Grande Loja do Queijo Limiano

21-05-2009
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(revista Flama de 7.6.1974)

( 2ª parte do texto Memórias inventadas)

Em Portugal, nos tempos que se seguiram ao 25 de Abril, poucos se perguntaram , seriamente, com impacto na opinião geral e nessa altura, qual o significado exacto da expressão “regime democrático”, para o Partido Comunista Português, para o Partido Socialista e, já agora e então, para os restantes partidos. “Regime democrático”, “democracia” e “liberdades democráticas”, são expressões de significado aparentemente inequívoco. Mas pergunte-se ao PCP, ainda hoje, o seu verdadeiro significado e que consta do seu programa e ver-se-á a polissemia em estado latente!

Talvez por causa destas subtilezas semânticas, aligeiradas na consciência do “nosso povo”, não houve problema de maior, em fazer aprovar maioritária e constitucionalmente, o propósito em fazer caminhar Portugal, para uma sociedade sem classes e com o poder a exercer-se democraticamente, pelas classes trabalhadoras. Ninguém logrou opor-se, com êxito, ao preâmbulo da Constituição de 1976 onde se fixa logo no primeiro parágrafo que “A 25 de Abril

de 1974, o MFA, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista”. E a mudança de paradigma, demorou anos, discussões infindas e compromissos vários, para conseguir impor-se como lei geral do país!

Esta linguagem altamente comprometida com o discurso habitual da esquerda comunista e socialista, pré-gaveta e até pós-gaveta, perdura por isso, em Portugal, há mais de trinta anos. É uma linguagem intelectualmente rigorosa? Não faltará quem o diga. É correcta? Politicamente, até parece correctíssima. E será condizente com a explicação da realidade? Os historiadores e sociólogos que o digam.

A verdade, porém, segundo o que me parece, é que nem sempre foi assim e só assim passou a ser, após o sequestro ideológico, pela esquerda militante dos amanhãs a cantar e do socialismo, mesmo democrático, de uma retórica ideológica bem marcada e identificada e que se tornou um monopólio de referências.

Assim, conviria talvez investigar o discurso corrente, de algumas figuras importantes, logo nos tempos imediatos após a eclosão do movimento militar em 25 de Abril de 1974.

, um dos celebrados baladeiros e cantor autor dee que nunca renegou a sua apegada estima a uma revolução popular de carácter ultra comunista, para dizer assim, deu uma entrevista notável à revista, em 7 de Junho de 1974.

Aí, acaboui por dizer que “Tudo quanto eu tenho a dizer ficou dito aqui”. E por isso, podemos ler o seguinte:

“ Éramos cantores dos meios proibidos, subterrâneos, não usávamos de qualquer protecção oficial(…)ora no dia 25 de Abril aparecemos à tona, como os ratos que vêm dos buracos(…) aqui para nós eu nunca me insubordinei, nem fiz alusões aos cantores que directa e indirectamente, coagidos ou não, com este ou aquele álibi, eram escolhidos ou tolerados pelo regime nas suas actuações oficiais. Em resumo, nunca ataquei aquilo que se convencionou chamar nacional-cançonetismo. O que sempre me interessou foi que se criasse no público determinado tipo de exigências de ordem cultural que o levassem a preferir determinadas manifestações, em lugar de outras. (…) Eu fui um indivíduo, digamos, superficialmente perseguido.Não tanto como cantor, e a prova é que parte da minha produção circulava em discos. Até a própria Grândola. (…) Não me considerava tão perseguido como isso e, dado o nível de repressão que o antigo regime antevê, pareceria pouco mais do que ridículo estar a considerar-me vítima do regime. Até porque economicamente não era uma pessoa que vivesse mal e repartia a minha actividade entre cantor de meios populares e intérprete remunerado através dos discos. A minha situação era perfeitamente aceitável. Inclusive consegui sair do País e cantar em França, Espanha e noutros países.(…) Eu não me considero vítima do fascismo. Do ponto de vista profissional, até posso afirmar que a situação de interdição a que o

fascismo me votou me foi de certo modo benéfica. (…) Sinto-me perfeitamente solidário com os meus outros amigos e posso nomeá-los: Francisco Fanhais, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira, Luís Cília, Sérgio Godinho, Manuel Freire, Laranjeira, José Jorge Letria, A.P. Braga, entre outros .”

