PALAVROSSAVRVS REX: EMIGRANTE PORTUGUÊS NA BÉLGICA

30-09-2009
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Pelo menos o indiciava a matricula do interminável Mercedes prateado para onde se dirigiram, depois de olhar o horizonte recheado de nuvenzinhas níveas e azuis sobre um mar de cetim. A mulher ainda teceu um remoque entediado e censório talvez à areia empoeirada ou a qualquer outra coisa aleatória, dado o tédio na face: «Isto está cheio de brasileiras». Cruzavamo-nos no passadiço de madeira, tábuas aproveitadas da velha linha da Póvoa. Eram, na verdade, três. O Pai, atlético cinquentão, com carão de Hulk, na plenitude da fúria verde, sobrancelhas unidas, cenho carregado de velho emigrante português atarrecado, saído cá da terra, com trejeitos de velho estivador. A Mulher, senhora ruiva de cabelo curto, naquela mesma típica semi-obesidade cinquentina. O Filho, encorpado, ainda adolescente, perdido entre as penugens ralas no rosto e os jogos de telemóvel, de um ar terrivelmente só. Era aquele um tédio repartido irmamente pelos três neste belo fim de manhã de Julho. A manhã de praia fora amena e sem vento. Infinitos aviões comerciais passavam sucessivos a baixa altitude, fazendo-se ao Sá Carneiro. Os "belgas" contemplavam os três, o areal e o irresistível horizonte, deslocando-se pachorrenta e desgarradamente pelo mesmo passadiço, mas sem se enternecerem daquela mansidão plácida de longínquas nuvenzinhas azuis e níveas, praia sem vento, mar de comer. E foi só quando estaquei ao lado do Mercedes, carregado das toalhas, do meu bebé ensonadito, de uns sacos e ainda do guarda-sol, olhando para o percurso lento e amolecido da minha outra filhita, da mulher e sobrinho, é que notei esse Hulk emigrante me fitava. Os olhos postos em mim como que na urgência de me demonstrar ser dele, bem dele, aquele oblongo Mercedes prateado, de matrícula belga, ao lado do qual me postara. Mulher para trás, filho para trás, entrou, deu à ignição com uma urgência patronal e proprietária. De novo no País ingrato, via-se entregue às delícias do espectáculo automóvel. O único que o poderia justificar.


Pelo menos o indiciava a matricula do interminável Mercedes prateado para onde se dirigiram, depois de olhar o horizonte recheado de nuvenzinhas níveas e azuis sobre um mar de cetim. A mulher ainda teceu um remoque entediado e censório talvez à areia empoeirada ou a qualquer outra coisa aleatória, dado o tédio na face: «Isto está cheio de brasileiras». Cruzavamo-nos no passadiço de madeira, tábuas aproveitadas da velha linha da Póvoa. Eram, na verdade, três. O Pai, atlético cinquentão, com carão de Hulk, na plenitude da fúria verde, sobrancelhas unidas, cenho carregado de velho emigrante português atarrecado, saído cá da terra, com trejeitos de velho estivador. A Mulher, senhora ruiva de cabelo curto, naquela mesma típica semi-obesidade cinquentina. O Filho, encorpado, ainda adolescente, perdido entre as penugens ralas no rosto e os jogos de telemóvel, de um ar terrivelmente só. Era aquele um tédio repartido irmamente pelos três neste belo fim de manhã de Julho. A manhã de praia fora amena e sem vento. Infinitos aviões comerciais passavam sucessivos a baixa altitude, fazendo-se ao Sá Carneiro. Os "belgas" contemplavam os três, o areal e o irresistível horizonte, deslocando-se pachorrenta e desgarradamente pelo mesmo passadiço, mas sem se enternecerem daquela mansidão plácida de longínquas nuvenzinhas azuis e níveas, praia sem vento, mar de comer. E foi só quando estaquei ao lado do Mercedes, carregado das toalhas, do meu bebé ensonadito, de uns sacos e ainda do guarda-sol, olhando para o percurso lento e amolecido da minha outra filhita, da mulher e sobrinho, é que notei esse Hulk emigrante me fitava. Os olhos postos em mim como que na urgência de me demonstrar ser dele, bem dele, aquele oblongo Mercedes prateado, de matrícula belga, ao lado do qual me postara. Mulher para trás, filho para trás, entrou, deu à ignição com uma urgência patronal e proprietária. De novo no País ingrato, via-se entregue às delícias do espectáculo automóvel. O único que o poderia justificar.

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