Palavrar

21-07-2005
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Europeias, coimbrinhas e Aristides Quando vou a Coimbra, um dos primeiros prazeres a saciar é o do ritual da bica tranquila, temperada com um dos diários da cidade que, em quase todos os cafés, já sei estarem à espera dos clientes nas mesas. De há algum tempo a esta parte que, para mim, a rotina da bica é acompanhada pelo Correio da Manhã, campeão da leitura gratuita por bandas de Almada. Em Coimbra, porém, é da praxe tomar o café com o Diário de Coimbra ou com as Beiras. Foi nisto que dei com duas notícias que me puseram a pensar em coisas tristes. Sobretudo coisas que não mudam, em Coimbra e no país. Numa, o deputado Fausto Correia, noutra o vereador Mário Nunes. Associei-os porque, para além do facto de serem homens públicos sujeitos a escrutínio, dão ambos maus exemplos, nestes casos particulares, e porque os vejo como insignes expoentes do malfadado “coimbrismo” de que falava um cronista no DC. Entre outras, na medida em que só cá, em Coimbra, são verdadeiramente importantes, ou para usar uma expressão do vereador da Cultura, preponderantes. “Lá fora”, particularmente ao autarca, poucos os conhecem, mas em Coimbra são “intocáveis”, grandes e respeitadas figuras, não obstante um ter conseguido – a que não terão sido alheias lógicas de “aparelho” partidário, que é onde melhor se move o político profissional Fausto Correia, que terá o seu émulo social-democrata em Paulo Pereira Coelho, cidadão de igual preponderância em Coimbra – chegar a secretário de Estado, no que foi celebrado colectivamente como “uma vitória para Coimbra”, precisamente ter um coimbrinha no Governo da Nação. É que deputados há muitos e até é obrigatório que alguns sejam da nossa terra. Agora Governo? Só alguns “eleitos”. Tal como os vereadores, que também são escolhidos. A dedo. Carlos Encarnação, por exemplo, fez as suas contas e tirou medidas aos méritos antes das eleições e convidou quem entendeu. No caso do “pára-quedista” Mário Nunes, ter-lhe-á parecido, a Encarnação, que conseguiria sensibilizar sectores como a intelectualidade coimbrinha da tradição, do folclore e dos arraiais populares, que não perde as etnográficas e panegíricas prosas do vereador no DC, a terceira idade, as excursões a Santiago de Compostela e ao Bom Jesus de Braga, o “bom povo de Coimbra”, os futricas, a “baixinha”, fadinhos e guitarradas. E Mário Nunes tem assumido com zelo essa postura “coimbrista”.Portanto, um na política, na Académica e no costume igualmente coimbrinha das “tertúlias”, outro na cultura, Fausto Correia e Mário Nunes incorporam, na minha forma de “ver Coimbra”, a essência do “coimbrismo” bairrista. Quanto ao primeiro, era notícia porque, ao mesmo tempo em que conseguia, em sede de Comissão Nacional partidária, o 8º lugar na lista do PS para o Parlamento Europeu, cujas eleições se vão realizar a 13 de Julho deste ano de 2004, para um mandato de cinco anos (e que vão ser completamente submergidas pelas outras “europeias”, as da bola), assumia perante os seus correlegionários a candidatura à Câmara de Coimbra, cujas eleições se deverão efectuar em finais de 2005, para um mandato de quatro anos. Mais ainda, Fausto Correia, anunciava já que também assumia o solene «compromisso» de voltar a ser candidato por Coimbra nas eleições Legislativas, algures em meados de 2006, para mandato de quatro anos. Confuso? A Agência Lusa sintetiza neste espantoso parágrafo: «De acordo com elementos da Comissão Política Nacional do PS, Fausto Correia disse ainda que, se não vencer as eleições autárquicas em Coimbra, já assumiu o «compromisso» de voltar a ser candidato pelo distrito de Coimbra nas eleições legislativas de 2006, altura em que abandonará o Parlamento Europeu em definitivo». Mais palavras para quê? Depois admiram-se e queixam-se das abstenções recordistas, da Europa ser cada vez mais uma abstracção incompreensível para os portugueses ou do descrédito que se abate sobre a classe política, sobre a própria actividade política, quando o voto, as eleições, os mandatos populares consagrados nas urnas são encarados, pelos