JCP contra prédios abandonados e rendas altas

06-01-2006
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JCP contra prédios abandonados

e rendas altas em Lisboa

A cidade

da juventude

O problema da habitação em Lisboa afecta milhares de jovens. Muitos deles vêem-se obrigados a ir para os subúrbios quando saem de casa dos pais. A JCP lançou recentemente um conjunto de proposta para fazer face aos fogos devolutos e aos arrendamentos altos. Ana Couto, Ricardo Noronha e Ana Saldanha explicam como voltar a trazer os jovens para a cidade.

Avante! - A actual situação social e económica dos jovens leva-os a adiar a sua vida adulta e a permanecer mais tempo em casa dos pais?

Ana Couto - Cada vez há mais jovens que decidem continuar eternamente a estudar porque pensam não conseguem arranjar emprego se não tiverem uma licenciatura ou um mestrado. E muitos destes mantêm-se em casa dos pais porque não têm um rendimento fixo. Por outro lado, quando um jovem entra no mercado de trabalho, o primeiro emprego que tem é precário, sem garantias de estabilidade e com salários muito baixos. É um mundo que não dá nenhuma segurança para o jovem sair de casa dos pais, onde não tem de pagar renda e pode usufruir de uma cama.

Ana Saldanha - Como o emprego não é fixo, anda-se a saltar de trabalho em trabalho, não se sabe muito bem onde se vai trabalhar e quanto se vai receber... Isso também contribui para adiar a saída de casa dos pais. A solução é ir para a periferia da cidade, onde as casas são mais baratas, desertificando a cidade de Lisboa.

Ricardo Noronha - Se um jovem quer comprar uma casa, tem de contrair um empréstimo e ficar endividado o resto da vida. A primeira casa deve corresponder às necessidades que os jovens têm aos 20 anos e que não são as mesmas que tem aos 30, quando querem estabilizar e constituir família. Aí já vão precisar de outra casa, vender a que têm e contrair outro empréstimo.

- E sem um emprego fixo os bancos não emprestam quantias elevadas...

AS - Exacto, não tem uma garantia bancária para contrair um empréstimo. Normalmente, os pais têm de ficar como fiadores.

- Que problemas provocam na vida dos jovens as rendas e as prestações elevadas?

AS - Isso tem a ver também com os salários baixos. O dinheiro fica contado até ao fim do mês, «vai x para a renda, vai x para a água e para a electricidade». Obviamente que o entretenimento passa para segundo plano.

RN - Se uma pessoa se endivida para pagar uma casa, inevitavelmente fica muito mais dependente do emprego e do patrão e fica mais vulnerável para lutar pelos seus direitos e tem mais tendência para se contentar com aquilo que tem. Não se pode expor a uma situação em que não possa pagar a renda. Uma pessoa que se endivida fica dependente.

AC- Com os ordenados que se praticam, tu pagas as despesas da casa e ficas sem dinheiro para ir ao cinema ou ao teatro, eventualmente fazer um jantar, comprar livros.

RN- Os jovens têm de optar: ou têm casa ou têm uma vida normal. Há muita gente que decide sair de casa dos pais, mas estes continuam a ajudá-los financeiramente.

- Os jovens optam por comprar casa e não alugar devido às rendas altas?

AS- Neste momento compensa comprar casa por causa do crédito bonificado para jovens. Se as rendas fossem mais baixas, muitas pessoas escolhiam arrendar.

- Que consequências têm para a cidade o afastamento dos jovens?

AC- Já se nota e tem sido noticiada a perda de população. O número de habitantes de Lisboa tem vindo a diminuir exactamente por causa dos arrendamentos elevados e dos preços de casa exorbitantes. Por outro lado, isso faz com que não haja uma renovação da população e provoca situações de insegurança. A cidade deixa de ter uma vivência normal.

RN- Não é normal que a partir das 10 da noite não haja ninguém na rua. Além de não ser seguro, é um prejuízo económico para o comércio e para o turismo. Uma cidade com mais habitantes é uma cidade viva, dinâmica e com um potencial de crescimento económico muito maior. Em muitas cidades europeias, a presença de jovens é sempre levada em conta pela política de urbanismo. Em Lisboa é o contrário, com milhares de pessoas a permanecer aqui só de dia, a percorrer quilómetros e quilómetros para cá chegar.

