Regionalização

03-07-2009
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por Tiago Barbosa RibeiroO João Tunes, que muito prezo, considera que este meu texto revela bairrismo. Discordo, como se compreenderá. Não lhe chamaria bairrismo mas sim memória e crítica do que tem sido o modelo de desenvolvimento português dos últimos trinta anos, alimentado por um investimento público centralista que agrava claramente desigualdades regionais. A dualização e a estratificação são marcas de água do desenvolvimento português, numa sociedade que se tem localizado estrutural e relacionalmente no conjunto de países da semi-periferia europeia.A dualização do território português aprofundou-se nas últimas décadas em dois sentidos fundamentais: rural e urbano, por um lado; Área Metropolitana do Porto e Área Metropolitana de Lisboa, por outro.Tal como existem actualmente, as duas áreas metropolitanas são consequência directa dessa territorialização assimétrica e concentram cerca de dois terços da população portuguesa. Surgiram legislativamente no início da década de 1990 e prefiguram uma mera delimitação administrativa que é resultante de uma composição demográfica e social, por oposição a uma organização de nível político e institucional como é a regionalização.Ora, a tendência tardia da urbanização metropolitana dá-se à custa da fragmentação e diluição das cidades médias portuguesas e da absorção do êxodo rural, num movimento de polarização de duas áreas em relação ao resto do país, mas também da AML em relação à AMP. A alteração sócio-demográfica dos últimos vinte anos decorre da litoralização do espaço, que foi ele próprio um processo heterogéneo nas duas áreas metropolitanas, com traduções diferenciadas em cada uma delas e uma evidente preponderância para a AML.Isso resulta não de características endógenas de Lisboa, que nunca teve o dinamismo comercial e industrial do Porto ou de outras regiões, mas de opções políticas erradas, de concentração local da alta burocracia do Estado e do seu investimento público. A transumância da banca privada para Lisboa, independentemente das suas sedes se manterem no Porto, é apenas um dos exemplos mais óbvios das consequências desse artificialismo que reproduz assimetrias entre regiões.Um estudo recente liderado por Augusto Mateus, intitulado Competitividade e Coesão Sócio-Territorial, comprova isso mesmo: duas décadas de fundos estruturais não impediram a divergência de enormes manchas regionais em relação à coesão e competitividade territoriais. E este não é um problema de afirmação específica da região Norte, mas sim de todo o país porque a reconfiguração do tecido urbano nacional após o 25 de Abril é completamente atípica no contexto europeu.A tendência europeia assentou numa estratégia politicamente orientada e assumida de fortalecimento das cidades médias como pólos aglutinadores de população. Tal deu-se à custa de um processo de regionalização, assim como da participação indirecta do Estado na economia ao libertar recursos outrora centralizados. As cidades médias tenderam a especializar-se em alguns domínios produtivos e tecnológicos, correspondendo a territórios activos. Consequentemente, este foi um modelo que conseguiu manter a população autóctone, ao mesmo tempo que captava população exterior. A Teoria dos Pólos de Crescimento esteve muito presente nesta estratégia de fortalecimento, através da distribuição funcional de lógicas de desenvolvimento assentes na manutenção e reforço das cidades médias.Se desde 1960 até à actualidade foi este o modelo predominante na Europa, o contexto português foi precisamente inverso e após o 25 de Abril continuou a assumir-se uma tendência de progressiva fragilização e de desinvestimento nas cidades médias, situação só contrariada muito pontualmente por autarquias como Vila Real, o que impediu um modelo de sustentabilidade e desenvolvimento endógeno. Pior: sem regionalização, o Estado indicou externalidades ao investimento privado, que foi incapaz de contrariar estratégias públicas. Num país com a dimensão do nosso, isso foi determinante para os bloqueios que hoje são óbvios.Um desenvolvimento local de acordo com os propósitos das instituições centrais acaba por se limitar a um conjunto desarticulado de micro-iniciativas sectoriais. Logo, para que o desenvolvimento regional se torne possível, é necessário uma visão integrada, uma coordenação de iniciativas e uma participação efectiva dos actores locais. Trata-se de um processo de participação-desenvolvimento, o que pressupõe estruturas de apoio regional que sirvam de intermediários entre poderes, sejam eles públicos ou privados. Usando uma expressão de Friedman e Weaver, exige-se uma «autarcia regional selectiva», isto é, acções que visem satisfazer as necessidades regionais no interior da própria região e que se apoiam em medidas políticas adaptadas porque o desenvolvimento regional deve ser um projecto regional. De impacto nacional, naturalmente.A capacitação de estruturas intermédias e de infra-estruturas públicas na esfera da região, paralelamente à legitimidade de um governo eleito a um nível supra-concelhio, permitirá a gestão dos objectos, meios e estratégias de desenvolvimento locais que devem subordinar-se às necessidades e projectos da própria região, não da que se situa a 300Km.Em suma, embora não se esgote aí, a autonomização do aeroporto Sá Carneiro integra-se nessa perspectiva de afirmação regional e no comentário que fiz à localização do novo aeroporto de Lisboa. Aparentemente, ele não implicará um emagrecimento administrativo do volume de voos, rotas e passageiros do Porto, o que me apraz. Apenas isso, o que no actual contexto já é tanto..

