Estoril-Sol só precisava do “visto’’ de Telmo Correia

15-02-2008
marcar artigo

Sociedade

Estoril-Sol só precisava do “visto’’ de Telmo Correia

Cinco dias após a publicação da nova Lei do Jogo, empresa reclamou posse do Casino FOTO JOÃO CARLOS SANTOS Era só o “visto”. A Estoril-Sol só precisava do “tomei conhecimento” de Telmo Correia no parecer da Inspecção Geral de Jogos (IGJ) que atribuiu à empresa a propriedade do Casino de Lisboa. É que, apesar de ter adquirido o imóvel, este reverteria para o Estado no final da concessão. Logo, a empresa não poderia indicá-lo à banca como garantia. Só que, antes da Estoril-Sol reclamar a sua propriedade, foi publicada uma alteração à Lei do Jogo, da iniciativa do ex-ministro do Turismo, que inverteu o modelo da reversibilidade: o que antes era reversível, deixou de ser como regra geral. Era só o “visto”. A Estoril-Sol só precisava do “tomei conhecimento” de Telmo Correia no parecer da Inspecção Geral de Jogos (IGJ) que atribuiu à empresa a propriedade do Casino de Lisboa. É que, apesar de ter adquirido o imóvel, este reverteria para o Estado no final da concessão. Logo, a empresa não poderia indicá-lo à banca como garantia. Só que, antes da Estoril-Sol reclamar a sua propriedade, foi publicada uma alteração à Lei do Jogo, da iniciativa do ex-ministro do Turismo, que inverteu o modelo da reversibilidade: o que antes era reversível, deixou de ser como regra geral. Neste diploma (Decreto-lei 40/2005, de 17 de Fevereiro), aprovado pelo Governo de Santana Lopes (então apenas em gestão), e promulgado por Jorge Sampaio, ficou consagrado que as alterações se aplicavam a todos os contratos de concessão em vigor. O que assentou como uma luva ao Casino de Lisboa. Após a notícia avançada pelo Expresso na passada semana, Telmo Correia desdobrou-se em alegados desmentidos sobre a validade do seu “tomei conhecimento” colocado no parecer da IGJ. No entanto, nas escutas telefónicas que constam do processo Portucale, actualmente em fase de instrução, o ex-dirigente do CDS/PP Abel Pinheiro é explícito: numa conversa com Paulo Portas (a 7 de Março de 2005), Pinheiro explicou ao líder do CDS/PP que Telmo Correia não precisava de concordar, bastava colocar o visto. Antes, Mário Assis Ferreira, administrador da Estoril-Sol, tinha feito saber a Abel Pinheiro que faltava a assinatura no parecer. A mesma explicação foi dada por Abel Pinheiro a Luís Nobre Guedes. O principal arguido do processo Portucale disse ao telefone que Telmo Correia não teria de concordar ou discordar. Era só o visto. O CDS/PP fez chegar ao Expresso várias indicações de acórdãos dos tribunais sobre o valor jurídico de um “visto”. O Governo de Santana, que já se encontrava em gestão, aprovou uma alteração à Lei do Jogo. Telmo Correia, em declarações ao Ministério Público no processo Portucale, admitiu que impulsionou a alteração: “O facto de ter patrocinado aquela regulamentação ficou a dever-se apenas ao facto de concordar com ela e de não poder ignorar a circunstância de grande parte das verbas de que dispõe o Ministério do Turismo provirem da actividade dos casinos”. Esta “nova” Lei do Jogo trouxe como novidade uma alteração ao artigo 27 que regulava a questão da reversibilidade, alterando o até então paradigma legal. Numa escuta telefónica, Abel Pinheiro afirma que o mais importante era o decreto. Dizendo que para o mesmo ser executável era preciso um parecer da Inspecção de Jogos. O Decreto-lei foi publicado a 17 de Fevereiro de 2005. Cinco dias depois, a Estoril-Sol enviou um requerimento à Inspecção de Jogos, reclamando a propriedade do Casino de Lisboa. Ora, numa conversa interceptada pela PJ, Mário Assis Ferreira, administrador da Estoril-Sol, diz a Abel Pinheiro que tinha combinado com Telmo Correia este procedimento. Ao Expresso, Telmo garantiu que nunca foi pressionado, Assis Ferreira declarou que tem por hábito não falar com amigos que ocupam cargos no Governo. No requerimento da Estoril-Sol, a que o Expresso teve acesso, é dito que, por motivos de financiamento, a empresa precisa de constituir uma hipoteca sobre o edifício. Mas, perante a anterior lei, os bancos tinham dúvidas sobre se o prédio era ou não do Estado. A defesa da empresa assentou no decreto-lei recém-promulgado. Lê-se no ponto 10: “Porém, tendo em conta as alterações introduzidas pelo Decreto-lei 40/2005, já em vigor, (...) não restam dúvidas que, nada dispondo o Decreto-lei 15/2003” sobre a questão da reversibilidade, “o edifício do Casino de Lisboa e o parque de estacionamento constituem bens não reversíveis para o Estado”. No mesmo dia, 22 de Fevereiro de 2005, o então inspector geral, Joaquim Caldeira, responde ao parecer, concordando com a tese da Estoril-Sol. Argumento: na nova Lei do Jogo existe um artigo que refere que as alterações à anterior “aplicam-se a todos os contratos de concessão em vigor”. Pedro Gonçalves, especialista em Direito Administrativos, a quem o Expresso pediu para analisar os documentos, questiona: “A interpretação da IGJ afigura-se, pelo menos, muito controversa. Não parece que uma norma que altera, para o seu oposto, o sentido de uma regra legal geral possa aplicar-se a contratos celebrados antes da sua entrada em vigor”. Este também é a opinião de João Pacheco de Amorim, especialista em Direito Administrativo, que também estudou os documentos a pedido do Expresso: “A interpretação homologada pelo Ministro Turismo de então é absurda, quanto mais não seja na medida em que constitui um favorecimento a posteriori do candidato que ganhou o concurso (da Estoril-Sol, actual concessionária) com um benefício não previsto nas condições iniciais da concessão”. Nas escutas do processo, Pinheiro diz que o decreto lei só foi aprovado após pressões junto do ex-Presidente, Jorge Sampaio. Fernando Marques da Costa, antigo assessor de Sampaio, negou ter feito qualquer pressão. “O diploma não mereceu dúvidas ao Presidente”, adiantou. Para a PJ existem “fortes indícios criminais” no processo do Casino de Lisboa. A Procuradoria afirmou que está a analisar a situação. O Turismo de Portugal está a ponderar pedir um parecer ao Conselho Consultivo da PGR.