Em entrevista a revista da época ( Século Ilustrado de 13.7.1974)), Miller Guerra, médico de profissão e uma das promessas do novo regime, antigo deputado da Ala Liberal, junjuntamente com Sá Carneiro, Magalhães Mota e outros, dizia algo bem mais prosaico e provavelmente bem mais sintonizado com aquele “ sentimento profundo “ do povo português, explicando em poucas palavras o devir do Movimento do 25 de Abril e o estado geral do povo em particular. Fà-lo de modo bem diverso do que ficou a constar no preâmbulo da Constituição de 1976 e com uma lucidez de análise que me parece notável:

“H á na realidade um processo em curso muito importante, que é o da libertação do jugo que pesou sobre o país durante várias dezenas de anos. O País estava morto por se ver livre desse jugo e o 25 de Abril significou, em primeiro lugar, uma libertação. Segundo ponto importante: o 25 de Abril permitiu o desenvolvimento de um processo político-democrático que se tem desenrolado com certa dificuldade e isso compreende-se por duas razões: o povo português foi, sem dúvida, surpreendido por esta liberalização e, por outro lado, encontrava-se completamente alheio ao processo político, visto, durante tantos anos, ter sido sistematicamente afastado do Poder, embora houvesse quem dele participasse, mas sob condição.

A adesão que o povo português devia dar a um processo democrático e plural nunca existiu, mas sim a submissão, ou seja aqueles que se submetiam, participavam, e os que não se submetiam eram considerados

heterodoxos, muitos deles perseguidos e outros presos. O regime sob que se viveu e que não foi outro, exerceu, naturalmente, uma espécie de preceptorado político em duas gerações. Não é, portanto, de admirar que no fim desta deseducação ou pseudo-educação política exercida sobre a população durante

tanto tempo, surgido o 25 de Abril, o primeiro movimento, e que ainda continua, seja de surpresa , de inquietação e de dúvida para grande parte dos portugueses. Não para todos, evidentemente. Conservou-se, na realidade, apesar das vicissitudes e dificuldades, um conjunto de pessoas perfeitamente conhecedoras da política e tanto quanto possível actualizadas e que neste momento podem exercer influência relevante na organização, consolidação e desenvolvimento do processo democrático, de modo a podermos dispor dentro de algum tempo de uma perfeita sociedade democrática, igual a qualquer outra do Ocidente .”

Veiga Simão, ministro da Educação de Marcelo Caetano, em entrevista breve ao mesmo Século Ilustrado de 4.5.1974( ilustração do postal anterior sobre as Memórias Inventadas), que apresentava a capa com uma foto de uma avenida de Lisboa, pejada de manifestantes que faziam o “V” de vitória e ainda muito poucos cartazes, sem qualquer referência visível a slogans “de partido”, para além do título “o povo unido jamais será vencido” – vindo directamente de uma canção chilena de 1973, do grupo Quilapayun – dizia, sobre a reforma do ensino que então projectou : “É uma reforma digna que pode ser apresentada em qualquer país”. Durante a breve entrevista, em casa, ( num quarto andar bem perto da Avenida de Roma), sobre “a situação actual do país”, reafirmou a sua fé nos “caminhos da liberdade e de construção de uma sociedade democrática”.

Pergunta ( que não se fez então):considerará (hoje e então) o regime de que fez parte, um regime “fascista”?

E outros participantes que se reciclaram politicamente, até no PS, também assim considerarão?

, outro antigo deputado da Ala Liberal,fundador do PSD, em entrevista àde 24.5.1974, refere expressamente a “impossibilidade de uma reforma por dentro do regime” Mas não se lê na entrevista a palavra “fascista”…

Contudo, anova linguagem, tomou assento nos media e a menção ao “faxismo”, acabou por simplificare sintetizar em figura de estilo, toda a eventual complexidade de categorizaçãodo regime anterior. O lado mais odioso do regime deposto, exacerbava-se ainda mais com acolagem da palavra mal dita, com um propósito evidente: definir, delimitando o conceito e dominando assim o discurso.Quem se apoderou da palavra, foi a esquerda que dominava então quase todos os media com influência real. Os artistas, com destaque para os cantores, antes disso baladeiros, seguiram no mesmo rumo, de adesão a um discurso do qual., aliás, tinham sido percursores de mérito.

