Saudade ou projecto?

30-04-2005
marcar artigo

25 de Abril - 25 anos depois

Saudade ou projecto ? __________________________ 25 anos passaram sobre a madrugada libertadora do 25 de Abril, porta rasgada pelos capitães do Movimento das Forças Armadas, por onde irrompeu o Povo que se lhes aliou, num exaltante processo revolucionário. Dessas jornadas que transformaram profundamente o País resta hoje pouco mais do que as liberdades democráticas e direitos constantemente ameaçados pelos que mais tarde haveriam de tomar as rédeas do poder e impor uma política de direita, destruidora das conquistas fundamentais dos trabalhadores e do povo. Resta, porém, uma memória muito viva em todos os que, vindos da resistência ao fascismo ou aderindo a Abril nas primeiras horas, participaram nessas conquista e na sua defesa. E, já hoje, essa memória revive em muitos dos que, vindos depois, partilham os valores de Abril. Dessa memória se guarda certamente a saudade. Mais do que isso, certamente - continua vivo o projecto.

O "Avante!", a partir de hoje e nos próximos números, indagando junto de personalidades políticas, militares de Abril, sindicalistas, intelectuais, publica os seus depoimentos que confirmam uma esperança: Abril é uma saudade e é também um projecto por cumprir. Para cumprir. _____

Talvez outra coisa

Vítor Dias

Membro da Comissão Política do CC do PCP

A resposta "politicamente correcta" talvez pudesse ser algo do género "mas qual saudade, qual carapuça, projecto, muito projecto !". E, no entanto, atrevo-me a pensar que ora aqui está um dos muitos casos em que a escolha de um só termo deixa muito de fora e em que a realidade tem mais densidade do que a semântica.

É que, sobre a "saudade", apetece dizer que também ela não deslustra humanamente ninguém e, mais do que isso, se se aproximar do que poderíamos chamar a memória emocionada do que vivemos, aprendemos, construímos e crescemos com a revolução democrática, então é mesmo um valioso património individual e colectivo, essencial para hoje e amanhã.

É que, sobre o "projecto", tememos que a expressão indicie ou que está tudo por fazer ou que se trata de, pura e simplesmente, o retomar na sua configuração histórica original. Ora, o Programa do Partido caracteriza a revolução de Abril como "uma revolução inacabada" mas não adianta a ideia de que a grande tarefa próxima seria acabá-la. Antes formula o projecto de uma "democracia avançada no limiar do século XXI", em que entram como referências e valores essenciais todo o património global de Abril - seja na parte viva, seja na parte ameaçada, seja na parte perdida. O que nos conduz não a uma ideia de retomada ou recuperação de um projecto historicamente datado, mas de uma nova e adaptada apropriação e recriação dos seus grandes valores, causas e objectivos, à altura dos desafios do tempo que vivemos.

E, para este exigente empreendimento, é indispensável reter uma lição maior de Abril: a lição do valor imenso, contra alegadas inevitabilidades e impossibilidades, da confiança dos trabalhadores e dos cidadãos na eficácia da sua vontade e da sua luta.

Conquistas de Abril

permanecem um guia

Vasco Gonçalves

General. Foi Primeiro-Ministro do II ao V Governos Provisórios. Destacado dirigente do Movimento das Forças Armadas

O governo fascista-colonialista foi derrubado pelo Movimento das Forças Armadas mas, no próprio dia 25 de Abril de 1974, houve um espontâneo e vigoroso levantamento popular e nacional, em que se destacaram a classe operária, e os trabalhadores em geral, alguns estratos da pequena e da média burguesia urbanas, suas organizações sociais e políticas.

As massas populares, arruinadas pela vontade de transformarem as suas condições de vida, agora, que se podiam exprimir em liberdade, ao exigirem um empenhamento político e social mais alargado e profundo do que o inicialmente previsto pelo MFA, imprimiram uma dimensão revolucionária ao golpe militar.

É ao dar resposta às solicitações quotidianas, persistentes e legítimas, e ao sentir, ao pulsar do povo, que o MFA converge com as aspirações populares e surgem a aliança Povo-MFA e as conquistas democráticas de Abril.

Elas abriram perspectivas de progresso económico, de equidade, de justiça social, de uma política de desenvolvimento autocentrado e independente, a caminho de um socialismo de características basicamente nacionais, no contexto mundial da época.

Mas estas conquistas têm sido, em particular no domínio económico e social, destruídas na sua maior parte ou seriamente comprometidas pela política de direita e contra-revolucionária dos sucessivos governos constitucionais.

Contudo, 25 anos passados, o momento não é de saudade pelo que se conquistou e pelo que se tem perdido. Sem dúvida que será para sempre grata para nós, a memória, a evocação que, pode dizer-se, nos acompanha no dia a dia da nossa vida, daqueles momentos em que se via um povo política e socialmente empenhado, feliz nas ruas e nos campos do latifúndio, forjando com o MFA o seu próprio destino.

Mas o decorrer da vida da nossa sociedade vem mostrando, cada vez mais, que a política de dominação do poder económico sobre o poder político, a globalização neoliberal e, agora, a intervenção militar de Portugal na guerra injusta que os EUA e G7, a NATO, fazem contra a Jugoslávia e, ao fim e ao cabo, contra a Europa, só poderão ser revertidas a favor das mais largas camadas da nossa população, trilhando os caminhos que as portas de Abril abriram.

Por estas razões, não é com saudade mas com Abril no coração e consciente da justeza das suas conquistas, que estas continuam hoje, passados 25 anos, a ser um guia do projecto alternativo para o futuro de Portugal, nas condições concretas e objectivas da nossa situação e tendo em vista a luta por uma Europa dos povos, de Estados solidários e independentes e não dominada pelos EUA, seus aliados do G7 (EUA, Canadá, Japão, França, Alemanha, Itália e Inglaterra) e pelo grande capital transnacional.

Unidade democrática

Blasco Hugo Fernandes

Engenheiro Agrónomo. Presidente da «Intervenção Democrática»

N ão se exclui naturalmente alguma saudade. Da grande alegria e da unidade democrática dos portugueses que encheram as avenidas, as ruas e os caminhos de Portugal. Apoiando, reivindicando e contribuindo para transformar a acção militar de derrubamento da ditadura numa revolução. Para instaurar e aprofundar a democracia, usando as liberdades fundamentais conquistadas e devolvidas ao povo português pelos «Capitães de Abril».

Mas acima de tudo é um projecto para a permanente, progressiva e progressista transformação da sociedade, tornando-a mais justa, mais solidária e mais fraterna. Projecto com o ponto de partida do Programa do MFA, que desde logo definiu como objectivo o lançamento das bases de uma nova política económica e social, ao serviço particularmente das camadas mais desfavorecidas e em defesa dos interesses das classes trabalhadoras. Projecto no essencial consagrado na «Constituição de Abril» - a Constituição da República Portuguesa – apesar dos retrocessos que o seu texto original sofreu ao longo das diversas revisões. Projecto, enfim, cuja concretização, a partir da agora e no futuro imediato, se desenrola no quadro da quarta revisão constitucional (1997), que dá guarida à introdução de constantes aperfeiçoamentos, ao combate contra as injustiças e as exclusões sociais, à aplicação de medidas e a alterações estruturais indispensáveis ao progresso social e, por último, à configuração de políticas e de projectos alternativos para a sociedade portuguesa. Num processo tanto quanto possível inserido, e por isso reflexo, do movimento social, pela consciência da importância da sua participação nas decisões que dizem respeito ao presente e futuro do país. Tendo em conta que somos parte integrante da União Europeia e que, por essa razão, o projecto não pode deixar de incluir o esforço pela construção de uma Europa (comunitária) de coesão económica e social, de cooperação e co-desenvolvimento.

Projecto de futuro

Manuel Carvalho da Silva

Coordenador da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical NacionalCoordenador da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional

S audade não, razão de comemoração sim, projecto sempre.