Carlos Rodrigues Lima

CONVERSAS DE CASINO

4 de Março de 2005 - Mário Assis Ferreira diz a Abel Pinheiro que, após a publicação do Decreto-Lei 40/2005, ainda era preciso fazer mais uma coisa: uma assinatura de Telmo Correia num parecer da Inspecção de Jogos. O administrador da Estoril-Sol afirma que tinha combinado com Telmo Correia enviar o requerimento, assim como declara ter conseguido que o Inspector de Jogos, Joaquim Caldeira, fizesse outro parecer com a mesma data e o mesmo número de ofício. 7 de Março de 2005 - Abel Pinheiro diz a Nobre Guedes que Telmo Correia não precisava de concordar ou discordar do parecer. Bastava o visto. Abel Pinheiro diz claramente que o mais importante era o decreto. 7 de Março - Paulo Portas disse a Abel Pinheiro que vai contactar Telmo por causa do vistoTelmo. Abel Pinheiro explicou a Portas que para o Decreto-lei ser executado era preciso uma exposição do inspector de Jogos. Mais uma vez, Pinheiro afirma que Telmo Correia não tem que concordar. Era só escrever visto. 8 de Março de 2005 - Nobre Guedes perguntou a Abel Pinheiro se este já tinha conseguido a assinatura do Telmo. 11 de Março - Nuno Pinheiro, assessor de Telmo, informa Abel Pinheiro que o ministro tinha assinado o parecer. Abel informou Assis Ferreira. 14 de Março de 2005 - Paulo Portas diz a Abel Pinheiro que Telmo tinha assinado aquilo.

ESCUTAS

Protagonistas recusam publicação das conversas O novo Código do Processo Penal estabelece que os jornais só podem transcrever o conteúdo de escutas telefónicas que não se encontrem em segredo de justiça e com autorização expressa dos visados. O Expresso solicitou autorização a todos os intervenientes nas escutas (porque já não há segredo de justiça) para a transcrição. Abel Pinheiro, Luís Nobre Guedes, Mário Assis Ferreira e Paulo Portas recusaram dar autorização. José António Barreiros, advogado de Abel Pinheiro, declarou que a defesa “relegou para a fase de julgamento a selecção das escutas que entende melhor traduzirem a sua intervenção neste caso”.