A esquerda clássica portuguesa, ao apoderar-se da palavra “fascismo” e ao dominar a sua difusão, construiu um discurso à volta da mesma que ainda não se decompôs.

Há algumas expressões, conceitos, ideias feitas e palavras avulsas que podem enfileirar numa lista para uma gramática da ideologia de uma certa esquerda. Essa gramática, aos poucos, tem vindo a ser contestada e denunciada, num fenómeno algo desconstrutivista e interessante e que só pode ganhar com um cada vez maior alargamento, á custa, se necessário for, de polémicas construtivas.

Sendo óbvio que isso implica um afrontamento directo ao discurso comunista, tal impõe cuidados especiais de equilíbrio e de ponderação de modo a não se operar uma substituição de palavras mal ditas por outras ainda menos perfeitas e portanto malditas na mesma.

A acrescer a estas dificuldades, o predomínio da linguagem de esquerda, com o seu léxico e

gramática próprias, entrou na corrente comum da linguagem de muitos dos que escrevem em jornais. A repetição de termos, conceitos e fragmentos do discurso ideológico da esquerda,

mesmo os mais subtis, integrou-se numa boa parte da nossa cultura geral e destrinçar diferenças no discurso tornou-se deletério. Para além disso, como a esquerda não detém o monopólio da asneira ou do erro, o discurso que se lhe opõe, hoje em dia, vem de um sector neo liberal de ascendência anglo saxónico e centrado no fenómeno económico, sem alargamento significativo a aspectos culturais ou estéticos. Daí, a supremacia que se evidencia continua a manter-se e quem se opõe à corrente, não tem força para remar contra a maré. Não é na revista Atlântico ou nos blogs simpatizantes de neo conistas e afins que se encontram ideias de contrapeso suficientemente, equilibradas para essa tarefa.

associar Salazar

existe em Portugal alguém ou alguma coisa a que o PCP já não

Um dos poucos que sempre tentaram a investida ao reduto imenso do discurso normalizado de esquerda, é( a par de, sociólogo, mesma época, mesmo perfil).Assim, um dos últimos reflexos do fenómeno deram à luz no jornaldestes últimos dias. A jornalistaresponsável por algumas notícias numa das secções do jornal, deu em reivindicar publicamente o estudo do “fascismo” de Salazar e Caetano, para que não se apague da memória, nem se branqueie o Estado Novo., no dia seguinte, na crónica de Domingo de 30 de Julho, escreveu que esse “fascismo”, não passava de "uma” e que misturar Salazar com o consulado de Caetano, releva de uma especial cegueira.O comunista (?)na qualidade de “consultor”, vem defender o uso apropriado da palavra “fascismo”, privatizando a mesma numa espécie de instituto público, com o significado semântico habitual e adequado à realidade portuguesa habituada a entender o fenómeno do Salazarismo/ Caetanismo. E clama em seu favor, a existência de resmas e resmas de ensaios de prestigiados autores que não hesitam ema Hitler e Mussolini, na definição de um regime com semelhanças evidentes e que só um ignorante pode evitar. Cita mesmo( que aliás é citado porno livro citado no postal anterior), para dizer que há um húmus cultural e uma contingência histórica para o justificar e promete polémica com o cronista VPV. Que na crónica dode Sábado, 5 de Agosto, não se fez rogado ereincide em perguntar muito simplesmente a Vítor Dias: “” E insiste em dizer-lhe que foi o estalinismo, seguido aliás gulosamente por Dias durante muitos dias, meses e anos, quem inventou o “fascismo”, nessa acepção. Por uma razão que só não compreende quem não detectar que “ a necessidade de juntar num único saco quem servia temporária ou permanentemente a União Soviética criou o “anti-fascismo” e com ele, o uso indiscriminado e propagandístico da palavra “fascismo”.Nesta polémica, assume carácter muito curioso, uma carta ao Director, publicada node 3 de Agosto. Assinada por um tal António Melo, de Lisboa, em certa passagem diz assim, para criticar o artigo de VPV e defender a noção idiossincrática de fascismo, tal como o PCP o faz:

“O fascismo afirmou-se sempre como anti-parlamentar e anti-democrata, proclamando decadentes os regimes que assentassem no pluripartidarismo e na expressão livre de opiniões. [Será caso para perguntar ao sr. Melo: mas há aqui alguma diferença substancial com o comunismo? Álvraro Cunhal não chegou a afirmar que nunca haveria democracia parlamentar em Portugal?].