Saudade não, porque o passado está presente.

Razão de comemoração porque, sendo memória de muitos anseios reprimidos, de muitos desejos gorados, de muitas canções caladas, de muitas palavras não ditas, das prisões e torturas, é, sobretudo, memória das cumplicidades amigas, das solidariedades expressas, das acções conjuntas que desaguaram no abraço fraterno de um povo que se reencontrou consigo e com a sua história, com, com a liberdade e com a dignidade, produzindo profundas mudanças políticas, económicas, sociais e culturais na nossa sociedade.

Mas é, sobretudo, projecto sempre renovado de um futuro mais justo, alicerçado nas esperanças daquelas lutas, nos sonhos das madrugadas sem sono.

Projecto sempre renovado de valorização do trabalho e dos trabalhadores e das suas organizações de classe - os sindicatos - enquanto forma contra-poder, veículos de instabilização das consciências e promotores da participação dos trabalhadores, a todos os níveis, e da sua transformação em sujeitos da própria acção na construção de uma sociedade melhor.

Projecto sempre renovado de fazer mais e melhor, na incansável tarefa de dar combate aos novos e velhos problemas: a injusta distribuição da riqueza, os baixos salários, o desemprego e a precarização laboral, os desumanos horários de trabalho, as pensões de miséria, os salários em atraso, o trabalho infantil.

Projecto sempre renovado para fortalecer a solidariedade entre os «incluídos» e os «excluídos» do sistema, entre os trabalhadores do activo e os reformados, entre os que têm trabalho certo e os precários, entre os jovens e os velhos, entre os empregados e os desempregados, entre os homens e as mulheres.

Projecto sempre renovado com a esperança, confiança e determinação da nossa luta por um mundo melhor, assente nos valores e princípios do 25 de Abril e na utopia, sempre necessária, do fim da exploração do homem pelo homem.

Projecto de um homem novo, de um tempo novo, de um mundo novo. 25 de Abril, projecto do futuro.

Continuar a luta !

João Torres

Coordenador da União dos Sindicatos do Porto e membro da Comissão Executiva da CGTP-IN

F oram tempos de grande participação. A revolução estava aí e era necessário alterar tudo. E já! Depois da mordaça de tantos anos não havia facilidades para nada nem para ninguém. O tempo não contava. As decisões eram tomadas em reuniões intermináveis! Alegria, entusiasmo e calor humano estavam presentes nas intervenções, nas manifestações, em tudo quanto se fazia em cada canto ou na rua deste país! Era preciso garantir transformações que acabassem com a velha ordem. O futuro estava já ali, ao virar da esquina, e era preciso estar presente. E estávamos.

Pode haver saudades desse tempo em que dum só golpe se queria construir uma sociedade de novo tipo, com novos alicerces, que a todos, sobretudo aos trabalhadores e aos mais desfavorecidos, trouxesse a felicidade a que se tem direito.

25 anos depois da Revolução, com os avanços e recuos verificados, o 25 de Abril continua a ser um projecto em que vale a pena gastar as nossas energias.

A divisão da riqueza que este povo produz retrocedeu para níveis anteriores a Abril de 74; apareceram novos grupos económicos e os velhos, sustentáculos do fascismo, reconstituíram-se graças à política privatizadora dos diversos governos de direita em que o PS se inclui; a globalização e a integração europeia, a par do enfeudamento ao grande capital nacional e transnacional, têm sido pretextos para a tentativa de o Estado alienar as funções sociais que a Revolução de Abril lhe atribuiu; a Segurança Social, conquista histórica dos mais desfavorecidos e dos trabalhadores, que é universal, solidária e redistributiva, querem transformar na esmola dos pobrezinhos, sujeita à gula dos novos/velhos vampiros da banca e das seguradoras; com os «números clausus» e os estabelecimentos privados querem que o ensino volte a ser exclusivo das elites; na saúde, há já muito que vendem a tese de «quem quer saúde, que a pague!».

O mundo do trabalho reflecte o tipo de sociedade para que nos querem empurrar. Não há democracia nas empresas; não há liberdade sindical; há pressões, perseguições e discriminações; os ritmos de trabalho são aceleradíssimos porque a competitividade assim manda; a globalização da economia e a deslocalização das empresas são ameaças permanentes; e o desemprego também; os direitos não contam porque o emprego já é um privilégio que é preciso preservar; os salários são miseráveis em muitos sectores de actividade; as novas tecnologias têm servido exclusivamente ao grande capital para aumentar os lucros e o exército de mão-de-obra disponível.

25 anos depois da Revolução dos Cravos, o governo do PS desfere um violento ataque aos trabalhadores com o Pacote Laboral de que destacamos pela negativa a intenção de reduzir o direito a férias, de reduzir salários com alterações dos conceitos de remuneração e de trabalho nocturno e de «repartir» o emprego através da introdução do trabalho a tempo parcial! Tudo isto à mistura com benefícios e mais benefícios para os patrões e duma intencional descapitalização da Segurança Social!

A maioria dos nossos reformados vivem situações de verdadeira pobreza, tal o nível das suas pensões de reforma; o desemprego é tratado por alguns como um fenómeno inevitável, mas conduz a sociedade portuguesa para a exclusão social crescente acompanhada de níveis de insegurança alarmantes; a toxicodependência e a prostituição, normalmente associadas ao tráfico de drogas, são chagas que não podem ser iludidas.

Com este cenário é preciso concretizar o projecto do 25 de Abril! Não foi para isto que a Revolução se fez!

Há que continuar a luta para transformar este país. É preciso prosseguir Abril, pôr fim à exploração do homem pelo homem, assumir a democracia e a liberdade participadas. É preciso garantir e alargar direitos.

O socialismo não é uma miragem. É preciso acreditar que é possível.

Um projecto

que não pode morrer

Alfredo Flores

Músico. Presidente da Federação Portuguesa das Colkectividades de Cultura e Recreio

Q uando naquela manhã de Abril, à porta da Gulbenkian, ouvi o polícia, que durante a noite tinha feito um «gratificado» na vigilância da sede daquela instituição, vociferar contra as movimentações militares desencadeadas nessa madrugada dizendo que isto devia ser alguma «revolução que se resolvia com o chanfalho», não podia suspeitar, sequer, das muitas e muitas portas que a partir de aí se haviam de abrir e das profundas transformações operadas em todos os sectores da vida portuguesa.

Como músico não posso deixar de recordar, com saudade, o frenesim revolucionário que animava a vida musical portuguesa. O momento em que os músicos das orquestras sinfónicas avançaram para as fábricas e para as colectividades de cultura e recreio tocando para trabalhadores que até então nunca tinham tido qualquer contacto, ao vivo, com esta importante área da cultura, mostrando aos operários e demais trabalhadores que as músicas ali tocadas, fossem elas de Mozart, Beethoven, Lopes Graça, Jorge Peixinho, etc., eram fruto do trabalho e do talento da sua laia, de gente oriunda das classes sociais laboriosas, que soube, por experiência vivida, o que era a miséria, de gente vítima dos mesmos exploradores que usurpavam a riqueza criada nos campos, nas fábricas, nas oficinas ou nas fainas da pesca.

Como associativista guardo na memória a autêntica explosão de colectividades que então se criaram e que foram engrossar o número daquelas que, durante a noite fascista, constituíram autênticas trincheiras de resistência, onde as manifestações de cultura popular eram, quase sempre, presenteadas com uma guarda de honra da Pide.

Espaço de liberdade, de cultura, de resistência; escola de democracia responsável pela formação de inúmeros quadros que foram desempenhar funções de grande responsabilidade nos sindicatos, nas auarquias, no poder central; parceiro activo e entusiasta nas acções de dinamização cultural levadas a cabo pela 5.ª Divisão do MFA, o Movimento Associativo de Raiz Popular contribuiu de forma significativa para a Aliança Povo/MFA.

