PALAVROSSAVRVS REX: AMIGOS E QUERUBINS CABRÕES

30-09-2009
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Está efectivamente frio. Um frio impróprio.Os meus amigos, os meus amigos!...Não sei se um coração como o meu, depois de ter ensaiado converter para Cristocentenas, senão milhares de jovens, poderá, sem vitimar-se no processo,viver uma amizade feliz.lkj As disputas, os ciúmes, as invejas, aquelas exclusões tácitas e concertadas,aqueles ostracismos orquestrados, aquelas incompreensões,fazem da amizade uma coisa espinhosa e irregular. Rugosa até.Não há paciência para desfazer todos os equívocas que a insegurança engendra.Vêm-me à mente flagrantes momentos do estar com os meus amigos de há séculos,aqueles a quem já vimos o cu e em nada nos podem surpreendernem sequer na compreensível mesquinhez e estado de alerta ultradefensivo.Isso de estar com é como quem diz. Não escutam, portanto, não estão.lkjComo aqueles alunos para quem somos paredes somente.Não te escutam.Regressado do Brasil, não tinham perguntas,não exprimiam curiosidade. Deixaram-me a falar sozinho,literalmente só, ali, no bar, a matutar nesse drama da incomunicação.Talvez eu goste de mais de holofotes e de atenções,e goste de menos (ainda não vi os bloggers portugueses aderirem ao que dizemos melhores prontuários da língua portuguesa a respeito do de mais/demais, por isso resolveram o problema grafando sempre demais, embora nunca grafem demenos,o que seria bem mais lógico) do segundo plano quando com os meus amigos.Enfim, brandem os seus cigarros, dizem umas coisas. Alguém ri. O tempo passa. E não houve conversa. O fardo do que eu teria a dizer,a contar ou a desabafar não passa.kjhQue se fodam! Se a amizade é esse desinteresse, estou fora.O Brasil não é exactamente o céu. Mais de metade do que eu dizia,os amigos que fiz lá não o entendiam, mas o envólucro afectivo era sempre intenso, sempre expressivo. Gostar de uma pessoa, acolhê-la bem é acolhê-la bem.Em Portugal, eu tornei-me ininteligível para aqueles que eu supunha amigos.Cavam-se distâncias. Há também eras glaciares para as amizades.Devo aceitá-lo. Sempre fui um solitário comunitário.Esforcei-me e sofri por levar Cristo, o Cristo por Quem nunca escondi estar seduzido,apaixonado, arrebatado.kjhFizeram pouco de mim, no processo. Esmagaram-me no processo. Trituraram-me a alma no processo. Uns de desprezo. Outros de incompreensão. Hoje remeto-me ao escondimento. Hoje regressei ao meu imenso eremitério feliz.A minha mulher e a minha filha polarizam-me o coração,mas sou o mesmo para toda a gente, o mesmo coração, fora apenas do olhar e do alcance seja de quem for.É forçoso que eu me esconda, que viva para mim as minhas frustrações,os meus sonhos desfeitos, as ilusões em que incorri.lkjA minha experiência espiritual não era uma linguagem que funcionasse para quem somentefalava o fodilhês ou o quimbarreirosês.Uma pessoa conforma-se a isto e fica a ver os equívocos... Pensa: «Eu aqui não faço nada!» Ainda hei-de viver num mundo onde a par do elogio: «Epá, ele é inteligente e dinâmico!» haja o elogio: «Epá, o tipo é sensível, inteligente e contemplativo!»Viver ensimesmado não é defeito nenhum.Andar por aí a disparar crueldades e segregações sem contemplação,a pisar no perfil dos outros, na sua natureza plácida, branda, eminentemente portuguesa,é que dá pontos. Comigo não funciona.kjhPor que é que nunca me sai nenhum chocolate, nenhum brinde?Por que motivo nunca me calha a fava, o cupão premiado?Por que é que nunca ninguém me valorizou as teorias da conspiração do Azarcomo produto metodicamente vendido e servido em Portugal?O meu olhar pescador de metáforas só pode ser-lhes, aos chamados amigos e aos outros,exótico e até alienígena. Paciência!kjhFicarei só