o tempo das cerejas*: Recordações das "eleições" de 1973 (4)

29-09-2009
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A sessão das Belas-ArtesEm 4 de Outubro de 1973, a CDE de Lisboa realizou a sua primeira sessão pública na cidade na Sociedade Nacional de Belas Artes, com a sala ( 600 m2) completamente à cunha ( o República falava de mais de duas mil pessoas) e com milhares de pessoas na rua e que viriam a ser objecto de uma carga brutal da Polícia de Choque, em que um dos muitos feridos foi essa grande mulher e democrata, Maria Eugénia Varela Gomes, (que daqui saúdo, bem como ao seu marido João Maria, com uma antiga e sólida amizade) e a que seguiria no dia seguinte outra selvática carga da Polícia de Choque, no fim da romagem do 5 de Outubro ao Cemitério de Alto de S.João, sobre toda a gentre que lhes apareceu pela frente na praça e ruas adjacentes, a tal ponto que um comunicado da PSP até veio depois reconhecer que 14 dos detidos eram «meros transeuntes».Foi nessa sessão que a CDE de Lisboa concentrou o seu propósito de, nem que fosse uma vez só, romper frontalmente com o espartilho das novas limitações e interferências que tinhamos sofrido na sessão de Sintra. Imagem parcial da mesa da sessão, da esquerda para a direita: Mário Sottomayor Cardia, Vítor Dias (no uso da palavra), Lindley Cintra (que presidiu), Helena Neves, Francisco Marcelo Curto e Dulcínio Caiano Pereira. Na foto ( do República) faltam, à esquerda, Alberto Arons de Carvalho e, à direita, José Tengarrinha. Olhando com atenção a foto, dir-se-á que ela não ilustra os incidentes abaixo referidos, mas é preciso ter em conta que eu fui o primeiro orador e que a intervenção policial se deu bastante mais tarde. Ainda assim, repare-se no ar concentrado conjunto de seis ou sete democratas qe, ao contrário do normal, estavam sentados de costas para a mesa e de frente para a assistência.Como procuro mostrar no «croquis» em baixo, esse propósito foi decisivamente ajudado pela configuração da sala (1) que só tinha uma porta larga de entrada, além dse uma porta para um bar (que estava fechada) e que, em qualquer caso, ficava do lado oposto àquele onde os Pides e agentes da PSP à paisana se tinham colocado, ou seja naturalmente atrás da mesa dos oradores (assente sobre um estrado).Ora, nós tínhamos decidido proteger a mesa com um cordão de segurança que, fosse lá como fosse, impedisse o acesso à mesa dos polícias.. E, quando, talvez a meio da sessão, o tentaram, o que se seguiu, sem que a maior parte da assistência desse por isso, foi que atrás dos oradores e enquanto estes falavam decorreu um festival de encontrões, cotoveladas e pezadas com que o corsão de segurança, firmemente de braço dado, repeliu com êxito todas as investidas da Polícia.Em boa verdade, eram eles que estavam encurralados e cercados por uma assistência hostil e, se precisassem nem tinham por onde fugir nem poderiam ser socorridos pelos seus colegas que observavam a sessão de um varandim interior. Aliás, pode dizer-se que qualquer informação prestada à assistência sobre o que se estava a passar atrás da mesa ou qualquer apelo emocional (mas irresponsável) teria significado que os agentes policiais seriam certamente trucidados.Esta sessão foi portanto e indiscutivelmente, nas condições existentes, um grande êxito político. Mas apesar disso, e para contar a história toda e não para diminuir o protagonista - de quem sempre fui amigo, apesar das diferenças de percurso e das divergências - a verdade é que, suponho que na manhã de segunda-feira, Mário Sottomayor Cardia apareceu com um projecto já escrito de comunicado em que a CDE de Lisboa, invocando a feroz repressão exercida e sofrida desde o ínicio da campanha, anunciava a sua desistência de participar na campanha. Esta atitude Cardia, que tem de ser vista à luz da impulsividade que também fazia parte do seu temperamento político, não teve obviamente acolhimento e, se não me engano, não foi apoiada por outros destacados membros do PS como Arons de Carvalho, Pedro Coelho ou Roque Lino.Creio não ser de admirar : naquela época era já muito ampla a consciência dos sectores antifascistas de que não estávamos a disputar seriamente "eleições" que não eram sérias mas sim a proveitar a farsa eleitoral para enfraquecer e desgastar o regime fascista e ampliar a consciência popular da necessidade de o vencer e derrubar. Vista parcial da assistência (foto do Diário de Lisboa)(1) Decididamente, há horas felizes: de facto, precisando de confirmar certas ideias que tinha sobre a configuração da sala naquela época, quando telefonei para a SNBA a primeira pessoa que me atendeu ( e a quem infelizmente não perguntei o nome) foi umj funcionário daquele instituição que tinha participado nos acontecimentos e me prestou valiosos esclarecimentos e informações. Aqui foca expressa a minha enorme gratidão.