Portanto, tenho saudades dos tempos em que ser português era motivo de orgulho redobrado. Como projecto norteado pelos valores humanistas que dignificam a condição humana, ele não pode morrer.

Um projecto que ainda não se concretizou

Abílio Dias Fernandes

Pesidente da Câmara Municipal de Évora

25 anos depois da Revolução do 25 de Abril ter libertado Portugal de um regime obsoleto e opressivo e modificado profundamente as estruturas da nação portuguesa, impõe-se uma reflexão profunda sobre o que foi feito neste quarto de século mas, sobretudo, sobre o que ficou por fazer.

E quando se homenageia a coragem dos jovens capitães de Abril, não podemos também esquecer o papel preponderante do PCP que, informado do que se passava, foi capaz de mobilizar rapidamente a população, cujo apoio foi imprescindível ao mais rápido desenlace do movimento iniciado pelo MFA.

Paralelamente a estas homenagens, as comemorações deste quarto de século de liberdade deverão constituir uma oportunidade para reafirmar os ideais que, durante a longa ditadura salazarista, alimentaram a luta dos democratas e do povo português.

Com efeito, este 25º aniversário corresponde ao ressurgimento de ameaças que têm que ser contidas a todo o custo: limitações dos direitos sociais conquistados, o acentuar de desigualdades, os recuos face a uma Europa que, cada vez mais, ameaça a nossa própria soberania, as operações de branqueamento de um ditador agora reconvertido em "anti-fascista", a desculpabilização crescente dos homens que, durante anos, torturaram – e mataram – quem se atrevesse a reclamar justiça.

Comemorar Abril é não deixar esquecer os milhares de mortos portugueses, africanos e timorenses e saudar o estabelecimento de um novo relacionamento com povos a quem nos ligam laços muito particulares e que se exprimem na mesma língua de Camões, Pessoa e Saramago.

A data que hoje celebramos marca o início de um processo onde muito ainda se encontra por cumprir.

O Portugal real ainda está demasiado longe do que pretendemos para ele: está ganha a liberdade, a conquista dos direitos cívicos, a dignificação das mulheres e dos idosos. Mas a solidariedade, a igualdade, a justiça ainda não se alargaram a todos os portugueses.

Mais do que nunca, há que lutar pelo aprofundamento da democracia, em todas as suas vertentes, pelo reforço do Poder Local, pela tolerância, pelo desenvolvimento.

O Alentejo continua esquecido, apesar de se ter transformado, neste momento, num lugar de passagem obrigatória de Ministros e Secretários de Estado, que visam ganhar votos com estas visitas-relâmpago, esquecendo que os alentejanos sempre souberam ser coerentes consigo próprios.

O 25 de Abril abriu as portas ao futuro e, para que ele se cumpra, há que ultrapassar os efeitos da aplicação, no nosso país, das doutrinas neo-liberais que, com a sua reconhecida incapacidade de resolver os problemas sociais, ameaçam os direitos conquistas em áreas tão importantes como a saúde, o ensino e a segurança social.

Para continuar Abril, há que lutar pela reposição dos valores de uma verdadeira política de esquerda. Se queremos continuar Abril, temos que dar esperança aos que a não têm, voz aos que estão silenciosos, e defender o fim da guerra, que ameaça de novo a Europa, lutando simultaneamente por uma solução pacífica para a questão de Timor.

Abril não foi.

Abril é !

Rui Godinho

Vereador do PCP e Presidente substituto da Câmara Municipal de Lisboa

P osta a questão: «25 de Abril, saudade ou projecto?», respondo desde já que saudade não, memória sim.

Há que ter a memória para, pedra a pedra, ir edificando o projecto do 25 de Abril, tanto o que cada um de nós tem dentro de si, como o que globalmente representa para o povo português.

No vai e vem da História, nos avanços e recuos dos muitos episódios do processo político, há aquisições que têm que ser irreversíveis: a liberdade, a democracia, a cidadania.

Mas, 25 anos passados, há ainda muito Abril por cumprir. É também por isso que é essencial ter memória e que ela não seja curta e, fundamentalmente, que não seja deturpada ou reescrita como alguns vão pretendendo fazer.

O 25 de Abril é, para mim, um projecto permanente, do dia a dia, um projecto em construção, desde aquela madrugada que mudou a vida de todos nós.

Exige um continuado esforço de cidadania, entendida como participação activa e informada das populações no presente e no futuro.

Implica, por isso, que se evolua de uma democracia representativa para uma democracia cada vez mais avançada, onde a intervenção dos cidadãos na resolução dos problemas locais, regionais e nacionais se faça de uma forma qualitativamente mais elevada, não se conformando, por isso, com o nível de representação institucional.

Determina que, a par do aprofundamento democrático, da resolução das carências e das distorções do desenvolvimento e da descolonização que falta cumprir (Timor), se inscrevam nas batalhas diárias, a luta pela falta de emprego, pelo direito ao trabalho e pela justiça social, pela correcção das assimetrias e desigualdades e o combate a todas as formas de exclusão.

Convoca-nos, a todos, para a rejeição da guerra e a construção da paz e para enfrentarmos os grandes desafios do futuro: a alternativa ao neoliberalismo e à globalização devastadores do respeito pela condição humana, para a defesa do ambiente e o estabelecimento dos caminhos do desenvolvimento sustentável.

Abril é, portanto, um projecto quotidianamente renovado, exigindo sempre novas respostas a velhos e novos problemas, quer local quer globalmente.

Repito: saudade, não memória atenta e projecto sempre. Em construção.

Momento mágico

Luiz Francisco Rebello

Dramaturgo. Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

E u direi: Saudade e projecto.

Saudade de um momento histórico a que apeteceria chamar mágico se não tivesse sido espantosamente real. De um tempo em que o sonho se tornou realidade e andava à solta pelas ruas de uma cidade (um país) enfim livres, fecundando o nosso quotidiano. Da esperança acendida nos nossos corações, transformada em mãos que construíam o futuro.

Saudade, sim. Mas não entendida como contemplação nostálgica do passado. Saudade como memória desse futuro antevisto, entrevisto, esboçado, adiado. Apenas adiado. Saudade portadora de um projecto incumprido, da esperança de o cumprir.

E, desta vez, na sua plenitude.

Por uma «Vila Morena»

César Príncipe

Jornalista do "Jornal de Notícias"

D igo-vos, camaradas, companheiros e amigos, que o 25 de Abril é o projecto da saudade. Da saudade porque há 25 anos estivemos mais perto do que nunca da transformação do ideal em real e da saudade porque desde tempos seculares e milenares que o Homem, que o melhor do Homem e os melhores da Humanidade têm lutado por mais justiça, por mais liberdade, por mais verdade. Digo-vos que o 25 de Abril perfez 25 anos e que o PCP perfez 78 anos. Digo-vos que estou no PCP porque é a força cívica que mais lealmente tem pugnado por um projecto democrático, projecto que não exclui nem dispensa a participação popular nem o alargamento da consciência às multidões. Digo-vos que comemorar o 25 de Abril é defender os seus valores estruturantes (constitucionais e sociais), é defender a voz oculta dos oprimidos e dos explorados. Digo-vos que ainda não se inventou na História outra saída senão o socialismo para a libertação dos desfavorecidos. Digo-vos que o 25 de Abril como projecto é a razão maior de ser cidadão e português, constantemente retomando as chaves que permitiram a introdução dos seus princípios nas muralhas dos novos bárbaros. O 25 de Abril, enquanto projecto, enquanto modelo de poder das maiorias (poder efectivo), mantém premente actualidade, já que a restauração do capitalismo, para além da repartição táctica de algumas esmolas, não conseguiu nem conseguirá instaurar uma comunidade fraterna e respeitadora do desenvolvimento integral.

