PALAVROSSAVRVS REX: POEMA «É CARNAVAL TODO O ANO»

23-05-2009
marcar artigo


Quer um homem queiraquer não queira, é Carnaval todo o ano:há armadilhas multicolores,há apelos mentirosos, tentadoresabrem-se-nos as fauces dos papéis de embrulho de qualquer coisa,menos da Verdade, uma Verdade essencial e não privatizável.Pais, tios, sobrinhosconcorrem no pagamento do imposto de serem amados e lembrados.Avós vêem-se sentados na praça hipermercádica, onde se sorvem cafés,exaustos de se entontecereme de hesitarem nas grandes superfícies:brinquedos, jogos, roupa, wiskey, chocolate... Netos!Rubicundos, os avós arfam e cascalham entre si da aventura mercádica.Como é belo que os avós babem pelos netos!É Carnaval todo o ano e o Natalestá moribundo por causa das barbas brancas e da Coca-Cola que produtificam a época e a esvaziam..Sim, há jantares de empresa, de corpos docentes, numa autópsia de baldas e cumpridores,num balanço de bem vestidos e desleixados,há agora jantares de todo o tipo e feitio - são os jantares de Natal -e toda a sentimentalidade jorra,todo o fumo, toda a gula se transformam em verdade e vida e faz-se luz:é o espírito de Natal. O 'espírito de Natal' é haver Carnaval em que tudo se troca,trocam-se os papéis, trocam-se as identidades,faz-se a feira, a degustação do excesso.Em África é que pode haver Natal,na Ásia profunda,no Cáucaso é que pode...Onde a ceia é somente um pouco menos pobre,e onde haja frio e fome e pó,cães lazarentos disputando migalhas com crianças,famintas, alimentando-se de ar e com moscas e ranho e lágrimas,aí é que o Natal é Verdade.Aqui não.Aqui já temos os brinquedos caros, comemos e arrotamos por dias a fioe não pensamos em mais nada. Aqui os mecânicos abusam da clientela,a clientela abusa de quem tem ao seu serviço, e tudo vai girando de injustiça em injustiça.O Natal de Jesus e a teologia da condescendência divinanão interessa a ninguém e partir-te-ei o pescoço, Isaac, se me vieres falar ou tentar falar de religião outra vez.Caralho, pá, não estou interessado em argumentos engatilhados. Poupa-me a conversas sobre religião à queima-roupa que não abrem diálogo nenhum, mas apenas antena à tua perspectiva unilateral enciclopédicade campeão em blaterar sobre religião.Um dia, o Natal será «Estomacal» e dir-se-á:«Feliz Estomacal!»...E dar-nos-emos prendas na mesma, e tudo encaixará perfeitamente.Família? O Natal é pensar na família? Não é. É uma carga de trabalhos que acomete as mulheres da casaé uma jantarada apática e cada vez mais vaziacheia de prendas.Um dia, o Natal será «Glacial»...e dir-nos-emos: «Feliz Glacial!».Sim, porque nós que já congelámos entre os produtos,seremos glaciários de uma glaciação real e implacável.É Carnaval quando um homem quiser.Joaquim Santos


Quer um homem queiraquer não queira, é Carnaval todo o ano:há armadilhas multicolores,há apelos mentirosos, tentadoresabrem-se-nos as fauces dos papéis de embrulho de qualquer coisa,menos da Verdade, uma Verdade essencial e não privatizável.Pais, tios, sobrinhosconcorrem no pagamento do imposto de serem amados e lembrados.Avós vêem-se sentados na praça hipermercádica, onde se sorvem cafés,exaustos de se entontecereme de hesitarem nas grandes superfícies:brinquedos, jogos, roupa, wiskey, chocolate... Netos!Rubicundos, os avós arfam e cascalham entre si da aventura mercádica.Como é belo que os avós babem pelos netos!É Carnaval todo o ano e o Natalestá moribundo por causa das barbas brancas e da Coca-Cola que produtificam a época e a esvaziam..Sim, há jantares de empresa, de corpos docentes, numa autópsia de baldas e cumpridores,num balanço de bem vestidos e desleixados,há agora jantares de todo o tipo e feitio - são os jantares de Natal -e toda a sentimentalidade jorra,todo o fumo, toda a gula se transformam em verdade e vida e faz-se luz:é o espírito de Natal. O 'espírito de Natal' é haver Carnaval em que tudo se troca,trocam-se os papéis, trocam-se as identidades,faz-se a feira, a degustação do excesso.Em África é que pode haver Natal,na Ásia profunda,no Cáucaso é que pode...Onde a ceia é somente um pouco menos pobre,e onde haja frio e fome e pó,cães lazarentos disputando migalhas com crianças,famintas, alimentando-se de ar e com moscas e ranho e lágrimas,aí é que o Natal é Verdade.Aqui não.Aqui já temos os brinquedos caros, comemos e arrotamos por dias a fioe não pensamos em mais nada. Aqui os mecânicos abusam da clientela,a clientela abusa de quem tem ao seu serviço, e tudo vai girando de injustiça em injustiça.O Natal de Jesus e a teologia da condescendência divinanão interessa a ninguém e partir-te-ei o pescoço, Isaac, se me vieres falar ou tentar falar de religião outra vez.Caralho, pá, não estou interessado em argumentos engatilhados. Poupa-me a conversas sobre religião à queima-roupa que não abrem diálogo nenhum, mas apenas antena à tua perspectiva unilateral enciclopédicade campeão em blaterar sobre religião.Um dia, o Natal será «Estomacal» e dir-se-á:«Feliz Estomacal!»...E dar-nos-emos prendas na mesma, e tudo encaixará perfeitamente.Família? O Natal é pensar na família? Não é. É uma carga de trabalhos que acomete as mulheres da casaé uma jantarada apática e cada vez mais vaziacheia de prendas.Um dia, o Natal será «Glacial»...e dir-nos-emos: «Feliz Glacial!».Sim, porque nós que já congelámos entre os produtos,seremos glaciários de uma glaciação real e implacável.É Carnaval quando um homem quiser.Joaquim Santos

marcar artigo