por Tiago Barbosa RibeiroO João Tunes, que muito prezo, considera que este meu texto revela bairrismo. Discordo, como se compreenderá. Não lhe chamaria bairrismo mas sim memória e crítica do que tem sido o modelo de desenvolvimento português dos últimos trinta anos, alimentado por um investimento público centralista que agrava claramente desigualdades regionais. A dualização e a estratificação são marcas de água do desenvolvimento português, numa sociedade que se tem localizado estrutural e relacionalmente no conjunto de países da semi-periferia europeia.A dualização do território português aprofundou-se nas últimas décadas em dois sentidos fundamentais: rural e urbano, por um lado; Área Metropolitana do Porto e Área Metropolitana de Lisboa, por outro.Tal como existem actualmente, as duas áreas metropolitanas são consequência directa dessa territorialização assimétrica e concentram cerca de dois terços da população portuguesa. Surgiram legislativamente no início da década de 1990 e prefiguram uma mera delimitação administrativa que é resultante de uma composição demográfica e social, por oposição a uma organização de nível político e institucional como é a regionalização.Ora, a tendência tardia da urbanização metropolitana dá-se à custa da fragmentação e diluição das cidades médias portuguesas e da absorção do êxodo rural, num movimento de polarização de duas áreas em relação ao resto do país, mas também da AML em relação à AMP. A alteração sócio-demográfica dos últimos vinte anos decorre da litoralização do espaço, que foi ele próprio um processo heterogéneo nas duas áreas metropolitanas, com traduções diferenciadas em cada uma delas e uma evidente preponderância para a AML.Isso resulta não de características endógenas de Lisboa, que nunca teve o dinamismo comercial e industrial do Porto ou de outras regiões, mas de opções políticas erradas, de concentração local da alta burocracia do Estado e do seu investimento público. A transumância da banca privada para Lisboa, independentemente das suas sedes se manterem no Porto, é apenas um dos exemplos mais óbvios das consequências desse artificialismo que reproduz assimetrias entre regiões.Um estudo recente liderado por Augusto Mateus, intitulado Competitividade e Coesão Sócio-Territorial, comprova isso mesmo: duas décadas de fundos estruturais não impediram a divergência de enormes manchas regionais em relação à coesão e competitividade territoriais. E este não é um problema de afirmação específica da região Norte, mas sim de todo o país porque a reconfiguração do tecido urbano nacional após o 25 de Abril é completamente atípica no contexto europeu.A tendência europeia assentou numa estratégia politicamente orientada e assumida de fortalecimento das cidades médias como pólos aglutinadores de população. Tal deu-se à custa de um processo de regionalização, assim como da participação indirecta do Estado na economia ao libertar recursos outrora centralizados. As cidades médias tenderam a especializar-se em alguns domínios produtivos e tecnológicos, correspondendo a territórios activos. Consequentemente, este foi um modelo que conseguiu manter a população autóctone, ao mesmo tempo que captava população exterior. A Teoria dos Pólos de Crescimento esteve muito presente nesta estratégia de fortalecimento, através da distribuição funcional de lógicas de desenvolvimento assentes na manutenção e reforço das cidades médias.Se desde 1960 até à actualidade foi este o modelo predominante na Europa, o contexto português foi precisamente inverso e após o 25 de Abril continuou a assumir-se uma tendência de progressiva fragilização e de desinvestimento nas cidades médias, situação só contrariada muito pontualmente por autarquias como Vila Real, o que impediu um modelo de sustentabilidade e desenvolvimento endógeno. Pior: sem regionalização, o Estado indicou externalidades ao investimento privado, que foi incapaz de contrariar estratégias públicas. Num país com a dimensão do nosso, isso foi determinante para os bloqueios que hoje são óbvios.Um desenvolvimento local de acordo com os propósitos das instituições centrais acaba por se limitar a um conjunto desarticulado de micro-iniciativas sectoriais. Logo, para que o desenvolvimento regional se torne possível, é necessário uma visão integrada, uma coordenação de iniciativas e uma participação efectiva dos actores locais. Trata-se de um processo de participação-desenvolvimento, o que pressupõe estruturas de apoio regional que sirvam de intermediários entre poderes, sejam eles públicos ou privados. Usando uma expressão de Friedman e Weaver, exige-se uma «autarcia regional selectiva», isto é, acções que visem satisfazer as necessidades regionais no interior da própria região e que se apoiam em medidas políticas adaptadas porque o desenvolvimento regional deve ser um projecto regional. De impacto nacional, naturalmente.A capacitação de estruturas intermédias e de infra-estruturas públicas na esfera da região, paralelamente à legitimidade de um governo eleito a um nível supra-concelhio, permitirá a gestão dos objectos, meios e estratégias de desenvolvimento locais que devem subordinar-se às necessidades e projectos da própria região, não da que se situa a 300Km.Em suma, embora não se esgote aí, a autonomização do aeroporto Sá Carneiro integra-se nessa perspectiva de afirmação regional e no comentário que fiz à localização do novo aeroporto de Lisboa. Aparentemente, ele não implicará um emagrecimento administrativo do volume de voos, rotas e passageiros do Porto, o que me apraz. Apenas isso, o que no actual contexto já é tanto..

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