A sessão das Belas-ArtesEm 4 de Outubro de 1973, a CDE de Lisboa realizou a sua primeira sessão pública na cidade na Sociedade Nacional de Belas Artes, com a sala ( 600 m2) completamente à cunha ( o República falava de mais de duas mil pessoas) e com milhares de pessoas na rua e que viriam a ser objecto de uma carga brutal da Polícia de Choque, em que um dos muitos feridos foi essa grande mulher e democrata, Maria Eugénia Varela Gomes, (que daqui saúdo, bem como ao seu marido João Maria, com uma antiga e sólida amizade) e a que seguiria no dia seguinte outra selvática carga da Polícia de Choque, no fim da romagem do 5 de Outubro ao Cemitério de Alto de S.João, sobre toda a gentre que lhes apareceu pela frente na praça e ruas adjacentes, a tal ponto que um comunicado da PSP até veio depois reconhecer que 14 dos detidos eram «meros transeuntes».Foi nessa sessão que a CDE de Lisboa concentrou o seu propósito de, nem que fosse uma vez só, romper frontalmente com o espartilho das novas limitações e interferências que tinhamos sofrido na sessão de Sintra. Imagem parcial da mesa da sessão, da esquerda para a direita: Mário Sottomayor Cardia, Vítor Dias (no uso da palavra), Lindley Cintra (que presidiu), Helena Neves, Francisco Marcelo Curto e Dulcínio Caiano Pereira. Na foto ( do República) faltam, à esquerda, Alberto Arons de Carvalho e, à direita, José Tengarrinha. Olhando com atenção a foto, dir-se-á que ela não ilustra os incidentes abaixo referidos, mas é preciso ter em conta que eu fui o primeiro orador e que a intervenção policial se deu bastante mais tarde. Ainda assim, repare-se no ar concentrado conjunto de seis ou sete democratas qe, ao contrário do normal, estavam sentados de costas para a mesa e de frente para a assistência.Como procuro mostrar no «croquis» em baixo, esse propósito foi decisivamente ajudado pela configuração da sala (1) que só tinha uma porta larga de entrada, além dse uma porta para um bar (que estava fechada) e que, em qualquer caso, ficava do lado oposto àquele onde os Pides e agentes da PSP à paisana se tinham colocado, ou seja naturalmente atrás da mesa dos oradores (assente sobre um estrado).Ora, nós tínhamos decidido proteger a mesa com um cordão de segurança que, fosse lá como fosse, impedisse o acesso à mesa dos polícias.. E, quando, talvez a meio da sessão, o tentaram, o que se seguiu, sem que a maior parte da assistência desse por isso, foi que atrás dos oradores e enquanto estes falavam decorreu um festival de encontrões, cotoveladas e pezadas com que o corsão de segurança, firmemente de braço dado, repeliu com êxito todas as investidas da Polícia.Em boa verdade, eram eles que estavam encurralados e cercados por uma assistência hostil e, se precisassem nem tinham por onde fugir nem poderiam ser socorridos pelos seus colegas que observavam a sessão de um varandim interior. Aliás, pode dizer-se que qualquer informação prestada à assistência sobre o que se estava a passar atrás da mesa ou qualquer apelo emocional (mas irresponsável) teria significado que os agentes policiais seriam certamente trucidados.Esta sessão foi portanto e indiscutivelmente, nas condições existentes, um grande êxito político. Mas apesar disso, e para contar a história toda e não para diminuir o protagonista - de quem sempre fui amigo, apesar das diferenças de percurso e das divergências - a verdade é que, suponho que na manhã de segunda-feira, Mário Sottomayor Cardia apareceu com um projecto já escrito de comunicado em que a CDE de Lisboa, invocando a feroz repressão exercida e sofrida desde o ínicio da campanha, anunciava a sua desistência de participar na campanha. Esta atitude Cardia, que tem de ser vista à luz da impulsividade que também fazia parte do seu temperamento político, não teve obviamente acolhimento e, se não me engano, não foi apoiada por outros destacados membros do PS como Arons de Carvalho, Pedro Coelho ou Roque Lino.Creio não ser de admirar : naquela época era já muito ampla a consciência dos sectores antifascistas de que não estávamos a disputar seriamente "eleições" que não eram sérias mas sim a proveitar a farsa eleitoral para enfraquecer e desgastar o regime fascista e ampliar a consciência popular da necessidade de o vencer e derrubar. Vista parcial da assistência (foto do Diário de Lisboa)(1) Decididamente, há horas felizes: de facto, precisando de confirmar certas ideias que tinha sobre a configuração da sala naquela época, quando telefonei para a SNBA a primeira pessoa que me atendeu ( e a quem infelizmente não perguntei o nome) foi umj funcionário daquele instituição que tinha participado nos acontecimentos e me prestou valiosos esclarecimentos e informações. Aqui foca expressa a minha enorme gratidão.

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