no meu recanto. Cá fora, do lado de cá do frio, oiço agora o meu patrão a cantar com a sua patusca voz cómica ao seu cómico piano.Já são quatro horas. Um homem perde-se a escrever estas coisas sob o frio da noite.Meia casa debandou.Tenho os pés congelados. Dói-me a barriga. Não posso mijar quando quero e me apetece.lkjAbro a porta interior do Pub e o que vejo é imortal: depois do tango, vem o merengue.Entre uma multidão à média luz, dançando, o burburinho de gente junta,os dois britânicos de ontem, recordistas do whisky e das gorjetas pausaram.Tinham dançado como doidos toda a noite e agora estavam ali,completamente adormecidos, dobrados sobre si, suspensos sobre uma mesa cheia de copos e garrafas, sem lhes tocarem,como os dois querubins sobre a Arca da Aliançasó que dobrados inversamente aos querubins da Aliança, que estavam de costasum para o outro. Britânicos sucumbidos ao álcool é um Além-espectáculo. kjhEi-los que vão sair cheios de álcool. Não querem apresentar os cartões.Não tencionam pagar. Ontem foram simpáticos e gorjetísticos.Agora estão a ser completos cabrões e estou a ver que terei de me chatear.Ora então como é? Tentam atirar-me com histórias de última hora. Resisto.Um deles é um gorila com dois metros e dez, gordo, com o olhar rodopiante de bebedeira,é esse que se dobra sobre mim e ensaia intimidar-me enquanto o mais pequeno,com ar de Fred Astaire, parlamenta comigo, mentindo, dissimulando factos, metendo petas.lkjAlto. Assim não pode ser. Percebi o esquema. Morcões moles, à minha mercê,salvam-se airosos de um enxerto de pancada e de uma queda acidental, por desequilíbrio assistido pela violenta bebedeira, da mini-escadaria diante de nós.Deixo-os deslizar para fora,como pingos de óleo, escorrendo de um gargalo de azeite,mas sei onde se alojam e diligências já foram tomadas.ljkQuerubins cabrões do caralho, havia necessidade de me estragarem a noite?!


Está efectivamente frio. Um frio impróprio.Os meus amigos, os meus amigos!...Não sei se um coração como o meu, depois de ter ensaiado converter para Cristocentenas, senão milhares de jovens, poderá, sem vitimar-se no processo,viver uma amizade feliz.lkj As disputas, os ciúmes, as invejas, aquelas exclusões tácitas e concertadas,aqueles ostracismos orquestrados, aquelas incompreensões,fazem da amizade uma coisa espinhosa e irregular. Rugosa até.Não há paciência para desfazer todos os equívocas que a insegurança engendra.Vêm-me à mente flagrantes momentos do estar com os meus amigos de há séculos,aqueles a quem já vimos o cu e em nada nos podem surpreendernem sequer na compreensível mesquinhez e estado de alerta ultradefensivo.Isso de estar com é como quem diz. Não escutam, portanto, não estão.lkjComo aqueles alunos para quem somos paredes somente.Não te escutam.Regressado do Brasil, não tinham perguntas,não exprimiam curiosidade. Deixaram-me a falar sozinho,literalmente só, ali, no bar, a matutar nesse drama da incomunicação.Talvez eu goste de mais de holofotes e de atenções,e goste de menos (ainda não vi os bloggers portugueses aderirem ao que dizemos melhores prontuários da língua portuguesa a respeito do de mais/demais, por isso resolveram o problema grafando sempre demais, embora nunca grafem demenos,o que seria bem mais lógico) do segundo plano quando com os meus amigos.Enfim, brandem os seus cigarros, dizem umas coisas. Alguém ri. O tempo passa. E não houve conversa. O fardo do que eu teria a dizer,a contar ou a desabafar não passa.kjhQue se fodam! Se a amizade é esse desinteresse, estou fora.O Brasil não é exactamente o céu. Mais de metade do que eu dizia,os amigos que fiz lá não o entendiam, mas o envólucro afectivo era sempre intenso, sempre expressivo. Gostar de uma pessoa, acolhê-la bem é acolhê-la