- Quais são as grandes diferenças entre a vida das pessoas que vivem em Lisboa e as que vivem na periferia?

RN- Além das horas que se perdem no caminho, Lisboa tem mais condições de vida, tem mais espaços verdes e mais espaços de lazer. Pode-se fruir a produção cultural. A cultura que chega aos subúrbios é muito formatada. Há os filmes que passam nos centros comerciais, mas se quiseres ir ao teatro tens dificuldade. Eu moro em Oeiras e quando fico a dormir em Lisboa fico com mais horas para viver, para fazer coisas.

- Um dos argumentos mais apresentado para o crescimento dos subúrbios é que as cidades são fisicamente limitadas. Mas, a verdade é que há muitas casas sem moradores, em especial nas freguesias mais antigas. Qual é a situação real?

AS- Calcula-se que existam em Lisboa entre 20 e 30 mil fogos devolutos. Esta incerteza resulta de não haver nenhum cadastro actualizado com todos os prédios que existem na cidade. E esta é uma das nossas reivindicações: o Governo deve criar legislação que obrigue a ter todos os fogos actualizados.

AC- Basta andar pela cidade para ver centenas de prédios devolutos, especialmente nas zonas centrais.

AS- Voltando atrás na conversa, os jovens vão para a periferia quando há condições no centro da cidade para eles aqui se fixarem.

- Muitos proprietários queixam-se de receber rendas baixas e de não ter dinheiro para fazer obras nos prédios. Por trás disso está muitas vezes a especulação imobiliária. Como se pode resolver esta situação?

AS- Devem ser criados incentivos fiscais em sede de IRS para que sejam colocados no mercado de arrendamento fogos que estejam agora devolutos com preços económicos para jovens e que haja agravamentos fiscais para os proprietários que mantenham os seus prédios devolutos.

RN- Outra medida fundamental é a actualização das matrizes. Quando um prédio se constrói é calculado o seu valor e o imposto autárquico que o proprietário paga. Os valores matriciais não são actualizados há muitos anos.

Há donos de prédios no centro da cidade que não pagam nada e que não lhes custa deixar o prédio cair. É muito mais rentável deixar o terreno valorizar e vendê-lo para construir arranha-céus de escritórios. Se a matriz for actualizada e se pagar o imposto autárquico de acordo com esses valores, fica mais caro deixar o prédio cair do que recuperá-lo, mantê-lo e arrendá-lo.

AC- Neste momento não existe uma legislação que esteja direccionada para a recuperação de prédios devolutos. Era importante dar aos proprietários incentivos que os permitissem recuperar o prédio e colocá-lo no mercado de arrendamento para jovens.

- O que pode a Câmara Municipal fazer?

AS- É possível haver despropriações por parte da Câmara, mas isso é um longo processo burocrático que demora imenso tempo e não tem resultados. Teria de haver também uma alteração legislativa, de forma a que a despropriação fosse rápida e eficaz. A despropriação e a aquisição de prédios por um determinado valor. Aí, a Câmara recuperaria as casas e colocava-as no mercado de arrendamento a preços económicos para jovens. Se o proprietário quisesse recuperar o prédio, teria de pagar à Câmara o valor dispendido e comprometer-se a continuar a arrendar por aqueles preços.

AC- A própria Câmara tem alguns prédios devolutos. E no sentido de incentivar os proprietários privados, ela poderia dar o exemplo e colocar no mercado os seus prédios seguindo este programa. A EPUL, nas reuniões que manteve connosco, mostrou-se muito receptiva à ideia de recuperação e redimensionamento dos prédios devolutos para jovens.

- Como vêem instituições como a EPUL e o IGAPHE, que procuram colmatar as necessidades de habitação dos jovens?

AS- À partida, insuficientes.

RN- A EPUL teve dez mil pedidos para 800 casas... O IGAPHE tem uma lógica perniciosa, porque as rendas são muito altas e acaba por ser o Orçamento de Estado e o dinheiro dos impostos a compensar.

AS- O proprietário continua a alugar a preços altíssimos. A diferença é que, em vez de ser o jovem a pagar, é o Estado que paga.

