O ELEITO: O Absoluto E O Relativo

20-05-2009
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Américo de Sousa lança, no seu post «Dúvidas Democráticas», uma questão interessante para o debate: a da intolerância face aos adversários da democracia, primeira das condições que Dahrendorf enuncia como necessárias à manutenção de um regime democrático. Embora não seja politólogo, gostaria de oferecer à epifania a minha opinião acerca das três questões propostas: [1] Não estará uma tal condição - cuja operacionalidade não se nega - em contradição com a própria natureza tolerante e consensual da democracia? [2] Pode um democrata admitir ao diálogo apenas os que pensam como ele? [3] Se a própria Constituição é revisível e contestável, que sentido faz proibir, à partida, uma crítica ou um ataque à democracia?Penso que a resposta passará por não considerar a natureza tolerante e consensual da democracia como um valor ou dado absoluto. Fazendo um paralelismo com o direito à vida: este direito será, sem dúvida, o mais forte - é dotado de uma força quase sagrada, diria - de todos os direitos constitucionalmente protegidos. Todavia, nem mesmo o direito à vida é um direito absoluto: pense-se na legítima defesa. Nesta, o agente passa de agressor a agredido. Esta última agressão - ainda que se trate de uma agressão à própria vida -, sob determinados pressupostos, é lícita. Porque não há direitos nem valores absolutos. Noutra óptica: por que não é permitido o sequestro, dada a natureza democrática e tolerante das sociedades democráticas hodiernas? Lá está. Não é permitido porque obnubila, afasta, agride a liberdade do outro. Mas, à partida, faria todo o sentido que houvesse tolerância também para com os sequestradores. Só que, uma vez mais, não há direitos nem valores absolutos.Mas, pergunta-se com legitimidade: por que é que não há direitos nem valores absolutos? Porque os direitos não existem isolados, estão presos a um nexo numa complexa cortina de fios que os une e entrelaça. Relacionam-se e é isso que lhes dá sentido.Um democrata pode e deve admitir ao diálogo não só os que pensam como ele, mas também os que pensam de forma diversa. Uma máxima a adoptar, a meu ver, é que todos, sem excepção, devem ser chamados ao debate. Tal é permitido pela nossa democracia (recorde-se as manifestações de extrema-direita que recentemente ocorreram no nosso país), que admite a liberdade de expressão (mais um direito ou valor não absoluto), e o direito de reunião e manifestação pública e pacífica. O que a nossa democracia não permite, e bem, é a constituição de organizações racistas ou que perfilhem ideologia fascista, porquanto pretendem excluir outros do debate. Assim como qualquer pessoa que, dialogando, injuria ou difama outra, é passível de responder criminalmente por tal abuso de liberdade, qualquer organização fascista/racista - porque nega valores como o da igualdade, pluralismo de expressão, respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, et caetera - é passível de ver-se declarada extinta. É que tais valores colidem com o outro, anulando-o, coarctando-o, de alguma forma, na sua liberdade e autodeterminação. Retomemos o exemplo do sequestrador: é perfeitamente legítimo e legal, cabendo na sua liberdade de expressão, o sequestrador vir defender, em praça pública, o direito ao sequestro. O único comportamento que lhe é vedado é o de sequestrar quem não se quer ver limitado na sua liberdade.Por último, o argumento de que, sendo a Constituição revisível e contestável, não faz sentido proibir, à partida, uma crítica ou um ataque à democracia, não procede. Antes do mais, uma crítica à democracia é perfeitamente possível, como penso que ficou demonstrado. Só o ataque não é permitido. Pensado até ao fim, o argumento de que o ataque à democracia não deveria ser proibido, uma vez que a Constituição é revisível e contestável, teria de ser levado às últimas consequências: não faria sentido também, assim, proibir o homicídio (dado que o direito à vida pode ser contestável, especialmente pelos homicidas), proibir a injúria, o branqueamento de capitais, a burla, a ofensa à integridade física, o peculato, o abuso sexual de menores, o sequestro, a corrupção. Porque todas as leis são revisíveis e contestáveis e não faria sentido, à partida, proibir estes comportamentos.

