Da Literatura: QUAL CRISE?

29-09-2009
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O país está em crise? Falta dinheiro na casa de quatro quintos dos portugueses? Quem diria!? Sobretudos de caxemira, vendidos a quatro mil euros e picos cada, esgotaram nas três lojas de Lisboa que os importam. Telemóveis a mil e quinhentos euros (como o Nokia 8800 Sirocco Gold e modelos de nível idêntico) também desapareceram. E os de trinta mil euros não desapareceram porque nenhum vendedor os manda vir: afinal, quem pode comprar esse tipo de gadget mete-se no avião e vai a Londres abastecer-se. Ontem, à minha frente, uma “senhora” pediu vinte caixinhas (cem gramas: 410 euros cada) de caviar Beluga. O supermercado já só tinha dezasseis, das duzentas que recebera a semana passada, estando quatro reservadas para um cliente que telefonara de Torres Vedras e vinha por aí abaixo de carro. Inconformada, a referida “senhora” levou as doze que sobravam, manifestando de forma ruidosa o seu desagrado pelo «atraso de vida desta choldra». Amigos com filhos pequenos têm feito sentir a dificuldade em comprar determinados brinquedos (engenhocas na casa das centenas de euros) esgotados desde Outubro. Nas garrafeiras mais exclusivas ainda se encontram vinhos de mesa a cem euros a garrafa, mas daí para cima está tudo muito escolhido, e o segmento dos 25-35 euros, i.e., middle-class, entrou em ruptura. Corri Seca & Meca para me abastecer de Gouvyas 2001 (o de 2004 encontra-se com relativa facilidade), um dos meus tintos preferidos, vendido a preços de extorsão nos restaurantes, mas que em loja sai a 24 euros a unidade. Arranjar mesa em certos restaurantes impõe tráfico de influências, e desde hoje de manhã que a Versailles é um corropio do tout Lisbonne para o melhor Bolo Rei da cidade. E também nenhum operador consegue um bilhete de avião para lado nenhum, salvo em executiva ou primeira classe. Para não falar das empresas municipais que oferecem cabazes gourmet às dezenas. Portanto, era bom que alguém nos explicasse de que é que falamos quando falamos de crise.Etiquetas: Lisboa, Sociedade

O país está em crise? Falta dinheiro na casa de quatro quintos dos portugueses? Quem diria!? Sobretudos de caxemira, vendidos a quatro mil euros e picos cada, esgotaram nas três lojas de Lisboa que os importam. Telemóveis a mil e quinhentos euros (como o Nokia 8800 Sirocco Gold e modelos de nível idêntico) também desapareceram. E os de trinta mil euros não desapareceram porque nenhum vendedor os manda vir: afinal, quem pode comprar esse tipo de gadget mete-se no avião e vai a Londres abastecer-se. Ontem, à minha frente, uma “senhora” pediu vinte caixinhas (cem gramas: 410 euros cada) de caviar Beluga. O supermercado já só tinha dezasseis, das duzentas que recebera a semana passada, estando quatro reservadas para um cliente que telefonara de Torres Vedras e vinha por aí abaixo de carro. Inconformada, a referida “senhora” levou as doze que sobravam, manifestando de forma ruidosa o seu desagrado pelo «atraso de vida desta choldra». Amigos com filhos pequenos têm feito sentir a dificuldade em comprar determinados brinquedos (engenhocas na casa das centenas de euros) esgotados desde Outubro. Nas garrafeiras mais exclusivas ainda se encontram vinhos de mesa a cem euros a garrafa, mas daí para cima está tudo muito escolhido, e o segmento dos 25-35 euros, i.e., middle-class, entrou em ruptura. Corri Seca & Meca para me abastecer de Gouvyas 2001 (o de 2004 encontra-se com relativa facilidade), um dos meus tintos preferidos, vendido a preços de extorsão nos restaurantes, mas que em loja sai a 24 euros a unidade. Arranjar mesa em certos restaurantes impõe tráfico de influências, e desde hoje de manhã que a Versailles é um corropio do tout Lisbonne para o melhor Bolo Rei da cidade. E também nenhum operador consegue um bilhete de avião para lado nenhum, salvo em executiva ou primeira classe. Para não falar das empresas municipais que oferecem cabazes gourmet às dezenas. Portanto, era bom que alguém nos explicasse de que é que falamos quando falamos de crise.Etiquetas: Lisboa, Sociedade

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