bem.Em Portugal, eu tornei-me ininteligível para aqueles que eu supunha amigos.Cavam-se distâncias. Há também eras glaciares para as amizades.Devo aceitá-lo. Sempre fui um solitário comunitário.Esforcei-me e sofri por levar Cristo, o Cristo por Quem nunca escondi estar seduzido,apaixonado, arrebatado.kjhFizeram pouco de mim, no processo. Esmagaram-me no processo. Trituraram-me a alma no processo. Uns de desprezo. Outros de incompreensão. Hoje remeto-me ao escondimento. Hoje regressei ao meu imenso eremitério feliz.A minha mulher e a minha filha polarizam-me o coração,mas sou o mesmo para toda a gente, o mesmo coração, fora apenas do olhar e do alcance seja de quem for.É forçoso que eu me esconda, que viva para mim as minhas frustrações,os meus sonhos desfeitos, as ilusões em que incorri.lkjA minha experiência espiritual não era uma linguagem que funcionasse para quem somentefalava o fodilhês ou o quimbarreirosês.Uma pessoa conforma-se a isto e fica a ver os equívocos... Pensa: «Eu aqui não faço nada!» Ainda hei-de viver num mundo onde a par do elogio: «Epá, ele é inteligente e dinâmico!» haja o elogio: «Epá, o tipo é sensível, inteligente e contemplativo!»Viver ensimesmado não é defeito nenhum.Andar por aí a disparar crueldades e segregações sem contemplação,a pisar no perfil dos outros, na sua natureza plácida, branda, eminentemente portuguesa,é que dá pontos. Comigo não funciona.kjhPor que é que nunca me sai nenhum chocolate, nenhum brinde?Por que motivo nunca me calha a fava, o cupão premiado?Por que é que nunca ninguém me valorizou as teorias da conspiração do Azarcomo produto metodicamente vendido e servido em Portugal?O meu olhar pescador de metáforas só pode ser-lhes, aos chamados amigos e aos outros,exótico e até alienígena. Paciência!kjhFicarei só no meu recanto. Cá fora, do lado de cá do frio, oiço agora o meu patrão a cantar com a sua patusca voz cómica ao seu cómico piano.Já são quatro horas. Um homem perde-se a escrever estas coisas sob o frio da noite.Meia casa debandou.Tenho os pés congelados. Dói-me a barriga. Não posso mijar quando quero e me apetece.lkjAbro a porta interior do Pub e o que vejo é imortal: depois do tango, vem o merengue.Entre uma multidão à média luz, dançando, o burburinho de gente junta,os dois britânicos de ontem, recordistas do whisky e das gorjetas pausaram.Tinham dançado como doidos toda a noite e agora estavam ali,completamente adormecidos, dobrados sobre si, suspensos sobre uma mesa cheia de copos e garrafas, sem lhes tocarem,como os dois querubins sobre a Arca da Aliançasó que dobrados inversamente aos querubins da Aliança, que estavam de costasum para o outro. Britânicos sucumbidos ao álcool é um Além-espectáculo. kjhEi-los que vão sair cheios de álcool. Não querem apresentar os cartões.Não tencionam pagar. Ontem foram simpáticos e gorjetísticos.Agora estão a ser completos cabrões e estou a ver que terei de me chatear.Ora então como é? Tentam atirar-me com histórias de última hora. Resisto.Um deles é um gorila com dois metros e dez, gordo, com o olhar rodopiante de bebedeira,é esse que se dobra sobre mim e ensaia intimidar-me enquanto o mais pequeno,com ar de Fred Astaire, parlamenta comigo, mentindo, dissimulando factos, metendo petas.lkjAlto. Assim não pode ser. Percebi o esquema. Morcões moles, à minha mercê,salvam-se airosos de um enxerto de pancada e de uma queda acidental, por desequilíbrio assistido pela violenta bebedeira, da mini-escadaria diante de nós.Deixo-os deslizar para fora,como pingos de óleo, escorrendo de um gargalo de azeite,mas sei onde se alojam e diligências já foram tomadas.ljkQuerubins cabrões do caralho, havia necessidade de me estragarem a noite?!

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