Assentou na criação de um partido único, onde se condensavam todos os vultos nacionais, tinha na exltação nacionalista a sua justificação política e no expansionismo territorial o seu objectivo. [Pergunta-se novamente: e haverá, ainda aqui, diferença substancial com o comunismo? O PCP admitiria concorrência pluripartidária em caso de maioria? O Internacionalismo proletário não era uma bandeira? ].

As liberdades cívicas podiam- deviam- submeter-se a estes desígnios.[Alguma diferença com o comunismo? A censura e o controlo de todos os órgão se de informação e propaganda não era uma das exigências do Partido?]

O Estado para exercer a sua autoridade devia deter um poder absoluto, constitucionalmente conferido [Alguma diferença com o comunismo? Não dependia tudo do Partido que se confundia com o Estado?] .

A soberania deixava de residir no povo para passar a ser representada pela nação,invocada como abstracção histórica de feitos heróicos [Aqui há uma diferença aparente: a nação soviética é a pátria dos povos…].

Assim, perante esta muito curiosa definição de “fascismo”, aplicada ao caso português, será altura de perguntar se o MRPP de 1975 não teria alguma razão, ao apodar o PCP de partido… social-fascista! ?

Foi uma das poucas vezes que alguém virou o bico ao prego comunista…e com algum sucesso, diga-se.

Assim, o que resta fazer, para preservar a memória do que é antigo, será começar por não a desvirtuar. E para isso, será preciso analisar o discurso corrente de quem agora anda pressuroso a resgatar memórias...inventadas.

Publicado por josé

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(revista Flama de 7.6.1974)

( 2ª parte do texto Memórias inventadas)

Em Portugal, nos tempos que se seguiram ao 25 de Abril, poucos se perguntaram , seriamente, com impacto na opinião geral e nessa altura, qual o significado exacto da expressão “regime democrático”, para o Partido Comunista Português, para o Partido Socialista e, já agora e então, para os restantes partidos. “Regime democrático”, “democracia” e “liberdades democráticas”, são expressões de significado aparentemente inequívoco. Mas pergunte-se ao PCP, ainda hoje, o seu verdadeiro significado e que consta do seu programa e ver-se-á a polissemia em estado latente!

Talvez por causa destas subtilezas semânticas, aligeiradas na consciência do “nosso povo”, não houve problema de maior, em fazer aprovar maioritária e constitucionalmente, o propósito em fazer caminhar Portugal, para uma sociedade sem classes e com o poder a exercer-se democraticamente, pelas classes trabalhadoras. Ninguém logrou opor-se, com êxito, ao preâmbulo da Constituição de 1976 onde se fixa logo no primeiro parágrafo que “A 25 de Abril

de 1974, o MFA, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista”. E a mudança de paradigma, demorou anos, discussões infindas e compromissos vários, para conseguir impor-se como lei geral do país!

Esta linguagem altamente comprometida com o discurso habitual da esquerda comunista e socialista, pré-gaveta e até pós-gaveta, perdura por isso, em Portugal, há mais de trinta anos. É uma linguagem intelectualmente rigorosa? Não faltará quem o diga. É correcta? Politicamente, até parece correctíssima. E será condizente com a explicação da realidade? Os historiadores e sociólogos que o digam.

A verdade, porém, segundo o que me parece, é que nem sempre foi assim e só assim passou a ser, após o sequestro ideológico, pela esquerda militante dos amanhãs a cantar e do socialismo, mesmo democrático, de uma retórica ideológica bem marcada e identificada e que se tornou um monopólio de referências.

