Nós Daqui, Vós Dali: Poker de Damas

23-03-2005
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A Coerência da Escolha de Jerónimo Sábado, 20 de Novembro de 2004,in PúblicoA indicação de Jerónimo de Sousa como sucessor de Carlos Carvalhas no cargo de secretário-geral do PCP era uma decisão prevista. Para além da novidade de ser assumida publicamente em comunicado e apresentada sob a fórmula de "inclinação consensualizada" - uma expressão que é em si um achado genial e que pretende matizar o facto de a escolha não ser pacífica dentro do partido -, nada de novo se passa. A escolha de Jerónimo de Sousa é coerente com aquilo em que o PCP se transformou e é hoje.Dizer que o PCP não mudou é um disparate. Como disparate é dizer que o PCP não pode mudar, caso contrário morre. Ou ainda que se não mudar morre. Nada é imutável. E por maioria de razão, um partido político num período histórico e num contexto social como têm sido as últimas duas décadas em Portugal. Por isso, é claro que o PCP mudou. Está diferente. É mesmo outro partido em relação ao que foi a última fase do PCP liderado por Álvaro Cunhal.A inevitável transformação do PCP evoluiu, contudo, numa direcção fruto da opção por manter os dogmas ideológicos e as regras de funcionamento. Por um lado, rege-se pelo centralismo democrático, que produz comunicados como o da "inclinação consensualizada". Por outro lado, o PCP continua a afirmar-se como internacionalista, como o partido e a vanguarda da classe operária e a perfilhar o marxismo-leninismo. Seja lá o que isso possa significar hoje, num mundo em que os regimes marxistas-leninistas desapareceram do poder, apenas sobrevivendo cadáveres adiados como a Cuba de Fidel ou despotismos políticos unipessoais como a Coreia do Norte ou partidários como a China.Isto num mundo em que o Muro de Berlim caiu há 15 anos e a União Soviética ruiu há 13 anos.Quando, há mais de uma década, se viveu uma oportunidade histórica para o PCP evoluir noutro sentido, a sua direcção rejeitou-a. Então, Cunhal fez mais uma vez lei e manteve o partido à sua imagem e semelhança. Depois de muita movimentação e pressão interna, saiu um mar de gente do PCP. Aderiram a outros partidos, formaram até um, a Política XXI que integra hoje o BE. E o PCP seguiu o seu rumo. Uma década depois, um novo movimento interno voltou a tentar mudar o caminho, então um pouco fora de tempo já. Ganharam conjunturalmente e aprovaram o Novo Impulso, em 1998, com novas regras em que os responsáveis internos passaram a poder ser eleitos e o PCP passou a assumir-se como partido de poder. Mas mais uma vez Cunhal, usando então as suas derradeiras energias, manteve o PCP fiel ao que supostamente seria a sua herança.Pelo caminho ficou uma imensidão de militantes e de eleitores que desistiram de votar na CDU. Entraram outros militantes, é certo. A mentalidade partidária, porém, mudou. O PCP fechou-se. Tornou-se um partido menos eclético, menos abrangente. Que decidiu assumir-se como a suposta vanguarda de um comunismo futuro e que se preocupa sobretudo em falar para o que imagina como "os trabalhadores". Um partido parado no tempo, no que se refere aos debates ideológicos à esquerda na Europa e Mundo.É certo que o PCP é também um partido que tem uma carga e um património históricos importantíssimos. Possui ainda uma série de quadros políticos formados na clandestinidade e nas lutas pós-25 de Abril. Mas é também um partido formado por quadros que do fascismo conhecem tão só a história. Nasceram e cresceram em democracia. Para quem, portanto, o aderir ao PCP não representa um corte, uma ruptura com a sua anterior vida, com a sua família de origem, para entrarem numa nova parentela, a família comunista. E para quem também fazer política já não significa correr riscos, muito menos de prisão ou até de vida. Grande parte da militância do PCP é, assim, constituída por gente normal, vulgar, igual à dos outros partidos, cidadãos comuns. A diferença do PCP hoje em relação aos outros partidos está apenas no público a que se dirige e na mensagem.E Jerónimo de Sousa faz precisamente a transição entre estes dois mundos. O PCP histórico e aquilo que são os dirigentes actuais do PCP e "os trabalhadores" para quem eles querem falar. Enquanto nomes como o de Agostinho Lopes poderia ter sido uma hipótese no PCP como ele era ainda há cinco anos, antes do 16º Congresso, a direcção do PCP optou por Jerónimo de Sousa pelo que ele representa ainda de património e afastou a hipótese Francisco Lopes, em tudo idêntica a Jerónimo do ponto de vista político-ideológico, só que sem a história de Jerónimo de Sousa.A escolha de Jerónimo de Sousa é assim coerente com aquilo em que o PCP se tornou e com o que os militantes que entraram e ficaram querem que seja. Um partido apenas com referências reais nacionais num mundo já sem Movimento Comunista Internacional, em que o PCP é dominado por uma elite interna que quer assumir o partido como caricatura de si mesmo, como relíquia do marxismo-leninismo à espera do futuro e dos amanhãs que acreditam que irão um dia cantar.