Digo-vos que é mais do que urgente cerrar fileiras contra os cães de fila, que é mais do que imperioso denunciar todas as expressões de legitimação dos senhores da riqueza e da guerra. Digo-vos que apenas se assinalará correcta, condigna e convictamente o 25 de Abril sentindo saudade dos seus dias esplêndidos de povo nas ruas e de militares armados de flores. Digo-vos que o 25 de Abril precisa de reconquistar posições todos os meses, todos os dias. Todos os locais são postos de resistência e de comando. Todas as bocas são necessárias para levar e elevar os cânticos de Abril. Por isso, há que ter saudade, a fim de recuperarmos a energia e a chama. Por isso, há que manter inscritas na carta nacional de intenções as linhas programáticas da Revolução dos Cravos.

Assim vos digo, até amanhã, camaradas, companheiros e amigos. Sempre alguém engrossará a torrente dos protestos. Sempre alguém temperará o aço da vontade nos combates que dão carácter à vida e conforto à inteligência. O 25 de Abril, para mim, é a prescrição do indeclinável dever de não pactuar com os salteadores. É declarar presente nas circunstâncias adversas. É ser «homem sem sono» até ao derradeiro minuto, até que outros empunhem a mesma bandeira, até que Portugal se torne uma «Vila Morena».

Um fado por cantar

Carlos do Carmo

Cantor

E mbora fadista, a saudade não é o meu ponto forte.

25 de Abril de 1974, saudade? Só se for do futuro; porque nunca me recordo na minha existência de ter visto o meu Povo tão feliz. Acredito que um dia o voltará a ser.

25 de Abril de 1974, um projecto? Para aí já me inclino, pois não se sai de um atraso de décadas (sobretudo de mentalidades) e qual varinha mágica – aí tendes a pureza de Abril, toda concretizada como se Portugal fosse o único país no mundo...

A nossa Constituição de uma forma muito clara contempla cada cidadão nos seus direitos: à educação, à saúde, ao trabalho e à habitação – numa palavra – à dignidade. Vinte e cinco anos depois vivo com uma sensação que me inquieta: somos pobres com mentalidade de ricos (lá está a mentalidade) e a Constituição não se cumpre.

Naturalmente que já não existe uma polícia política, que prendeu arbitrariamente, humilhou, torturou e destruiu vidas. Também já não temos uns senhores que com os seus lápis de censores agrediam a inteligência a cada minuto.

Portanto democratizámos.

Quanto ao desenvolvimento, tenho a sensação que a governação destes anos tem navegado à vista, em contraste com os grandes navegadores da nossa história.

A descolonização, que na minha opinião foi, com todas as condicionantes e feridas que deixou, a possível na conjuntura universal da época, deixa-nos a todos tristes porque gostaríamos de ter visto os povos irmãos em paz e desenvolvimento. Mas África é outra estória. É muito sofrimento, muita felicidade adiada (quem sabe, daqui a cinquenta anos) e muita incompreensão para uma civilização que, infelizmente, não tem recebido o devido respeito.

Espero um dia morrer com saudade de um bom projecto realizado. Que grande fado. Maior para ser cantado, esse!

Volta, 25 de Abril !

Urbano Tavares Rodrigues

Escritor. Professor jubilado da Faculdade de Letras de Lisboa.

S e o 25 de Abril para mim é saudade? Decerto. A festa revolucionária, tão aberta, feliz e espontânea, tal como foi, não volta mais. Será diferente o triunfo do socialismo, quando se der, por entre os escombros do capitalismo global, talvez em horas muito amargas. E essa construção da democracia integral, sonho deste século não cumprido, provavelmente já não o viverei.

O 25 de Abril como projecto? Sim. Estão lá em germe todas as promessas que importa tornar em verdade prática: a da liberdade e a da fraternidade, a da efectiva, autêntica igualdade de direitos. A discussão na base, a vontade de cultura, primeiro degrau para a emancipação dos dominados, dos pobres, dos alienados, dos novos escravos que o neoliberalismo económico está criando por toda a parte, ao mesmo tempo que multiplica riquezas nas mão da hiper-burguesia que controla a finança e os media. É essa pirâmide social que o 25 de Abril terá de abater quando voltar.

Esperemos que não volte demasiado tarde. Porque as fontes da vida, da verdadeira vida, estão a querer secar, no coração dos homens e nas veias da natureza - florestas, toalhas de água, jazidas de petróleo... Falo do mundo, onde crescem o desemprego, a perda de regalias dos trabalhadores, e exclusão dos mais fracos e dos diferentes, paralelamente à agonia das espaços verdes, à uniformização das culturas nacionais, rtendidas à mediocridade de valores do impèrio norte-americano.

Vem, 25 de Abril!, vem outra vez, sob outra forma, mas ainda revolução sem sangue, chama acesa de dignidade, futuro em flor vermelha, tal como foste para nós e para quantos, da Europa e do Mundo, Abril conheceram.

O direito do 25 de Abril

a autodeterminar-se

Oscar Mascarenhas

Redactor principal do "Diário de Notícias", Presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

D igam-me cá: um filho – é uma saudade ou um projecto de futuro?

Claro que é uma saudade, a saudade do que vimos nascer e crescer nas nossas mãos. Saudade do tempo em que o mundo tinha de se arredar, abrir alas, para deixar o nosso menino passar gatinhando, amarinhando, sujando até – que logo se limparia. Mas isso é, essencialmente, saudade de tudo o que sonhámos para ele. Tinha o horizonte do mundo completamente rasgado à sua frente. O seu projecto de futuro não tinha limites: no nosso sonho, para onde quer que apontasse, atingiria a felicidade e o sublime.

Temos, pois, saudade do imenso projecto de futuro que foi o nosso filho.

Depois, por condicionantes de fora e pelas suas próprias escolhas, pelo seu trabalho ou pela sua preguiça, pelas bravuras ou pelos medos, pelas certezas que teve e pelas hesitações em que se enredou, enfim, pelo seu próprio carácter, o projecto de futuro foi fechando o ângulo à sua frente, reduziu-se. No fundo, apenas está mais bem focado no zoom, eliminou-se o esbatido do sonho para deixar ver melhor os contornos do possível.

Revoltamo-nos contra o filho que tem à sua frente um leque de sonhos menor do que aquele que julgávamos Ter-lhe proporcionado? Ná! Podemos rabujar e resmungar para dentro – mas que ele não oiça, para não se complexar... mas sacudimos logo a tristeza – e se o futuro é dele, só nos compete ajudá-lo, à distância.

E um dia reparamos que, afinal, o futuro não era só dele, era nosso também, que os passos que ele foi dando no seu futuro, nos transformaram a nós. Nós, os criadores, transformados pela cria! Damos por nós orgulhosos do que ele faz e é capaz, sinceramente orgulhosos do que ele faz e é capaz, esquecidos do que o julgávamos capaz de fazer. E nutrimo-nos desse seu projecto de futuro, emprestamos-lhe alma e alento, um empurrãozinho aqui, uma ajudazinha invisível acolá, assumindo-nos como heróis cada vez mais secretos do seu destino. Enquanto não renegar o essencial que lhe podemos exigir, o nosso filho merece tudo! Nunca deixamos de ser os militantes número um dos nossos filhos, porque será?

E se nos conformámos a aceitar que o nosso filho, a coisa mais feita das nossas próprias entranhas, se autodeterminasse, como não havíamos de o fazer a este nosso filho colectivo, fruto de muitos sonhos desencontrados, a que demos o nome de 25 de Abril?

Temos muitas saudades do que quiséssemos que fosse, que o mesmo é dizer apetece-nos saborear de novo os sonhos que sonhámos para ele. Mas estaremos lá, a pé firme, a seu lado, a ajudá-lo a dar o melhor rumo ao seu futuro. Rabujámos e resmungámos muita vez nestes últimos 25 anos, mas nem por um minuto perdemos a esperança nele, nem por um segundo o renegámos!

