EM PORTALEGRE CIDADE DO ALTO ALENTEJO: ÁRVORE

02-10-2009
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Gostava de ter árvores como alguns têm flores. Árvores, muitas árvores: laranjeiras, pinheiros, uma oliveira ao pé do mar, se eu tivesse uma casa a sotavento das dunas como as que se adivinham em certos quadros de Cézanne se a luz é muito clara e permanece com velhos nomes gregos que não sei. Nespereiras, limoeiros, uma que outra ameixoeira parecendo, vistas de longe, ser de uma substância estranha e desconhecida. Não me importava, até, de em tardes de calor ter dentro do meu quarto um abrunheiro donde pendesse um decente e fraternal cadáver. A verdade é que não me assusto facilmente e tenho confiança no reino vegetal. Malus sieboldi, Catoneaster dielsiana, vós sois os mais exactos filhos do mundo. Gostaria de me rodear, um dia, de videiras - essas árvores turvas da esperança - e quando digo rodear sei o que digo, pois queria que se enrolassem nos meus rins, nas espáduas me descessem pelas pernas e lançassem perto do meu sexo folhas novas e que, ao lusco-fusco, enquanto no céu passam os pequenos satélites mortais e luminosos que o desespero do Homem lá coloca, por surpresa se transformassem em plantas de gesso de frutos impensáveis. Chego a perturbar-me por vezes se vejo uma árvore junto a um hospital Não sei porquê creio que me lembro mais ou sinto mais agudamente os níveis dolorosos das origens do cristal, da carne os esponjosos tecidos da sombra e da frescura das cores da morte pronta para o grande tumulto. Que medo, em certas noites, ver de noite uma árvore Sei perfeitamente que uma árvore é um símbolo obscuro da nossa vida, principalmente da nossa vida que não houve. Mas mesmo assim dentro das ruas, dentro das casas as árvores têm um outro entendimento um mistério muito delas - e não completamente inventados - pois não desprezam a agonia dos homens, o choro dos homens o seu riso, a sua fome, os sinais todos que o Homem podia e devia ter. As árvores começam e acabam sem amor e sem ódio. Nicolau SaiãoOs objectos inquietantesEtiquetas: Alto Alentejo, Escritores de Portalegre, Nicolau Saião, Poesia, Portalegre

Gostava de ter árvores como alguns têm flores. Árvores, muitas árvores: laranjeiras, pinheiros, uma oliveira ao pé do mar, se eu tivesse uma casa a sotavento das dunas como as que se adivinham em certos quadros de Cézanne se a luz é muito clara e permanece com velhos nomes gregos que não sei. Nespereiras, limoeiros, uma que outra ameixoeira parecendo, vistas de longe, ser de uma substância estranha e desconhecida. Não me importava, até, de em tardes de calor ter dentro do meu quarto um abrunheiro donde pendesse um decente e fraternal cadáver. A verdade é que não me assusto facilmente e tenho confiança no reino vegetal. Malus sieboldi, Catoneaster dielsiana, vós sois os mais exactos filhos do mundo. Gostaria de me rodear, um dia, de videiras - essas árvores turvas da esperança - e quando digo rodear sei o que digo, pois queria que se enrolassem nos meus rins, nas espáduas me descessem pelas pernas e lançassem perto do meu sexo folhas novas e que, ao lusco-fusco, enquanto no céu passam os pequenos satélites mortais e luminosos que o desespero do Homem lá coloca, por surpresa se transformassem em plantas de gesso de frutos impensáveis. Chego a perturbar-me por vezes se vejo uma árvore junto a um hospital Não sei porquê creio que me lembro mais ou sinto mais agudamente os níveis dolorosos das origens do cristal, da carne os esponjosos tecidos da sombra e da frescura das cores da morte pronta para o grande tumulto. Que medo, em certas noites, ver de noite uma árvore Sei perfeitamente que uma árvore é um símbolo obscuro da nossa vida, principalmente da nossa vida que não houve. Mas mesmo assim dentro das ruas, dentro das casas as árvores têm um outro entendimento um mistério muito delas - e não completamente inventados - pois não desprezam a agonia dos homens, o choro dos homens o seu riso, a sua fome, os sinais todos que o Homem podia e devia ter. As árvores começam e acabam sem amor e sem ódio. Nicolau SaiãoOs objectos inquietantesEtiquetas: Alto Alentejo, Escritores de Portalegre, Nicolau Saião, Poesia, Portalegre

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