reflexão tem sido feita. A nova ordem económica mundial modificou, substancialmente, o articulado no qual se estatuiu, durante décadas, a nossa existência comum. Tudo se tornou precário, instável e inquietante. Destruiu-se comportamentos consolidados, disposições familiares de séculos, mecanismos que garantiam equilíbrios sociais. No fundo, a "organização" não passava de uma dissimulada sanção normalizadora ou, se o quiserem, punitiva, por opressora. Acusam-se os pais e os professores de desatenção, negligência, falta de zelo; os alunos, de desobediência, insolência, má educação. E reclama-se a velha "autoridade". As fracções mais ténues de conduta não são analisadas à luz das novas regras - nas quais o "mercado" e a inobservância dos laços solidários desempenham poderosos papéis. Em todos os sectores funcionam aparelhos penais, num espaço que as sociedades deixaram vazio, por não esclarecerem a dimensão das novas regras. E estas foram estabelecidas pelo capitalismo moderno, rude e desenfreado por inexistência de alternativa credível. Vivemos num tempo evolutivo. A escola, a Igreja, a justiça, o amor, o conceito de família, a noção de comunidade, tal como no-lo foram inculcados, são sacudidos porque emergiram outras modalidades de poder. O caso do liceu do Porto é um dos sinais do tempo. Nem mais nem menos graves do que outros.

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