próprios mandatados, com esta displicência instrumentalista, este pragmatismo calculista, ao sabor de tácticas pessoais ou partidárias de poder. É que de facto, a meio da próxima legislatura comunitária, Coimbra, a região centro, perderá o “seu” deputado europeu, porque a meio do mandato a Câmara de Coimbra vai ter mais interesse ao PS e a Fausto Correia que os complicados dossiers da União. E se o PS voltar a perder Coimbra, Fausto também não fica para vereador, seguindo, de resto, e a priori, o exemplo de Manuel Machado (deve ser tendência socialista, ou coimbrinha), prosseguindo em primeira classe para a Assembleia da República, de onde saiu inicialmente, sem passar pela casa da partida. Nem por acaso, o único voto contra a lista na CPN foi o do aveirense Afonso Candal, precisamente devido à situação apresentada ao directório por Fausto Correia, de ir a “todas” (alguma há-de ganhar…): «Afonso Candal referiu que, com a saída de Fausto Correia do Parlamento (o mais tardar) em 2006, «distritos como Aveiro, Castelo Branco, Coimbra e Viseu ficarão sem qualquer representação» em Estrasburgo». Pois.Pois claro que não, também para o vereador da Cultura de Coimbra. Este, li no mesmo jornal, recusara pessoalmente, pelo seu próprio punho, o nome de Aristides Sousa Mendes para rua de Coimbra. Não tem lugar na nossa toponímia, advogou Mário Nunes, porque o antigo cônsul de Portugal em Bordéus será «figura com papel pouco preponderante na vida da cidade, onde apenas se licenciou». Provavelmente faltou-lhe ser jogador da Académica. Assim de repente, de figuras «preponderantes» na vida da cidade com direito a placa e até estátua, lembro-me do Papa João Paulo II, que foi particularmente preponderante para o comércio e para a fé da cidade quando cá veio há uns vinte anos, arrastando multidões à sua passagem. A questão é que, tal como o Papa, Aristides não é um mero “coimbrinha”, é uma figura universal e, felizmente, não precisa dessa suprema ambição de qualquer bom “coimbrinha”, condição básica de eternidade paroquial: dar nome a uma rua da sua terrinha.

Europeias, coimbrinhas e Aristides Quando vou a Coimbra, um dos primeiros prazeres a saciar é o do ritual da bica tranquila, temperada com um dos diários da cidade que, em quase todos os cafés, já sei estarem à espera dos clientes nas mesas. De há algum tempo a esta parte que, para mim, a rotina da bica é acompanhada pelo Correio da Manhã, campeão da leitura gratuita por bandas de Almada. Em Coimbra, porém, é da praxe tomar o café com o Diário de Coimbra ou com as Beiras. Foi nisto que dei com duas notícias que me puseram a pensar em coisas tristes. Sobretudo coisas que não mudam, em Coimbra e no país. Numa, o deputado Fausto Correia, noutra o vereador Mário Nunes. Associei-os porque, para além do facto de serem homens públicos sujeitos a escrutínio, dão ambos maus exemplos, nestes casos particulares, e porque os vejo como insignes expoentes do malfadado “coimbrismo” de que falava um cronista no DC. Entre outras, na medida em que só cá, em Coimbra, são verdadeiramente importantes, ou para usar uma expressão do vereador da Cultura, preponderantes. “Lá fora”, particularmente ao autarca, poucos os conhecem, mas em Coimbra são “intocáveis”, grandes e respeitadas figuras, não obstante um ter conseguido – a que não terão sido alheias lógicas de “aparelho” partidário, que é onde melhor se move o político profissional Fausto Correia, que terá o seu émulo social-democrata em Paulo Pereira Coelho, cidadão de igual preponderância em Coimbra – chegar a secretário de Estado, no que foi celebrado colectivamente como “uma vitória para Coimbra”, precisamente ter um coimbrinha no Governo da Nação. É que deputados há muitos e até é obrigatório que alguns sejam da nossa terra. Agora Governo? Só alguns “eleitos”. Tal como os vereadores, que também são escolhidos. A dedo. Carlos Encarnação, por exemplo, fez as suas contas e tirou medidas aos méritos antes das eleições e convidou quem entendeu. No caso do “pára-quedista” Mário Nunes, ter-lhe-á parecido, a Encarnação, que conseguiria sensibilizar sectores como a intelectualidade coimbrinha