A Coerência da Escolha de Jerónimo Sábado, 20 de Novembro de 2004,in PúblicoA indicação de Jerónimo de Sousa como sucessor de Carlos Carvalhas no cargo de secretário-geral do PCP era uma decisão prevista. Para além da novidade de ser assumida publicamente em comunicado e apresentada sob a fórmula de "inclinação consensualizada" - uma expressão que é em si um achado genial e que pretende matizar o facto de a escolha não ser pacífica dentro do partido -, nada de novo se passa. A escolha de Jerónimo de Sousa é coerente com aquilo em que o PCP se transformou e é hoje.Dizer que o PCP não mudou é um disparate. Como disparate é dizer que o PCP não pode mudar, caso contrário morre. Ou ainda que se não mudar morre. Nada é imutável. E por maioria de razão, um partido político num período histórico e num contexto social como têm sido as últimas duas décadas em Portugal. Por isso, é claro que o PCP mudou. Está diferente. É mesmo outro partido em relação ao que foi a última fase do PCP liderado por Álvaro Cunhal.A inevitável transformação do PCP evoluiu, contudo, numa direcção fruto da opção por manter os dogmas ideológicos e as regras de funcionamento. Por um lado, rege-se pelo centralismo democrático, que produz comunicados como o da "inclinação consensualizada". Por outro lado, o PCP continua a afirmar-se como internacionalista, como o partido e a vanguarda da classe operária e a perfilhar o marxismo-leninismo. Seja lá o que isso possa significar hoje, num mundo em que os regimes marxistas-leninistas desapareceram do poder, apenas sobrevivendo cadáveres adiados como a Cuba de Fidel ou despotismos políticos unipessoais como a Coreia do Norte ou partidários como a China.Isto num mundo em que o Muro de Berlim caiu há 15 anos e a União Soviética ruiu há 13 anos.Quando, há mais de uma década, se viveu uma oportunidade histórica para o PCP evoluir noutro sentido, a sua direcção rejeitou-a. Então, Cunhal fez mais uma vez lei e manteve o partido à sua imagem e semelhança. Depois de muita movimentação e pressão interna, saiu um mar de gente do PCP. Aderiram a outros partidos, formaram até um, a Política XXI que integra hoje o BE. E o PCP seguiu o seu rumo. Uma década depois, um novo movimento interno voltou a tentar mudar o caminho, então um pouco fora de tempo já. Ganharam conjunturalmente e aprovaram o Novo Impulso, em 1998, com novas regras em que os responsáveis internos passaram a poder ser eleitos e o PCP passou a assumir-se como partido de poder. Mas mais uma vez Cunhal, usando então as suas derradeiras energias, manteve o PCP fiel ao que supostamente seria a sua herança.Pelo caminho ficou uma imensidão de militantes e de eleitores que desistiram de votar na CDU. Entraram outros militantes, é certo. A mentalidade partidária, porém, mudou. O PCP fechou-se. Tornou-se um partido menos eclético, menos abrangente. Que decidiu assumir-se como a suposta vanguarda de um comunismo futuro e que se preocupa sobretudo em falar para o que imagina como "os trabalhadores". Um partido parado no tempo, no que se refere aos debates ideológicos à esquerda na Europa e Mundo.É certo que o PCP é também um partido que tem uma carga e um património históricos importantíssimos. Possui ainda uma série de quadros políticos formados na clandestinidade e nas lutas pós-25 de Abril. Mas é também um partido formado por quadros que do fascismo conhecem tão só a história. Nasceram e cresceram em democracia. Para quem, portanto, o aderir ao PCP não representa um corte, uma ruptura com a sua anterior vida, com a sua família de origem, para entrarem numa nova parentela, a família comunista. E para quem também fazer política já não significa correr riscos, muito menos de prisão ou até de vida. Grande parte da militância do PCP é, assim, constituída por gente normal, vulgar, igual à dos outros partidos, cidadãos comuns. A diferença do PCP hoje em relação aos outros partidos está apenas no público a que se dirige e na mensagem.E Jerónimo de Sousa faz precisamente a transição entre estes dois mundos. O PCP histórico e aquilo que são os dirigentes actuais do PCP e "os trabalhadores" para quem eles querem falar. Enquanto nomes como o de Agostinho Lopes poderia ter sido uma hipótese no PCP como ele era ainda há cinco anos, antes do 16º Congresso, a direcção do PCP optou por Jerónimo de Sousa pelo que ele representa ainda de património e afastou a hipótese Francisco Lopes, em tudo idêntica a Jerónimo do ponto de vista político-ideológico, só que sem a história de Jerónimo de Sousa.A escolha de Jerónimo de Sousa é assim coerente com aquilo em que o PCP se tornou e com o que os militantes que entraram e ficaram querem que seja. Um partido apenas com referências reais nacionais num mundo já sem Movimento Comunista Internacional, em que o PCP é dominado por uma elite interna que quer assumir o partido como caricatura de si mesmo, como relíquia do marxismo-leninismo à espera do futuro e dos amanhãs que acreditam que irão um dia cantar.

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