«Avante!» Nº 1326 - 29.Abril.1999

25 de Abril - 25 anos depois

Saudade ou projecto ? __________________________ 25 anos passaram sobre a madrugada libertadora do 25 de Abril, porta rasgada pelos capitães do Movimento das Forças Armadas, por onde irrompeu o Povo que se lhes aliou, num exaltante processo revolucionário. Dessas jornadas que transformaram profundamente o País resta hoje pouco mais do que as liberdades democráticas e direitos constantemente ameaçados pelos que mais tarde haveriam de tomar as rédeas do poder e impor uma política de direita, destruidora das conquistas fundamentais dos trabalhadores e do povo. Resta, porém, uma memória muito viva em todos os que, vindos da resistência ao fascismo ou aderindo a Abril nas primeiras horas, participaram nessas conquista e na sua defesa. E, já hoje, essa memória revive em muitos dos que, vindos depois, partilham os valores de Abril. Dessa memória se guarda certamente a saudade. Mais do que isso, certamente - continua vivo o projecto.

O "Avante!", a partir de hoje e nos próximos números, indagando junto de personalidades políticas, militares de Abril, sindicalistas, intelectuais, publica os seus depoimentos que confirmam uma esperança: Abril é uma saudade e é também um projecto por cumprir. Para cumprir. _____

Talvez outra coisa

Vítor Dias

Membro da Comissão Política do CC do PCP

A resposta "politicamente correcta" talvez pudesse ser algo do género "mas qual saudade, qual carapuça, projecto, muito projecto !". E, no entanto, atrevo-me a pensar que ora aqui está um dos muitos casos em que a escolha de um só termo deixa muito de fora e em que a realidade tem mais densidade do que a semântica.

É que, sobre a "saudade", apetece dizer que também ela não deslustra humanamente ninguém e, mais do que isso, se se aproximar do que poderíamos chamar a memória emocionada do que vivemos, aprendemos, construímos e crescemos com a revolução democrática, então é mesmo um valioso património individual e colectivo, essencial para hoje e amanhã.

É que, sobre o "projecto", tememos que a expressão indicie ou que está tudo por fazer ou que se trata de, pura e simplesmente, o retomar na sua configuração histórica original. Ora, o Programa do Partido caracteriza a revolução de Abril como "uma revolução inacabada" mas não adianta a ideia de que a grande tarefa próxima seria acabá-la. Antes formula o projecto de uma "democracia avançada no limiar do século XXI", em que entram como referências e valores essenciais todo o património global de Abril - seja na parte viva, seja na parte ameaçada, seja na parte perdida. O que nos conduz não a uma ideia de retomada ou recuperação de um projecto historicamente datado, mas de uma nova e adaptada apropriação e recriação dos seus grandes valores, causas e objectivos, à altura dos desafios do tempo que vivemos.

E, para este exigente empreendimento, é indispensável reter uma lição maior de Abril: a lição do valor imenso, contra alegadas inevitabilidades e impossibilidades, da confiança dos trabalhadores e dos cidadãos na eficácia da sua vontade e da sua luta.

Conquistas de Abril

permanecem um guia

Vasco Gonçalves

General. Foi Primeiro-Ministro do II ao V Governos Provisórios. Destacado dirigente do Movimento das Forças Armadas

O governo fascista-colonialista foi derrubado pelo Movimento das Forças Armadas mas, no próprio dia 25 de Abril de 1974, houve um espontâneo e vigoroso levantamento popular e nacional, em que se destacaram a classe operária, e os trabalhadores em geral, alguns estratos da pequena e da média burguesia urbanas, suas organizações sociais e políticas.

As massas populares, arruinadas pela vontade de transformarem as suas condições de vida, agora, que se podiam exprimir em liberdade, ao exigirem um empenhamento político e social mais alargado e profundo do que o inicialmente previsto pelo MFA, imprimiram uma dimensão revolucionária ao golpe militar.

É ao dar resposta às solicitações quotidianas, persistentes e legítimas, e ao sentir, ao pulsar do povo, que o MFA converge com as aspirações populares e surgem a aliança Povo-MFA e as conquistas democráticas de Abril.

Elas abriram perspectivas de progresso económico, de equidade, de justiça social, de uma política de desenvolvimento autocentrado e independente, a caminho de um socialismo de características basicamente nacionais, no contexto mundial da época.

Mas estas conquistas têm sido, em particular no domínio económico e social, destruídas na sua maior parte ou seriamente comprometidas pela política de direita e contra-revolucionária dos sucessivos governos constitucionais.

Contudo, 25 anos passados, o momento não é de saudade pelo que se conquistou e pelo que se tem perdido. Sem dúvida que será para sempre grata para nós, a memória, a evocação que, pode dizer-se, nos acompanha no dia a dia da nossa vida, daqueles momentos em que se via um povo política e socialmente empenhado, feliz nas ruas e nos campos do latifúndio, forjando com o MFA o seu próprio destino.

Mas o decorrer da vida da nossa sociedade vem mostrando, cada vez mais, que a política de dominação do poder económico sobre o poder político, a globalização neoliberal e, agora, a intervenção militar de Portugal na guerra injusta que os EUA e G7, a NATO, fazem contra a Jugoslávia e, ao fim e ao cabo, contra a Europa, só poderão ser revertidas a favor das mais largas camadas da nossa população, trilhando os caminhos que as portas de Abril abriram.

Por estas razões, não é com saudade mas com Abril no coração e consciente da justeza das suas conquistas, que estas continuam hoje, passados 25 anos, a ser um guia do projecto alternativo para o futuro de Portugal, nas condições concretas e objectivas da nossa situação e tendo em vista a luta por uma Europa dos povos, de Estados solidários e independentes e não dominada pelos EUA, seus aliados do G7 (EUA, Canadá, Japão, França, Alemanha, Itália e Inglaterra) e pelo grande capital transnacional.

Unidade democrática

Blasco Hugo Fernandes

Engenheiro Agrónomo. Presidente da «Intervenção Democrática»

N ão se exclui naturalmente alguma saudade. Da grande alegria e da unidade democrática dos portugueses que encheram as avenidas, as ruas e os caminhos de Portugal. Apoiando, reivindicando e contribuindo para transformar a acção militar de derrubamento da ditadura numa revolução. Para instaurar e aprofundar a democracia, usando as liberdades fundamentais conquistadas e devolvidas ao povo português pelos «Capitães de Abril».

Mas acima de tudo é um projecto para a permanente, progressiva e progressista transformação da sociedade, tornando-a mais justa, mais solidária e mais fraterna. Projecto com o ponto de partida do Programa do MFA, que desde logo definiu como objectivo o lançamento das bases de uma nova política económica e social, ao serviço particularmente das camadas mais desfavorecidas e em defesa dos interesses das classes trabalhadoras. Projecto no essencial consagrado na «Constituição de Abril» - a Constituição da República Portuguesa – apesar dos retrocessos que o seu texto original sofreu ao longo das diversas revisões. Projecto, enfim, cuja concretização, a partir da agora e no futuro imediato, se desenrola no quadro da quarta revisão constitucional (1997), que dá guarida à introdução de constantes aperfeiçoamentos, ao combate contra as injustiças e as exclusões sociais, à aplicação de medidas e a alterações estruturais indispensáveis ao progresso social e, por último, à configuração de políticas e de projectos alternativos para a sociedade portuguesa. Num processo tanto quanto possível inserido, e por isso reflexo, do movimento social, pela consciência da importância da sua participação nas decisões que dizem respeito ao presente e futuro do país. Tendo em conta que somos parte integrante da União Europeia e que, por essa razão, o projecto não pode deixar de incluir o esforço pela construção de uma Europa (comunitária) de coesão económica e social, de cooperação e co-desenvolvimento.

Projecto de futuro

Manuel Carvalho da Silva

Coordenador da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical NacionalCoordenador da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional

S audade não, razão de comemoração sim, projecto sempre.