Sociedade

Estoril-Sol só precisava do “visto’’ de Telmo Correia

Cinco dias após a publicação da nova Lei do Jogo, empresa reclamou posse do Casino FOTO JOÃO CARLOS SANTOS Era só o “visto”. A Estoril-Sol só precisava do “tomei conhecimento” de Telmo Correia no parecer da Inspecção Geral de Jogos (IGJ) que atribuiu à empresa a propriedade do Casino de Lisboa. É que, apesar de ter adquirido o imóvel, este reverteria para o Estado no final da concessão. Logo, a empresa não poderia indicá-lo à banca como garantia. Só que, antes da Estoril-Sol reclamar a sua propriedade, foi publicada uma alteração à Lei do Jogo, da iniciativa do ex-ministro do Turismo, que inverteu o modelo da reversibilidade: o que antes era reversível, deixou de ser como regra geral. Era só o “visto”. A Estoril-Sol só precisava do “tomei conhecimento” de Telmo Correia no parecer da Inspecção Geral de Jogos (IGJ) que atribuiu à empresa a propriedade do Casino de Lisboa. É que, apesar de ter adquirido o imóvel, este reverteria para o Estado no final da concessão. Logo, a empresa não poderia indicá-lo à banca como garantia. Só que, antes da Estoril-Sol reclamar a sua propriedade, foi publicada uma alteração à Lei do Jogo, da iniciativa do ex-ministro do Turismo, que inverteu o modelo da reversibilidade: o que antes era reversível, deixou de ser como regra geral. Neste diploma (Decreto-lei 40/2005, de 17 de Fevereiro), aprovado pelo Governo de Santana Lopes (então apenas em gestão), e promulgado por Jorge Sampaio, ficou consagrado que as alterações se aplicavam a todos os contratos de concessão em vigor. O que assentou como uma luva ao Casino de Lisboa. Após a notícia avançada pelo Expresso na passada semana, Telmo Correia desdobrou-se em alegados desmentidos sobre a validade do seu “tomei conhecimento” colocado no parecer da IGJ. No entanto, nas escutas telefónicas que constam do processo Portucale, actualmente em fase de instrução, o ex-dirigente do CDS/PP Abel Pinheiro é explícito: numa conversa com Paulo Portas (a 7 de Março de 2005), Pinheiro explicou ao líder do CDS/PP que Telmo Correia não precisava de concordar, bastava colocar o visto. Antes, Mário Assis Ferreira, administrador da Estoril-Sol, tinha feito saber a Abel Pinheiro que faltava a assinatura no parecer. A mesma explicação foi dada por Abel Pinheiro a Luís Nobre Guedes. O principal arguido do processo Portucale disse ao telefone que Telmo Correia não teria de concordar ou discordar. Era só o visto. O CDS/PP fez chegar ao Expresso várias indicações de acórdãos dos tribunais sobre o valor jurídico de um “visto”. O Governo de Santana, que já se encontrava em gestão, aprovou uma alteração à Lei do Jogo. Telmo Correia, em declarações ao Ministério Público no processo Portucale, admitiu que impulsionou a alteração: “O facto de ter patrocinado aquela regulamentação ficou a dever-se apenas ao facto de concordar com ela e de não poder ignorar a circunstância de grande parte das verbas de que dispõe o Ministério do Turismo provirem da actividade dos casinos”. Esta “nova” Lei do Jogo trouxe como novidade uma alteração ao artigo 27 que regulava a questão da reversibilidade, alterando o até então paradigma legal. Numa escuta telefónica, Abel Pinheiro afirma que o mais importante era o decreto. Dizendo que para o mesmo ser executável era preciso um parecer da Inspecção de Jogos. O Decreto-lei foi publicado a 17 de Fevereiro de 2005. Cinco dias depois, a Estoril-Sol enviou um requerimento à Inspecção de Jogos, reclamando a propriedade do Casino de Lisboa. Ora, numa conversa interceptada pela PJ, Mário Assis Ferreira, administrador da Estoril-Sol, diz a Abel Pinheiro que tinha combinado com Telmo Correia este procedimento. Ao Expresso, Telmo garantiu que nunca foi pressionado, Assis Ferreira declarou que tem por hábito não falar com amigos que ocupam cargos no Governo. No requerimento da Estoril-Sol, a que o Expresso teve acesso, é dito que, por motivos de financiamento, a empresa precisa de constituir uma hipoteca sobre o edifício. Mas, perante a anterior lei, os bancos tinham dúvidas sobre se o prédio era ou não do Estado. A defesa da empresa assentou no decreto-lei recém-promulgado. Lê-se no ponto 10: “Porém, tendo em conta as alterações introduzidas pelo Decreto-lei 40/2005, já em vigor, (...) não restam dúvidas que, nada dispondo o Decreto-lei 15/2003” sobre a questão da reversibilidade, “o edifício do Casino de Lisboa e o parque de estacionamento constituem bens não reversíveis para o Estado”. No mesmo dia, 22 de Fevereiro de 2005, o então inspector geral, Joaquim Caldeira, responde ao parecer, concordando com a tese da Estoril-Sol. Argumento: na nova Lei do Jogo existe um artigo que refere que as alterações à anterior “aplicam-se a todos os contratos de concessão em vigor”. Pedro Gonçalves, especialista em Direito Administrativos, a quem o Expresso pediu para analisar os documentos, questiona: “A interpretação da IGJ afigura-se, pelo menos, muito controversa. Não parece que uma norma que altera, para o seu oposto, o sentido de uma regra legal geral possa aplicar-se a contratos celebrados antes da sua entrada em vigor”. Este também é a opinião de João Pacheco de Amorim, especialista em Direito Administrativo, que também estudou os documentos a pedido do Expresso: “A interpretação homologada pelo Ministro Turismo de então é absurda, quanto mais não seja na medida em que constitui um favorecimento a posteriori do candidato que ganhou o concurso (da Estoril-Sol, actual concessionária) com um benefício não previsto nas condições iniciais da concessão”. Nas escutas do processo, Pinheiro diz que o decreto lei só foi aprovado após pressões junto do ex-Presidente, Jorge Sampaio. Fernando Marques da Costa, antigo assessor de Sampaio, negou ter feito qualquer pressão. “O diploma não mereceu dúvidas ao Presidente”, adiantou. Para a PJ existem “fortes indícios criminais” no processo do Casino de Lisboa. A Procuradoria afirmou que está a analisar a situação. O Turismo de Portugal está a ponderar pedir um parecer ao Conselho Consultivo da PGR.