AC- Já tivemos contactos com a secretária de Estado da Habitação, que disse que as nossas propostas eram muito interessantes mas que achava que não era necessário arrendamento para jovens, nem sequer considerava necessário num horizonte próximo.

AS- Dizia que os jovens não eram a camada mais desfavorecida e que o IGAPHE bastava...

Sentir na pele as políticas de habitação António Jorge Almeida, de 29 anos, decidiu juntar-se com a namorada e uns meses antes começou a procurar casa. «Entretanto, com o aumento da taxa de juro e a descida das bonificações, fizemos marcha atrás. Optámos por esperar. Foi uma questão de precaução. É a necessidade de dormir descansado.» Optou, então, por ficar em casa dos pais com a companheira, mas não esconde o seu descontentamento: «Não desenvolvi o percurso normal de vida.» Agora alugou uma casa em Loures, com uma renda de 76 mil escudos, apesar de o casal ter um rendimento de 190 contos mensais. «Prefiro alugar casa do que ficar preso a um compromisso que não sei se posso cumprir.» «Quando o Banco Central Europeu sobe as taxas de juro e o Governo português diminui a bonificação, é muito complicado. E o pior é que não se sabe onde isto vai parar. É esperar para ver», diz António Jorge. «O facto de ter de alugar uma casa com uma renda cria sempre a ideia que estás a desperdiçar dinheiro. Coloca-se sempre a questão: com esta renda podia pagar o empréstimo ao banco», comenta. Mas António Jorge não arrisca: «Tenho amigos que começam a ter uma vida muito complicada devido a esta situação.» Comprar um sofá Luisa Mota, de 25 anos, está há três anos a pagar uma casa em Lisboa. «Ainda tenho mais 22 anos à minha frente...», suspira. Pediu 15 mil contos ao banco, mas contou com uma preciosa ajuda financeira da mãe. A mudança na taxa de juro e nas bonificações mudaram tudo. «Comecei por pagar 65 contos com bonificação máxima. Em Março pagava 42 contos e agora vou pagar 52 contos. Custa bastante no fim do mês», comenta. Apesar de se sentir privilegiada por ter uma casa e contar com o apoio da família, Luisa tem o desgosto de ter a casa quase vazia. «Tenho uma cama, uma televisão, umas cadeiras velhas, uma mesa e muitos livros amontoados... Ando a tentar comprar um sofá há meses!» Luisa é licenciada em Biologia, trabalha numa empresa da indústria química e gostaria de tirar um doutoramento, mas tem medo que isso a impeça de pagar as despesas. «A minha mãe ajuda-me quando eu preciso, mas isto tem de acabar. Para mim é essencial saber com o que posso contar», afirma.

As propostas • incentivos fiscais, em sede de IRS, para os proprietários que queiram colocar os seus fogos no mercado de arrendamento; • incentivos fiscais para que seja mais compensador para os proprietários investir as poupanças no mercado de arrendamento do que fazer depósitos a prazo na banca; • retirar todas as isenções para os rendimentos auferidos através da aplicação de poupanças no mercado bolsista, criando cargas fiscais para esses rendimentos; • actualizar os valores matriciais de todos os edifícios; • agravamentos fiscais para quem possua prédios devolutos; • agravamentos fiscais, em sede de IRS e IRC, que sejam calculados com base numa renda média praticada na área onde o prédio se encontre, rendas médias essas fixadas anualmente pelas Finanças com base na actualização dos valores matriciais. Assim, os proprietários são penalizados pela especulação imobiliária que levam a cabo. Se não declarar qualquer rendimento, o proprietário tem sempre de pagar o imposto correspondente ao valor que obteria se colocasse o prédio no mercado; • abrir linhas de crédito próprias para que todas as câmaras municipais possam, através de aquisição por preço justo ou expropriação, actuar sobre os prédios devolutos, através de um programa de habitação para jovens que permita ao município recuperá-los e redimensioná-los para as necessidades actuais de habitação dos jovens, colocando-os no mercado com uma renda económica pré-definida; • obrigação dos proprietários de declararem as alterações na ocupação da sua propriedade, para que as câmara municipais tenham acesso a informação actualizada.