Saudade não, porque o passado está presente.

Razão de comemoração porque, sendo memória de muitos anseios reprimidos, de muitos desejos gorados, de muitas canções caladas, de muitas palavras não ditas, das prisões e torturas, é, sobretudo, memória das cumplicidades amigas, das solidariedades expressas, das acções conjuntas que desaguaram no abraço fraterno de um povo que se reencontrou consigo e com a sua história, com, com a liberdade e com a dignidade, produzindo profundas mudanças políticas, económicas, sociais e culturais na nossa sociedade.

Mas é, sobretudo, projecto sempre renovado de um futuro mais justo, alicerçado nas esperanças daquelas lutas, nos sonhos das madrugadas sem sono.

Projecto sempre renovado de valorização do trabalho e dos trabalhadores e das suas organizações de classe - os sindicatos - enquanto forma contra-poder, veículos de instabilização das consciências e promotores da participação dos trabalhadores, a todos os níveis, e da sua transformação em sujeitos da própria acção na construção de uma sociedade melhor.

Projecto sempre renovado de fazer mais e melhor, na incansável tarefa de dar combate aos novos e velhos problemas: a injusta distribuição da riqueza, os baixos salários, o desemprego e a precarização laboral, os desumanos horários de trabalho, as pensões de miséria, os salários em atraso, o trabalho infantil.

Projecto sempre renovado para fortalecer a solidariedade entre os «incluídos» e os «excluídos» do sistema, entre os trabalhadores do activo e os reformados, entre os que têm trabalho certo e os precários, entre os jovens e os velhos, entre os empregados e os desempregados, entre os homens e as mulheres.

Projecto sempre renovado com a esperança, confiança e determinação da nossa luta por um mundo melhor, assente nos valores e princípios do 25 de Abril e na utopia, sempre necessária, do fim da exploração do homem pelo homem.

Projecto de um homem novo, de um tempo novo, de um mundo novo. 25 de Abril, projecto do futuro.

Continuar a luta !

João Torres

Coordenador da União dos Sindicatos do Porto e membro da Comissão Executiva da CGTP-IN

F oram tempos de grande participação. A revolução estava aí e era necessário alterar tudo. E já! Depois da mordaça de tantos anos não havia facilidades para nada nem para ninguém. O tempo não contava. As decisões eram tomadas em reuniões intermináveis! Alegria, entusiasmo e calor humano estavam presentes nas intervenções, nas manifestações, em tudo quanto se fazia em cada canto ou na rua deste país! Era preciso garantir transformações que acabassem com a velha ordem. O futuro estava já ali, ao virar da esquina, e era preciso estar presente. E estávamos.

Pode haver saudades desse tempo em que dum só golpe se queria construir uma sociedade de novo tipo, com novos alicerces, que a todos, sobretudo aos trabalhadores e aos mais desfavorecidos, trouxesse a felicidade a que se tem direito.

25 anos depois da Revolução, com os avanços e recuos verificados, o 25 de Abril continua a ser um projecto em que vale a pena gastar as nossas energias.

A divisão da riqueza que este povo produz retrocedeu para níveis anteriores a Abril de 74; apareceram novos grupos económicos e os velhos, sustentáculos do fascismo, reconstituíram-se graças à política privatizadora dos diversos governos de direita em que o PS se inclui; a globalização e a integração europeia, a par do enfeudamento ao grande capital nacional e transnacional, têm sido pretextos para a tentativa de o Estado alienar as funções sociais que a Revolução de Abril lhe atribuiu; a Segurança Social, conquista histórica dos mais desfavorecidos e dos trabalhadores, que é universal, solidária e redistributiva, querem transformar na esmola dos pobrezinhos, sujeita à gula dos novos/velhos vampiros da banca e das seguradoras; com os «números clausus» e os estabelecimentos privados querem que o ensino volte a ser exclusivo das elites; na saúde, há já muito que vendem a tese de «quem quer saúde, que a pague!».

O mundo do trabalho reflecte o tipo de sociedade para que nos querem empurrar. Não há democracia nas empresas; não há liberdade sindical; há pressões, perseguições e discriminações; os ritmos de trabalho são aceleradíssimos porque a competitividade assim manda; a globalização da economia e a deslocalização das empresas são ameaças permanentes; e o desemprego também; os direitos não contam porque o emprego já é um privilégio que é preciso preservar; os salários são miseráveis em muitos sectores de actividade; as novas tecnologias têm servido exclusivamente ao grande capital para aumentar os lucros e o exército de mão-de-obra disponível.

25 anos depois da Revolução dos Cravos, o governo do PS desfere um violento ataque aos trabalhadores com o Pacote Laboral de que destacamos pela negativa a intenção de reduzir o direito a férias, de reduzir salários com alterações dos conceitos de remuneração e de trabalho nocturno e de «repartir» o emprego através da introdução do trabalho a tempo parcial! Tudo isto à mistura com benefícios e mais benefícios para os patrões e duma intencional descapitalização da Segurança Social!

A maioria dos nossos reformados vivem situações de verdadeira pobreza, tal o nível das suas pensões de reforma; o desemprego é tratado por alguns como um fenómeno inevitável, mas conduz a sociedade portuguesa para a exclusão social crescente acompanhada de níveis de insegurança alarmantes; a toxicodependência e a prostituição, normalmente associadas ao tráfico de drogas, são chagas que não podem ser iludidas.

Com este cenário é preciso concretizar o projecto do 25 de Abril! Não foi para isto que a Revolução se fez!

Há que continuar a luta para transformar este país. É preciso prosseguir Abril, pôr fim à exploração do homem pelo homem, assumir a democracia e a liberdade participadas. É preciso garantir e alargar direitos.

O socialismo não é uma miragem. É preciso acreditar que é possível.

Um projecto

que não pode morrer

Alfredo Flores

Músico. Presidente da Federação Portuguesa das Colkectividades de Cultura e Recreio

Q uando naquela manhã de Abril, à porta da Gulbenkian, ouvi o polícia, que durante a noite tinha feito um «gratificado» na vigilância da sede daquela instituição, vociferar contra as movimentações militares desencadeadas nessa madrugada dizendo que isto devia ser alguma «revolução que se resolvia com o chanfalho», não podia suspeitar, sequer, das muitas e muitas portas que a partir de aí se haviam de abrir e das profundas transformações operadas em todos os sectores da vida portuguesa.

Como músico não posso deixar de recordar, com saudade, o frenesim revolucionário que animava a vida musical portuguesa. O momento em que os músicos das orquestras sinfónicas avançaram para as fábricas e para as colectividades de cultura e recreio tocando para trabalhadores que até então nunca tinham tido qualquer contacto, ao vivo, com esta importante área da cultura, mostrando aos operários e demais trabalhadores que as músicas ali tocadas, fossem elas de Mozart, Beethoven, Lopes Graça, Jorge Peixinho, etc., eram fruto do trabalho e do talento da sua laia, de gente oriunda das classes sociais laboriosas, que soube, por experiência vivida, o que era a miséria, de gente vítima dos mesmos exploradores que usurpavam a riqueza criada nos campos, nas fábricas, nas oficinas ou nas fainas da pesca.

Como associativista guardo na memória a autêntica explosão de colectividades que então se criaram e que foram engrossar o número daquelas que, durante a noite fascista, constituíram autênticas trincheiras de resistência, onde as manifestações de cultura popular eram, quase sempre, presenteadas com uma guarda de honra da Pide.

Espaço de liberdade, de cultura, de resistência; escola de democracia responsável pela formação de inúmeros quadros que foram desempenhar funções de grande responsabilidade nos sindicatos, nas auarquias, no poder central; parceiro activo e entusiasta nas acções de dinamização cultural levadas a cabo pela 5.ª Divisão do MFA, o Movimento Associativo de Raiz Popular contribuiu de forma significativa para a Aliança Povo/MFA.

