A Revolta das Palavras: Godos e romanos

01-03-2008
marcar artigo


Manuel Buiça, que era de Vinhais, disparou sobre o Rei D. Carlos. Alberto Martins, deputado, que também é de Vinhais, disparou sobre a aprovação parlamentar de uma homenagem ao rei morto, que alguns desejavam ver decretada no mesmo hemiciclo onde já foram as Cortes.O Parlamento republicano não quis que uma homenagem ao rei fosse uma homenagem contra a República, já que corria o risco de, antecipando 1910 a 1908, entroncar, no subconsciente da nação, a sua legitimidade política, não numa proclamação feita das varandas do Município, mas sim num homicídio régio no quarteirão ao lado, tudo nesta pequena Lisboa.Esta manhã lembrei-me da coincidência transmontana de Vinhais.Escrevendo para a Seara Nova, em 1922, Aquilino Ribeiro, a quem não é indiferente na sua escrita telúrica, a origem das espécies que por ela desfilam, descreve o regicida como «este tipo de português, vindo do Norte, da parte mais persistentemente nacional, godo que aflorasse na linha longa de gerações, genuíno, inquieto e batalhadora como a flor estremece da raça».Li isto e, por falar em godos, lembrei-me do Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano, quando ele descreve o momento em que os romanos derrotados conseguiram absorver esses rudes homens godos de «afectos ardentes e profundos» numa só nação com os decadentes césares do meio-dia. Fui buscá-lo à estante e lá estava o momento que se me vincou no espírito, uma vez mais: «a civilização, porém, que suavizou a rudeza dos bárbaros era uma civilização velha e corrupta. Por alguns bens que produziu para aqueles homens primitivos, trouxe-lhes o pior dos males, a perversão moral».Eis a miscigenação que torna a questão do regime indiferente, a diferença entre os governos nula, os Buiças deste mundo - de novo Aquilino - «argamassado, a um grau extremo, das virtudes e falhas da raça».


Manuel Buiça, que era de Vinhais, disparou sobre o Rei D. Carlos. Alberto Martins, deputado, que também é de Vinhais, disparou sobre a aprovação parlamentar de uma homenagem ao rei morto, que alguns desejavam ver decretada no mesmo hemiciclo onde já foram as Cortes.O Parlamento republicano não quis que uma homenagem ao rei fosse uma homenagem contra a República, já que corria o risco de, antecipando 1910 a 1908, entroncar, no subconsciente da nação, a sua legitimidade política, não numa proclamação feita das varandas do Município, mas sim num homicídio régio no quarteirão ao lado, tudo nesta pequena Lisboa.Esta manhã lembrei-me da coincidência transmontana de Vinhais.Escrevendo para a Seara Nova, em 1922, Aquilino Ribeiro, a quem não é indiferente na sua escrita telúrica, a origem das espécies que por ela desfilam, descreve o regicida como «este tipo de português, vindo do Norte, da parte mais persistentemente nacional, godo que aflorasse na linha longa de gerações, genuíno, inquieto e batalhadora como a flor estremece da raça».Li isto e, por falar em godos, lembrei-me do Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano, quando ele descreve o momento em que os romanos derrotados conseguiram absorver esses rudes homens godos de «afectos ardentes e profundos» numa só nação com os decadentes césares do meio-dia. Fui buscá-lo à estante e lá estava o momento que se me vincou no espírito, uma vez mais: «a civilização, porém, que suavizou a rudeza dos bárbaros era uma civilização velha e corrupta. Por alguns bens que produziu para aqueles homens primitivos, trouxe-lhes o pior dos males, a perversão moral».Eis a miscigenação que torna a questão do regime indiferente, a diferença entre os governos nula, os Buiças deste mundo - de novo Aquilino - «argamassado, a um grau extremo, das virtudes e falhas da raça».

marcar artigo