Américo de Sousa lança, no seu post «Dúvidas Democráticas», uma questão interessante para o debate: a da intolerância face aos adversários da democracia, primeira das condições que Dahrendorf enuncia como necessárias à manutenção de um regime democrático. Embora não seja politólogo, gostaria de oferecer à epifania a minha opinião acerca das três questões propostas: [1] Não estará uma tal condição - cuja operacionalidade não se nega - em contradição com a própria natureza tolerante e consensual da democracia? [2] Pode um democrata admitir ao diálogo apenas os que pensam como ele? [3] Se a própria Constituição é revisível e contestável, que sentido faz proibir, à partida, uma crítica ou um ataque à democracia?Penso que a resposta passará por não considerar a natureza tolerante e consensual da democracia como um valor ou dado absoluto. Fazendo um paralelismo com o direito à vida: este direito será, sem dúvida, o mais forte - é dotado de uma força quase sagrada, diria - de todos os direitos constitucionalmente protegidos. Todavia, nem mesmo o direito à vida é um direito absoluto: pense-se na legítima defesa. Nesta, o agente passa de agressor a agredido. Esta última agressão - ainda que se trate de uma agressão à própria vida -, sob determinados pressupostos, é lícita. Porque não há direitos nem valores absolutos. Noutra óptica: por que não é permitido o sequestro, dada a natureza democrática e tolerante das sociedades democráticas hodiernas? Lá está. Não é permitido porque obnubila, afasta, agride a liberdade do outro. Mas, à partida, faria todo o sentido que houvesse tolerância também para com os sequestradores. Só que, uma vez mais, não há direitos nem valores absolutos.Mas, pergunta-se com legitimidade: por que é que não há direitos nem valores absolutos? Porque os direitos não existem isolados, estão presos a um nexo numa complexa cortina de fios que os une e entrelaça. Relacionam-se e é isso que lhes dá sentido.Um democrata pode e deve admitir ao diálogo não só os que pensam como ele, mas também os que pensam de forma diversa. Uma máxima a adoptar, a meu ver, é que todos, sem excepção, devem ser chamados ao debate. Tal é permitido pela nossa democracia (recorde-se as manifestações de extrema-direita que recentemente ocorreram no nosso país), que admite a liberdade de expressão (mais um direito ou valor não absoluto), e o direito de reunião e manifestação pública e pacífica. O que a nossa democracia não permite, e bem, é a constituição de organizações racistas ou que perfilhem ideologia fascista, porquanto pretendem excluir outros do debate. Assim como qualquer pessoa que, dialogando, injuria ou difama outra, é passível de responder criminalmente por tal abuso de liberdade, qualquer organização fascista/racista - porque nega valores como o da igualdade, pluralismo de expressão, respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, et caetera - é passível de ver-se declarada extinta. É que tais valores colidem com o outro, anulando-o, coarctando-o, de alguma forma, na sua liberdade e autodeterminação. Retomemos o exemplo do sequestrador: é perfeitamente legítimo e legal, cabendo na sua liberdade de expressão, o sequestrador vir defender, em praça pública, o direito ao sequestro. O único comportamento que lhe é vedado é o de sequestrar quem não se quer ver limitado na sua liberdade.Por último, o argumento de que, sendo a Constituição revisível e contestável, não faz sentido proibir, à partida, uma crítica ou um ataque à democracia, não procede. Antes do mais, uma crítica à democracia é perfeitamente possível, como penso que ficou demonstrado. Só o ataque não é permitido. Pensado até ao fim, o argumento de que o ataque à democracia não deveria ser proibido, uma vez que a Constituição é revisível e contestável, teria de ser levado às últimas consequências: não faria sentido também, assim, proibir o homicídio (dado que o direito à vida pode ser contestável, especialmente pelos homicidas), proibir a injúria, o branqueamento de capitais, a burla, a ofensa à integridade física, o peculato, o abuso sexual de menores, o sequestro, a corrupção. Porque todas as leis são revisíveis e contestáveis e não faria sentido, à partida, proibir estes comportamentos.

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