Portanto, tenho saudades dos tempos em que ser português era motivo de orgulho redobrado. Como projecto norteado pelos valores humanistas que dignificam a condição humana, ele não pode morrer.

Um projecto que ainda não se concretizou

Abílio Dias Fernandes

Pesidente da Câmara Municipal de Évora

25 anos depois da Revolução do 25 de Abril ter libertado Portugal de um regime obsoleto e opressivo e modificado profundamente as estruturas da nação portuguesa, impõe-se uma reflexão profunda sobre o que foi feito neste quarto de século mas, sobretudo, sobre o que ficou por fazer.

E quando se homenageia a coragem dos jovens capitães de Abril, não podemos também esquecer o papel preponderante do PCP que, informado do que se passava, foi capaz de mobilizar rapidamente a população, cujo apoio foi imprescindível ao mais rápido desenlace do movimento iniciado pelo MFA.

Paralelamente a estas homenagens, as comemorações deste quarto de século de liberdade deverão constituir uma oportunidade para reafirmar os ideais que, durante a longa ditadura salazarista, alimentaram a luta dos democratas e do povo português.

Com efeito, este 25º aniversário corresponde ao ressurgimento de ameaças que têm que ser contidas a todo o custo: limitações dos direitos sociais conquistados, o acentuar de desigualdades, os recuos face a uma Europa que, cada vez mais, ameaça a nossa própria soberania, as operações de branqueamento de um ditador agora reconvertido em "anti-fascista", a desculpabilização crescente dos homens que, durante anos, torturaram – e mataram – quem se atrevesse a reclamar justiça.

Comemorar Abril é não deixar esquecer os milhares de mortos portugueses, africanos e timorenses e saudar o estabelecimento de um novo relacionamento com povos a quem nos ligam laços muito particulares e que se exprimem na mesma língua de Camões, Pessoa e Saramago.

A data que hoje celebramos marca o início de um processo onde muito ainda se encontra por cumprir.

O Portugal real ainda está demasiado longe do que pretendemos para ele: está ganha a liberdade, a conquista dos direitos cívicos, a dignificação das mulheres e dos idosos. Mas a solidariedade, a igualdade, a justiça ainda não se alargaram a todos os portugueses.

Mais do que nunca, há que lutar pelo aprofundamento da democracia, em todas as suas vertentes, pelo reforço do Poder Local, pela tolerância, pelo desenvolvimento.

O Alentejo continua esquecido, apesar de se ter transformado, neste momento, num lugar de passagem obrigatória de Ministros e Secretários de Estado, que visam ganhar votos com estas visitas-relâmpago, esquecendo que os alentejanos sempre souberam ser coerentes consigo próprios.

O 25 de Abril abriu as portas ao futuro e, para que ele se cumpra, há que ultrapassar os efeitos da aplicação, no nosso país, das doutrinas neo-liberais que, com a sua reconhecida incapacidade de resolver os problemas sociais, ameaçam os direitos conquistas em áreas tão importantes como a saúde, o ensino e a segurança social.

Para continuar Abril, há que lutar pela reposição dos valores de uma verdadeira política de esquerda. Se queremos continuar Abril, temos que dar esperança aos que a não têm, voz aos que estão silenciosos, e defender o fim da guerra, que ameaça de novo a Europa, lutando simultaneamente por uma solução pacífica para a questão de Timor.

Abril não foi.

Abril é !

Rui Godinho

Vereador do PCP e Presidente substituto da Câmara Municipal de Lisboa

P osta a questão: «25 de Abril, saudade ou projecto?», respondo desde já que saudade não, memória sim.

Há que ter a memória para, pedra a pedra, ir edificando o projecto do 25 de Abril, tanto o que cada um de nós tem dentro de si, como o que globalmente representa para o povo português.

No vai e vem da História, nos avanços e recuos dos muitos episódios do processo político, há aquisições que têm que ser irreversíveis: a liberdade, a democracia, a cidadania.

Mas, 25 anos passados, há ainda muito Abril por cumprir. É também por isso que é essencial ter memória e que ela não seja curta e, fundamentalmente, que não seja deturpada ou reescrita como alguns vão pretendendo fazer.

O 25 de Abril é, para mim, um projecto permanente, do dia a dia, um projecto em construção, desde aquela madrugada que mudou a vida de todos nós.

Exige um continuado esforço de cidadania, entendida como participação activa e informada das populações no presente e no futuro.

Implica, por isso, que se evolua de uma democracia representativa para uma democracia cada vez mais avançada, onde a intervenção dos cidadãos na resolução dos problemas locais, regionais e nacionais se faça de uma forma qualitativamente mais elevada, não se conformando, por isso, com o nível de representação institucional.

Determina que, a par do aprofundamento democrático, da resolução das carências e das distorções do desenvolvimento e da descolonização que falta cumprir (Timor), se inscrevam nas batalhas diárias, a luta pela falta de emprego, pelo direito ao trabalho e pela justiça social, pela correcção das assimetrias e desigualdades e o combate a todas as formas de exclusão.

Convoca-nos, a todos, para a rejeição da guerra e a construção da paz e para enfrentarmos os grandes desafios do futuro: a alternativa ao neoliberalismo e à globalização devastadores do respeito pela condição humana, para a defesa do ambiente e o estabelecimento dos caminhos do desenvolvimento sustentável.

Abril é, portanto, um projecto quotidianamente renovado, exigindo sempre novas respostas a velhos e novos problemas, quer local quer globalmente.

Repito: saudade, não memória atenta e projecto sempre. Em construção.

Momento mágico

Luiz Francisco Rebello

Dramaturgo. Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

E u direi: Saudade e projecto.

Saudade de um momento histórico a que apeteceria chamar mágico se não tivesse sido espantosamente real. De um tempo em que o sonho se tornou realidade e andava à solta pelas ruas de uma cidade (um país) enfim livres, fecundando o nosso quotidiano. Da esperança acendida nos nossos corações, transformada em mãos que construíam o futuro.

Saudade, sim. Mas não entendida como contemplação nostálgica do passado. Saudade como memória desse futuro antevisto, entrevisto, esboçado, adiado. Apenas adiado. Saudade portadora de um projecto incumprido, da esperança de o cumprir.

E, desta vez, na sua plenitude.

Por uma «Vila Morena»

César Príncipe

Jornalista do "Jornal de Notícias"

D igo-vos, camaradas, companheiros e amigos, que o 25 de Abril é o projecto da saudade. Da saudade porque há 25 anos estivemos mais perto do que nunca da transformação do ideal em real e da saudade porque desde tempos seculares e milenares que o Homem, que o melhor do Homem e os melhores da Humanidade têm lutado por mais justiça, por mais liberdade, por mais verdade. Digo-vos que o 25 de Abril perfez 25 anos e que o PCP perfez 78 anos. Digo-vos que estou no PCP porque é a força cívica que mais lealmente tem pugnado por um projecto democrático, projecto que não exclui nem dispensa a participação popular nem o alargamento da consciência às multidões. Digo-vos que comemorar o 25 de Abril é defender os seus valores estruturantes (constitucionais e sociais), é defender a voz oculta dos oprimidos e dos explorados. Digo-vos que ainda não se inventou na História outra saída senão o socialismo para a libertação dos desfavorecidos. Digo-vos que o 25 de Abril como projecto é a razão maior de ser cidadão e português, constantemente retomando as chaves que permitiram a introdução dos seus princípios nas muralhas dos novos bárbaros. O 25 de Abril, enquanto projecto, enquanto modelo de poder das maiorias (poder efectivo), mantém premente actualidade, já que a restauração do capitalismo, para além da repartição táctica de algumas esmolas, não conseguiu nem conseguirá instaurar uma comunidade fraterna e respeitadora do desenvolvimento integral.