«Avante!» Nº 1402 - 12.Outubro.2000

JCP contra prédios abandonados

e rendas altas em Lisboa

A cidade

da juventude

O problema da habitação em Lisboa afecta milhares de jovens. Muitos deles vêem-se obrigados a ir para os subúrbios quando saem de casa dos pais. A JCP lançou recentemente um conjunto de proposta para fazer face aos fogos devolutos e aos arrendamentos altos. Ana Couto, Ricardo Noronha e Ana Saldanha explicam como voltar a trazer os jovens para a cidade.

Avante! - A actual situação social e económica dos jovens leva-os a adiar a sua vida adulta e a permanecer mais tempo em casa dos pais?

Ana Couto - Cada vez há mais jovens que decidem continuar eternamente a estudar porque pensam não conseguem arranjar emprego se não tiverem uma licenciatura ou um mestrado. E muitos destes mantêm-se em casa dos pais porque não têm um rendimento fixo. Por outro lado, quando um jovem entra no mercado de trabalho, o primeiro emprego que tem é precário, sem garantias de estabilidade e com salários muito baixos. É um mundo que não dá nenhuma segurança para o jovem sair de casa dos pais, onde não tem de pagar renda e pode usufruir de uma cama.

Ana Saldanha - Como o emprego não é fixo, anda-se a saltar de trabalho em trabalho, não se sabe muito bem onde se vai trabalhar e quanto se vai receber... Isso também contribui para adiar a saída de casa dos pais. A solução é ir para a periferia da cidade, onde as casas são mais baratas, desertificando a cidade de Lisboa.

Ricardo Noronha - Se um jovem quer comprar uma casa, tem de contrair um empréstimo e ficar endividado o resto da vida. A primeira casa deve corresponder às necessidades que os jovens têm aos 20 anos e que não são as mesmas que tem aos 30, quando querem estabilizar e constituir família. Aí já vão precisar de outra casa, vender a que têm e contrair outro empréstimo.

- E sem um emprego fixo os bancos não emprestam quantias elevadas...

AS - Exacto, não tem uma garantia bancária para contrair um empréstimo. Normalmente, os pais têm de ficar como fiadores.

- Que problemas provocam na vida dos jovens as rendas e as prestações elevadas?

AS - Isso tem a ver também com os salários baixos. O dinheiro fica contado até ao fim do mês, «vai x para a renda, vai x para a água e para a electricidade». Obviamente que o entretenimento passa para segundo plano.

RN - Se uma pessoa se endivida para pagar uma casa, inevitavelmente fica muito mais dependente do emprego e do patrão e fica mais vulnerável para lutar pelos seus direitos e tem mais tendência para se contentar com aquilo que tem. Não se pode expor a uma situação em que não possa pagar a renda. Uma pessoa que se endivida fica dependente.

AC- Com os ordenados que se praticam, tu pagas as despesas da casa e ficas sem dinheiro para ir ao cinema ou ao teatro, eventualmente fazer um jantar, comprar livros.

RN- Os jovens têm de optar: ou têm casa ou têm uma vida normal. Há muita gente que decide sair de casa dos pais, mas estes continuam a ajudá-los financeiramente.

- Os jovens optam por comprar casa e não alugar devido às rendas altas?

AS- Neste momento compensa comprar casa por causa do crédito bonificado para jovens. Se as rendas fossem mais baixas, muitas pessoas escolhiam arrendar.

- Que consequências têm para a cidade o afastamento dos jovens?

AC- Já se nota e tem sido noticiada a perda de população. O número de habitantes de Lisboa tem vindo a diminuir exactamente por causa dos arrendamentos elevados e dos preços de casa exorbitantes. Por outro lado, isso faz com que não haja uma renovação da população e provoca situações de insegurança. A cidade deixa de ter uma vivência normal.

RN- Não é normal que a partir das 10 da noite não haja ninguém na rua. Além de não ser seguro, é um prejuízo económico para o comércio e para o turismo. Uma cidade com mais habitantes é uma cidade viva, dinâmica e com um potencial de crescimento económico muito maior. Em muitas cidades europeias, a presença de jovens é sempre levada em conta pela política de urbanismo. Em Lisboa é o contrário, com milhares de pessoas a permanecer aqui só de dia, a percorrer quilómetros e quilómetros para cá chegar.