Assim, conviria talvez investigar o discurso corrente, de algumas figuras importantes, logo nos tempos imediatos após a eclosão do movimento militar em 25 de Abril de 1974.

, um dos celebrados baladeiros e cantor autor dee que nunca renegou a sua apegada estima a uma revolução popular de carácter ultra comunista, para dizer assim, deu uma entrevista notável à revista, em 7 de Junho de 1974.

Aí, acaboui por dizer que “Tudo quanto eu tenho a dizer ficou dito aqui”. E por isso, podemos ler o seguinte:

“ Éramos cantores dos meios proibidos, subterrâneos, não usávamos de qualquer protecção oficial(…)ora no dia 25 de Abril aparecemos à tona, como os ratos que vêm dos buracos(…) aqui para nós eu nunca me insubordinei, nem fiz alusões aos cantores que directa e indirectamente, coagidos ou não, com este ou aquele álibi, eram escolhidos ou tolerados pelo regime nas suas actuações oficiais. Em resumo, nunca ataquei aquilo que se convencionou chamar nacional-cançonetismo. O que sempre me interessou foi que se criasse no público determinado tipo de exigências de ordem cultural que o levassem a preferir determinadas manifestações, em lugar de outras. (…) Eu fui um indivíduo, digamos, superficialmente perseguido.Não tanto como cantor, e a prova é que parte da minha produção circulava em discos. Até a própria Grândola. (…) Não me considerava tão perseguido como isso e, dado o nível de repressão que o antigo regime antevê, pareceria pouco mais do que ridículo estar a considerar-me vítima do regime. Até porque economicamente não era uma pessoa que vivesse mal e repartia a minha actividade entre cantor de meios populares e intérprete remunerado através dos discos. A minha situação era perfeitamente aceitável. Inclusive consegui sair do País e cantar em França, Espanha e noutros países.(…) Eu não me considero vítima do fascismo. Do ponto de vista profissional, até posso afirmar que a situação de interdição a que o

fascismo me votou me foi de certo modo benéfica. (…) Sinto-me perfeitamente solidário com os meus outros amigos e posso nomeá-los: Francisco Fanhais, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira, Luís Cília, Sérgio Godinho, Manuel Freire, Laranjeira, José Jorge Letria, A.P. Braga, entre outros .”

Em entrevista a revista da época ( Século Ilustrado de 13.7.1974)), Miller Guerra, médico de profissão e uma das promessas do novo regime, antigo deputado da Ala Liberal, junjuntamente com Sá Carneiro, Magalhães Mota e outros, dizia algo bem mais prosaico e provavelmente bem mais sintonizado com aquele “ sentimento profundo “ do povo português, explicando em poucas palavras o devir do Movimento do 25 de Abril e o estado geral do povo em particular. Fà-lo de modo bem diverso do que ficou a constar no preâmbulo da Constituição de 1976 e com uma lucidez de análise que me parece notável:

“H á na realidade um processo em curso muito importante, que é o da libertação do jugo que pesou sobre o país durante várias dezenas de anos. O País estava morto por se ver livre desse jugo e o 25 de Abril significou, em primeiro lugar, uma libertação. Segundo ponto importante: o 25 de Abril permitiu o desenvolvimento de um processo político-democrático que se tem desenrolado com certa dificuldade e isso compreende-se por duas razões: o povo português foi, sem dúvida, surpreendido por esta liberalização e, por outro lado, encontrava-se completamente alheio ao processo político, visto, durante tantos anos, ter sido sistematicamente afastado do Poder, embora houvesse quem dele participasse, mas sob condição.

A adesão que o povo português devia dar a um processo democrático e plural nunca existiu, mas sim a submissão, ou seja aqueles que se submetiam, participavam, e os que não se submetiam eram considerados

heterodoxos, muitos deles perseguidos e outros presos. O regime sob que se viveu e que não foi outro, exerceu, naturalmente, uma espécie de preceptorado político em duas gerações. Não é, portanto, de admirar que no fim desta deseducação ou pseudo-educação política exercida sobre a população durante

tanto tempo, surgido o 25 de Abril, o primeiro movimento, e que ainda continua, seja de surpresa , de inquietação e de dúvida para grande parte dos portugueses. Não para todos, evidentemente. Conservou-se, na realidade, apesar das vicissitudes e dificuldades, um conjunto de pessoas perfeitamente conhecedoras da política e tanto quanto possível actualizadas e que neste momento podem exercer influência relevante na organização, consolidação e desenvolvimento do processo democrático, de modo a podermos dispor dentro de algum tempo de uma perfeita sociedade democrática, igual a qualquer outra do Ocidente .”