Digo-vos que é mais do que urgente cerrar fileiras contra os cães de fila, que é mais do que imperioso denunciar todas as expressões de legitimação dos senhores da riqueza e da guerra. Digo-vos que apenas se assinalará correcta, condigna e convictamente o 25 de Abril sentindo saudade dos seus dias esplêndidos de povo nas ruas e de militares armados de flores. Digo-vos que o 25 de Abril precisa de reconquistar posições todos os meses, todos os dias. Todos os locais são postos de resistência e de comando. Todas as bocas são necessárias para levar e elevar os cânticos de Abril. Por isso, há que ter saudade, a fim de recuperarmos a energia e a chama. Por isso, há que manter inscritas na carta nacional de intenções as linhas programáticas da Revolução dos Cravos.

Assim vos digo, até amanhã, camaradas, companheiros e amigos. Sempre alguém engrossará a torrente dos protestos. Sempre alguém temperará o aço da vontade nos combates que dão carácter à vida e conforto à inteligência. O 25 de Abril, para mim, é a prescrição do indeclinável dever de não pactuar com os salteadores. É declarar presente nas circunstâncias adversas. É ser «homem sem sono» até ao derradeiro minuto, até que outros empunhem a mesma bandeira, até que Portugal se torne uma «Vila Morena».

Um fado por cantar

Carlos do Carmo

Cantor

E mbora fadista, a saudade não é o meu ponto forte.

25 de Abril de 1974, saudade? Só se for do futuro; porque nunca me recordo na minha existência de ter visto o meu Povo tão feliz. Acredito que um dia o voltará a ser.

25 de Abril de 1974, um projecto? Para aí já me inclino, pois não se sai de um atraso de décadas (sobretudo de mentalidades) e qual varinha mágica – aí tendes a pureza de Abril, toda concretizada como se Portugal fosse o único país no mundo...

A nossa Constituição de uma forma muito clara contempla cada cidadão nos seus direitos: à educação, à saúde, ao trabalho e à habitação – numa palavra – à dignidade. Vinte e cinco anos depois vivo com uma sensação que me inquieta: somos pobres com mentalidade de ricos (lá está a mentalidade) e a Constituição não se cumpre.

Naturalmente que já não existe uma polícia política, que prendeu arbitrariamente, humilhou, torturou e destruiu vidas. Também já não temos uns senhores que com os seus lápis de censores agrediam a inteligência a cada minuto.

Portanto democratizámos.

Quanto ao desenvolvimento, tenho a sensação que a governação destes anos tem navegado à vista, em contraste com os grandes navegadores da nossa história.

A descolonização, que na minha opinião foi, com todas as condicionantes e feridas que deixou, a possível na conjuntura universal da época, deixa-nos a todos tristes porque gostaríamos de ter visto os povos irmãos em paz e desenvolvimento. Mas África é outra estória. É muito sofrimento, muita felicidade adiada (quem sabe, daqui a cinquenta anos) e muita incompreensão para uma civilização que, infelizmente, não tem recebido o devido respeito.

Espero um dia morrer com saudade de um bom projecto realizado. Que grande fado. Maior para ser cantado, esse!

Volta, 25 de Abril !

Urbano Tavares Rodrigues

Escritor. Professor jubilado da Faculdade de Letras de Lisboa.

S e o 25 de Abril para mim é saudade? Decerto. A festa revolucionária, tão aberta, feliz e espontânea, tal como foi, não volta mais. Será diferente o triunfo do socialismo, quando se der, por entre os escombros do capitalismo global, talvez em horas muito amargas. E essa construção da democracia integral, sonho deste século não cumprido, provavelmente já não o viverei.

O 25 de Abril como projecto? Sim. Estão lá em germe todas as promessas que importa tornar em verdade prática: a da liberdade e a da fraternidade, a da efectiva, autêntica igualdade de direitos. A discussão na base, a vontade de cultura, primeiro degrau para a emancipação dos dominados, dos pobres, dos alienados, dos novos escravos que o neoliberalismo económico está criando por toda a parte, ao mesmo tempo que multiplica riquezas nas mão da hiper-burguesia que controla a finança e os media. É essa pirâmide social que o 25 de Abril terá de abater quando voltar.

Esperemos que não volte demasiado tarde. Porque as fontes da vida, da verdadeira vida, estão a querer secar, no coração dos homens e nas veias da natureza - florestas, toalhas de água, jazidas de petróleo... Falo do mundo, onde crescem o desemprego, a perda de regalias dos trabalhadores, e exclusão dos mais fracos e dos diferentes, paralelamente à agonia das espaços verdes, à uniformização das culturas nacionais, rtendidas à mediocridade de valores do impèrio norte-americano.

Vem, 25 de Abril!, vem outra vez, sob outra forma, mas ainda revolução sem sangue, chama acesa de dignidade, futuro em flor vermelha, tal como foste para nós e para quantos, da Europa e do Mundo, Abril conheceram.

O direito do 25 de Abril

a autodeterminar-se

Oscar Mascarenhas

Redactor principal do "Diário de Notícias", Presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas

D igam-me cá: um filho – é uma saudade ou um projecto de futuro?

Claro que é uma saudade, a saudade do que vimos nascer e crescer nas nossas mãos. Saudade do tempo em que o mundo tinha de se arredar, abrir alas, para deixar o nosso menino passar gatinhando, amarinhando, sujando até – que logo se limparia. Mas isso é, essencialmente, saudade de tudo o que sonhámos para ele. Tinha o horizonte do mundo completamente rasgado à sua frente. O seu projecto de futuro não tinha limites: no nosso sonho, para onde quer que apontasse, atingiria a felicidade e o sublime.

Temos, pois, saudade do imenso projecto de futuro que foi o nosso filho.

Depois, por condicionantes de fora e pelas suas próprias escolhas, pelo seu trabalho ou pela sua preguiça, pelas bravuras ou pelos medos, pelas certezas que teve e pelas hesitações em que se enredou, enfim, pelo seu próprio carácter, o projecto de futuro foi fechando o ângulo à sua frente, reduziu-se. No fundo, apenas está mais bem focado no zoom, eliminou-se o esbatido do sonho para deixar ver melhor os contornos do possível.

Revoltamo-nos contra o filho que tem à sua frente um leque de sonhos menor do que aquele que julgávamos Ter-lhe proporcionado? Ná! Podemos rabujar e resmungar para dentro – mas que ele não oiça, para não se complexar... mas sacudimos logo a tristeza – e se o futuro é dele, só nos compete ajudá-lo, à distância.

E um dia reparamos que, afinal, o futuro não era só dele, era nosso também, que os passos que ele foi dando no seu futuro, nos transformaram a nós. Nós, os criadores, transformados pela cria! Damos por nós orgulhosos do que ele faz e é capaz, sinceramente orgulhosos do que ele faz e é capaz, esquecidos do que o julgávamos capaz de fazer. E nutrimo-nos desse seu projecto de futuro, emprestamos-lhe alma e alento, um empurrãozinho aqui, uma ajudazinha invisível acolá, assumindo-nos como heróis cada vez mais secretos do seu destino. Enquanto não renegar o essencial que lhe podemos exigir, o nosso filho merece tudo! Nunca deixamos de ser os militantes número um dos nossos filhos, porque será?

E se nos conformámos a aceitar que o nosso filho, a coisa mais feita das nossas próprias entranhas, se autodeterminasse, como não havíamos de o fazer a este nosso filho colectivo, fruto de muitos sonhos desencontrados, a que demos o nome de 25 de Abril?

Temos muitas saudades do que quiséssemos que fosse, que o mesmo é dizer apetece-nos saborear de novo os sonhos que sonhámos para ele. Mas estaremos lá, a pé firme, a seu lado, a ajudá-lo a dar o melhor rumo ao seu futuro. Rabujámos e resmungámos muita vez nestes últimos 25 anos, mas nem por um minuto perdemos a esperança nele, nem por um segundo o renegámos!

«Avante!» Nº 1326 - 29.Abril.1999

marcar artigo