- Quais são as grandes diferenças entre a vida das pessoas que vivem em Lisboa e as que vivem na periferia?

RN- Além das horas que se perdem no caminho, Lisboa tem mais condições de vida, tem mais espaços verdes e mais espaços de lazer. Pode-se fruir a produção cultural. A cultura que chega aos subúrbios é muito formatada. Há os filmes que passam nos centros comerciais, mas se quiseres ir ao teatro tens dificuldade. Eu moro em Oeiras e quando fico a dormir em Lisboa fico com mais horas para viver, para fazer coisas.

- Um dos argumentos mais apresentado para o crescimento dos subúrbios é que as cidades são fisicamente limitadas. Mas, a verdade é que há muitas casas sem moradores, em especial nas freguesias mais antigas. Qual é a situação real?

AS- Calcula-se que existam em Lisboa entre 20 e 30 mil fogos devolutos. Esta incerteza resulta de não haver nenhum cadastro actualizado com todos os prédios que existem na cidade. E esta é uma das nossas reivindicações: o Governo deve criar legislação que obrigue a ter todos os fogos actualizados.

AC- Basta andar pela cidade para ver centenas de prédios devolutos, especialmente nas zonas centrais.

AS- Voltando atrás na conversa, os jovens vão para a periferia quando há condições no centro da cidade para eles aqui se fixarem.

- Muitos proprietários queixam-se de receber rendas baixas e de não ter dinheiro para fazer obras nos prédios. Por trás disso está muitas vezes a especulação imobiliária. Como se pode resolver esta situação?

AS- Devem ser criados incentivos fiscais em sede de IRS para que sejam colocados no mercado de arrendamento fogos que estejam agora devolutos com preços económicos para jovens e que haja agravamentos fiscais para os proprietários que mantenham os seus prédios devolutos.

RN- Outra medida fundamental é a actualização das matrizes. Quando um prédio se constrói é calculado o seu valor e o imposto autárquico que o proprietário paga. Os valores matriciais não são actualizados há muitos anos.

Há donos de prédios no centro da cidade que não pagam nada e que não lhes custa deixar o prédio cair. É muito mais rentável deixar o terreno valorizar e vendê-lo para construir arranha-céus de escritórios. Se a matriz for actualizada e se pagar o imposto autárquico de acordo com esses valores, fica mais caro deixar o prédio cair do que recuperá-lo, mantê-lo e arrendá-lo.

AC- Neste momento não existe uma legislação que esteja direccionada para a recuperação de prédios devolutos. Era importante dar aos proprietários incentivos que os permitissem recuperar o prédio e colocá-lo no mercado de arrendamento para jovens.

- O que pode a Câmara Municipal fazer?

AS- É possível haver despropriações por parte da Câmara, mas isso é um longo processo burocrático que demora imenso tempo e não tem resultados. Teria de haver também uma alteração legislativa, de forma a que a despropriação fosse rápida e eficaz. A despropriação e a aquisição de prédios por um determinado valor. Aí, a Câmara recuperaria as casas e colocava-as no mercado de arrendamento a preços económicos para jovens. Se o proprietário quisesse recuperar o prédio, teria de pagar à Câmara o valor dispendido e comprometer-se a continuar a arrendar por aqueles preços.

AC- A própria Câmara tem alguns prédios devolutos. E no sentido de incentivar os proprietários privados, ela poderia dar o exemplo e colocar no mercado os seus prédios seguindo este programa. A EPUL, nas reuniões que manteve connosco, mostrou-se muito receptiva à ideia de recuperação e redimensionamento dos prédios devolutos para jovens.

- Como vêem instituições como a EPUL e o IGAPHE, que procuram colmatar as necessidades de habitação dos jovens?

AS- À partida, insuficientes.

RN- A EPUL teve dez mil pedidos para 800 casas... O IGAPHE tem uma lógica perniciosa, porque as rendas são muito altas e acaba por ser o Orçamento de Estado e o dinheiro dos impostos a compensar.

AS- O proprietário continua a alugar a preços altíssimos. A diferença é que, em vez de ser o jovem a pagar, é o Estado que paga.