Veiga Simão, ministro da Educação de Marcelo Caetano, em entrevista breve ao mesmo Século Ilustrado de 4.5.1974( ilustração do postal anterior sobre as Memórias Inventadas), que apresentava a capa com uma foto de uma avenida de Lisboa, pejada de manifestantes que faziam o “V” de vitória e ainda muito poucos cartazes, sem qualquer referência visível a slogans “de partido”, para além do título “o povo unido jamais será vencido” – vindo directamente de uma canção chilena de 1973, do grupo Quilapayun – dizia, sobre a reforma do ensino que então projectou : “É uma reforma digna que pode ser apresentada em qualquer país”. Durante a breve entrevista, em casa, ( num quarto andar bem perto da Avenida de Roma), sobre “a situação actual do país”, reafirmou a sua fé nos “caminhos da liberdade e de construção de uma sociedade democrática”.

Pergunta ( que não se fez então):considerará (hoje e então) o regime de que fez parte, um regime “fascista”?

E outros participantes que se reciclaram politicamente, até no PS, também assim considerarão?

, outro antigo deputado da Ala Liberal,fundador do PSD, em entrevista àde 24.5.1974, refere expressamente a “impossibilidade de uma reforma por dentro do regime” Mas não se lê na entrevista a palavra “fascista”…

Contudo, anova linguagem, tomou assento nos media e a menção ao “faxismo”, acabou por simplificare sintetizar em figura de estilo, toda a eventual complexidade de categorizaçãodo regime anterior. O lado mais odioso do regime deposto, exacerbava-se ainda mais com acolagem da palavra mal dita, com um propósito evidente: definir, delimitando o conceito e dominando assim o discurso.Quem se apoderou da palavra, foi a esquerda que dominava então quase todos os media com influência real. Os artistas, com destaque para os cantores, antes disso baladeiros, seguiram no mesmo rumo, de adesão a um discurso do qual., aliás, tinham sido percursores de mérito.

A esquerda clássica portuguesa, ao apoderar-se da palavra “fascismo” e ao dominar a sua difusão, construiu um discurso à volta da mesma que ainda não se decompôs.

Há algumas expressões, conceitos, ideias feitas e palavras avulsas que podem enfileirar numa lista para uma gramática da ideologia de uma certa esquerda. Essa gramática, aos poucos, tem vindo a ser contestada e denunciada, num fenómeno algo desconstrutivista e interessante e que só pode ganhar com um cada vez maior alargamento, á custa, se necessário for, de polémicas construtivas.

Sendo óbvio que isso implica um afrontamento directo ao discurso comunista, tal impõe cuidados especiais de equilíbrio e de ponderação de modo a não se operar uma substituição de palavras mal ditas por outras ainda menos perfeitas e portanto malditas na mesma.

A acrescer a estas dificuldades, o predomínio da linguagem de esquerda, com o seu léxico e

gramática próprias, entrou na corrente comum da linguagem de muitos dos que escrevem em jornais. A repetição de termos, conceitos e fragmentos do discurso ideológico da esquerda,

mesmo os mais subtis, integrou-se numa boa parte da nossa cultura geral e destrinçar diferenças no discurso tornou-se deletério. Para além disso, como a esquerda não detém o monopólio da asneira ou do erro, o discurso que se lhe opõe, hoje em dia, vem de um sector neo liberal de ascendência anglo saxónico e centrado no fenómeno económico, sem alargamento significativo a aspectos culturais ou estéticos. Daí, a supremacia que se evidencia continua a manter-se e quem se opõe à corrente, não tem força para remar contra a maré. Não é na revista Atlântico ou nos blogs simpatizantes de neo conistas e afins que se encontram ideias de contrapeso suficientemente, equilibradas para essa tarefa.