da tradição, do folclore e dos arraiais populares, que não perde as etnográficas e panegíricas prosas do vereador no DC, a terceira idade, as excursões a Santiago de Compostela e ao Bom Jesus de Braga, o “bom povo de Coimbra”, os futricas, a “baixinha”, fadinhos e guitarradas. E Mário Nunes tem assumido com zelo essa postura “coimbrista”.Portanto, um na política, na Académica e no costume igualmente coimbrinha das “tertúlias”, outro na cultura, Fausto Correia e Mário Nunes incorporam, na minha forma de “ver Coimbra”, a essência do “coimbrismo” bairrista. Quanto ao primeiro, era notícia porque, ao mesmo tempo em que conseguia, em sede de Comissão Nacional partidária, o 8º lugar na lista do PS para o Parlamento Europeu, cujas eleições se vão realizar a 13 de Julho deste ano de 2004, para um mandato de cinco anos (e que vão ser completamente submergidas pelas outras “europeias”, as da bola), assumia perante os seus correlegionários a candidatura à Câmara de Coimbra, cujas eleições se deverão efectuar em finais de 2005, para um mandato de quatro anos. Mais ainda, Fausto Correia, anunciava já que também assumia o solene «compromisso» de voltar a ser candidato por Coimbra nas eleições Legislativas, algures em meados de 2006, para mandato de quatro anos. Confuso? A Agência Lusa sintetiza neste espantoso parágrafo: «De acordo com elementos da Comissão Política Nacional do PS, Fausto Correia disse ainda que, se não vencer as eleições autárquicas em Coimbra, já assumiu o «compromisso» de voltar a ser candidato pelo distrito de Coimbra nas eleições legislativas de 2006, altura em que abandonará o Parlamento Europeu em definitivo». Mais palavras para quê? Depois admiram-se e queixam-se das abstenções recordistas, da Europa ser cada vez mais uma abstracção incompreensível para os portugueses ou do descrédito que se abate sobre a classe política, sobre a própria actividade política, quando o voto, as eleições, os mandatos populares consagrados nas urnas são encarados, pelos próprios mandatados, com esta displicência instrumentalista, este pragmatismo calculista, ao sabor de tácticas pessoais ou partidárias de poder. É que de facto, a meio da próxima legislatura comunitária, Coimbra, a região centro, perderá o “seu” deputado europeu, porque a meio do mandato a Câmara de Coimbra vai ter mais interesse ao PS e a Fausto Correia que os complicados dossiers da União. E se o PS voltar a perder Coimbra, Fausto também não fica para vereador, seguindo, de resto, e a priori, o exemplo de Manuel Machado (deve ser tendência socialista, ou coimbrinha), prosseguindo em primeira classe para a Assembleia da República, de onde saiu inicialmente, sem passar pela casa da partida. Nem por acaso, o único voto contra a lista na CPN foi o do aveirense Afonso Candal, precisamente devido à situação apresentada ao directório por Fausto Correia, de ir a “todas” (alguma há-de ganhar…): «Afonso Candal referiu que, com a saída de Fausto Correia do Parlamento (o mais tardar) em 2006, «distritos como Aveiro, Castelo Branco, Coimbra e Viseu ficarão sem qualquer representação» em Estrasburgo». Pois.Pois claro que não, também para o vereador da Cultura de Coimbra. Este, li no mesmo jornal, recusara pessoalmente, pelo seu próprio punho, o nome de Aristides Sousa Mendes para rua de Coimbra. Não tem lugar na nossa toponímia, advogou Mário Nunes, porque o antigo cônsul de Portugal em Bordéus será «figura com papel pouco preponderante na vida da cidade, onde apenas se licenciou». Provavelmente faltou-lhe ser jogador da Académica. Assim de repente, de figuras «preponderantes» na vida da cidade com direito a placa e até estátua, lembro-me do Papa João Paulo II, que foi particularmente preponderante para o comércio e para a fé da cidade quando cá veio há uns vinte anos, arrastando multidões à sua passagem. A questão é que, tal como o Papa, Aristides não é um mero “coimbrinha”, é uma figura universal e, felizmente, não precisa dessa suprema ambição de qualquer bom “coimbrinha”, condição básica de eternidade paroquial: dar nome a uma rua da sua terrinha.

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