AC- Já tivemos contactos com a secretária de Estado da Habitação, que disse que as nossas propostas eram muito interessantes mas que achava que não era necessário arrendamento para jovens, nem sequer considerava necessário num horizonte próximo.

AS- Dizia que os jovens não eram a camada mais desfavorecida e que o IGAPHE bastava...

Sentir na pele as políticas de habitação António Jorge Almeida, de 29 anos, decidiu juntar-se com a namorada e uns meses antes começou a procurar casa. «Entretanto, com o aumento da taxa de juro e a descida das bonificações, fizemos marcha atrás. Optámos por esperar. Foi uma questão de precaução. É a necessidade de dormir descansado.» Optou, então, por ficar em casa dos pais com a companheira, mas não esconde o seu descontentamento: «Não desenvolvi o percurso normal de vida.» Agora alugou uma casa em Loures, com uma renda de 76 mil escudos, apesar de o casal ter um rendimento de 190 contos mensais. «Prefiro alugar casa do que ficar preso a um compromisso que não sei se posso cumprir.» «Quando o Banco Central Europeu sobe as taxas de juro e o Governo português diminui a bonificação, é muito complicado. E o pior é que não se sabe onde isto vai parar. É esperar para ver», diz António Jorge. «O facto de ter de alugar uma casa com uma renda cria sempre a ideia que estás a desperdiçar dinheiro. Coloca-se sempre a questão: com esta renda podia pagar o empréstimo ao banco», comenta. Mas António Jorge não arrisca: «Tenho amigos que começam a ter uma vida muito complicada devido a esta situação.» Comprar um sofá Luisa Mota, de 25 anos, está há três anos a pagar uma casa em Lisboa. «Ainda tenho mais 22 anos à minha frente...», suspira. Pediu 15 mil contos ao banco, mas contou com uma preciosa ajuda financeira da mãe. A mudança na taxa de juro e nas bonificações mudaram tudo. «Comecei por pagar 65 contos com bonificação máxima. Em Março pagava 42 contos e agora vou pagar 52 contos. Custa bastante no fim do mês», comenta. Apesar de se sentir privilegiada por ter uma casa e contar com o apoio da família, Luisa tem o desgosto de ter a casa quase vazia. «Tenho uma cama, uma televisão, umas cadeiras velhas, uma mesa e muitos livros amontoados... Ando a tentar comprar um sofá há meses!» Luisa é licenciada em Biologia, trabalha numa empresa da indústria química e gostaria de tirar um doutoramento, mas tem medo que isso a impeça de pagar as despesas. «A minha mãe ajuda-me quando eu preciso, mas isto tem de acabar. Para mim é essencial saber com o que posso contar», afirma.

As propostas • incentivos fiscais, em sede de IRS, para os proprietários que queiram colocar os seus fogos no mercado de arrendamento; • incentivos fiscais para que seja mais compensador para os proprietários investir as poupanças no mercado de arrendamento do que fazer depósitos a prazo na banca; • retirar todas as isenções para os rendimentos auferidos através da aplicação de poupanças no mercado bolsista, criando cargas fiscais para esses rendimentos; • actualizar os valores matriciais de todos os edifícios; • agravamentos fiscais para quem possua prédios devolutos; • agravamentos fiscais, em sede de IRS e IRC, que sejam calculados com base numa renda média praticada na área onde o prédio se encontre, rendas médias essas fixadas anualmente pelas Finanças com base na actualização dos valores matriciais. Assim, os proprietários são penalizados pela especulação imobiliária que levam a cabo. Se não declarar qualquer rendimento, o proprietário tem sempre de pagar o imposto correspondente ao valor que obteria se colocasse o prédio no mercado; • abrir linhas de crédito próprias para que todas as câmaras municipais possam, através de aquisição por preço justo ou expropriação, actuar sobre os prédios devolutos, através de um programa de habitação para jovens que permita ao município recuperá-los e redimensioná-los para as necessidades actuais de habitação dos jovens, colocando-os no mercado com uma renda económica pré-definida; • obrigação dos proprietários de declararem as alterações na ocupação da sua propriedade, para que as câmara municipais tenham acesso a informação actualizada.

«Avante!» Nº 1402 - 12.Outubro.2000

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