associar Salazar

existe em Portugal alguém ou alguma coisa a que o PCP já não

Um dos poucos que sempre tentaram a investida ao reduto imenso do discurso normalizado de esquerda, é( a par de, sociólogo, mesma época, mesmo perfil).Assim, um dos últimos reflexos do fenómeno deram à luz no jornaldestes últimos dias. A jornalistaresponsável por algumas notícias numa das secções do jornal, deu em reivindicar publicamente o estudo do “fascismo” de Salazar e Caetano, para que não se apague da memória, nem se branqueie o Estado Novo., no dia seguinte, na crónica de Domingo de 30 de Julho, escreveu que esse “fascismo”, não passava de "uma” e que misturar Salazar com o consulado de Caetano, releva de uma especial cegueira.O comunista (?)na qualidade de “consultor”, vem defender o uso apropriado da palavra “fascismo”, privatizando a mesma numa espécie de instituto público, com o significado semântico habitual e adequado à realidade portuguesa habituada a entender o fenómeno do Salazarismo/ Caetanismo. E clama em seu favor, a existência de resmas e resmas de ensaios de prestigiados autores que não hesitam ema Hitler e Mussolini, na definição de um regime com semelhanças evidentes e que só um ignorante pode evitar. Cita mesmo( que aliás é citado porno livro citado no postal anterior), para dizer que há um húmus cultural e uma contingência histórica para o justificar e promete polémica com o cronista VPV. Que na crónica dode Sábado, 5 de Agosto, não se fez rogado ereincide em perguntar muito simplesmente a Vítor Dias: “” E insiste em dizer-lhe que foi o estalinismo, seguido aliás gulosamente por Dias durante muitos dias, meses e anos, quem inventou o “fascismo”, nessa acepção. Por uma razão que só não compreende quem não detectar que “ a necessidade de juntar num único saco quem servia temporária ou permanentemente a União Soviética criou o “anti-fascismo” e com ele, o uso indiscriminado e propagandístico da palavra “fascismo”.Nesta polémica, assume carácter muito curioso, uma carta ao Director, publicada node 3 de Agosto. Assinada por um tal António Melo, de Lisboa, em certa passagem diz assim, para criticar o artigo de VPV e defender a noção idiossincrática de fascismo, tal como o PCP o faz:

“O fascismo afirmou-se sempre como anti-parlamentar e anti-democrata, proclamando decadentes os regimes que assentassem no pluripartidarismo e na expressão livre de opiniões. [Será caso para perguntar ao sr. Melo: mas há aqui alguma diferença substancial com o comunismo? Álvraro Cunhal não chegou a afirmar que nunca haveria democracia parlamentar em Portugal?].

Assentou na criação de um partido único, onde se condensavam todos os vultos nacionais, tinha na exltação nacionalista a sua justificação política e no expansionismo territorial o seu objectivo. [Pergunta-se novamente: e haverá, ainda aqui, diferença substancial com o comunismo? O PCP admitiria concorrência pluripartidária em caso de maioria? O Internacionalismo proletário não era uma bandeira? ].

As liberdades cívicas podiam- deviam- submeter-se a estes desígnios.[Alguma diferença com o comunismo? A censura e o controlo de todos os órgão se de informação e propaganda não era uma das exigências do Partido?]

O Estado para exercer a sua autoridade devia deter um poder absoluto, constitucionalmente conferido [Alguma diferença com o comunismo? Não dependia tudo do Partido que se confundia com o Estado?] .

A soberania deixava de residir no povo para passar a ser representada pela nação,invocada como abstracção histórica de feitos heróicos [Aqui há uma diferença aparente: a nação soviética é a pátria dos povos…].

Assim, perante esta muito curiosa definição de “fascismo”, aplicada ao caso português, será altura de perguntar se o MRPP de 1975 não teria alguma razão, ao apodar o PCP de partido… social-fascista! ?

Foi uma das poucas vezes que alguém virou o bico ao prego comunista…e com algum sucesso, diga-se.

Assim, o que resta fazer, para preservar a memória do que é antigo, será começar por não a desvirtuar. E para isso, será preciso analisar o discurso corrente de quem agora anda pressuroso a resgatar memórias...inventadas.

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