Carlos Rodrigues Lima

CONVERSAS DE CASINO

4 de Março de 2005 - Mário Assis Ferreira diz a Abel Pinheiro que, após a publicação do Decreto-Lei 40/2005, ainda era preciso fazer mais uma coisa: uma assinatura de Telmo Correia num parecer da Inspecção de Jogos. O administrador da Estoril-Sol afirma que tinha combinado com Telmo Correia enviar o requerimento, assim como declara ter conseguido que o Inspector de Jogos, Joaquim Caldeira, fizesse outro parecer com a mesma data e o mesmo número de ofício. 7 de Março de 2005 - Abel Pinheiro diz a Nobre Guedes que Telmo Correia não precisava de concordar ou discordar do parecer. Bastava o visto. Abel Pinheiro diz claramente que o mais importante era o decreto. 7 de Março - Paulo Portas disse a Abel Pinheiro que vai contactar Telmo por causa do vistoTelmo. Abel Pinheiro explicou a Portas que para o Decreto-lei ser executado era preciso uma exposição do inspector de Jogos. Mais uma vez, Pinheiro afirma que Telmo Correia não tem que concordar. Era só escrever visto. 8 de Março de 2005 - Nobre Guedes perguntou a Abel Pinheiro se este já tinha conseguido a assinatura do Telmo. 11 de Março - Nuno Pinheiro, assessor de Telmo, informa Abel Pinheiro que o ministro tinha assinado o parecer. Abel informou Assis Ferreira. 14 de Março de 2005 - Paulo Portas diz a Abel Pinheiro que Telmo tinha assinado aquilo.

ESCUTAS

Protagonistas recusam publicação das conversas O novo Código do Processo Penal estabelece que os jornais só podem transcrever o conteúdo de escutas telefónicas que não se encontrem em segredo de justiça e com autorização expressa dos visados. O Expresso solicitou autorização a todos os intervenientes nas escutas (porque já não há segredo de justiça) para a transcrição. Abel Pinheiro, Luís Nobre Guedes, Mário Assis Ferreira e Paulo Portas recusaram dar autorização. José António Barreiros, advogado de Abel Pinheiro, declarou que a defesa “relegou para a fase de julgamento a selecção das escutas que entende melhor traduzirem a sua intervenção neste caso”.

marcar artigo