FEVEREIRO: TRIUNFO E TRAGÉDIA II (conclusão)

08-08-2010
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Quem pensa que a noite eleitoral do já distante dia 20 de Fevereiro foi, para o Partido Socialista reunido no Hotel Altis, o triunfo, só o triunfo e nada mais do que o triunfo, esquece a importância de pequenas decisões, de conselhos que só numa perspectiva descuidada podem ser considerados como pormenores dispensáveis.Pormenores insignificantes são, quantas vezes, o resultado de decisões profundamente maturadas. O CDS/PP esqueceu-se que os rissóis não são uma boa escolha para as noites eleitorais: causam azia, deixam gordura. O PPD-PSD subestimou o resultado das miniaturas: parecem inofensivas mas, quando se dá por isso, a blusa está cheia e o enjoo só pode ter o desfecho que toda a gente sabe.Com o Partido Socialista tudo isso foi evitado: os dirigentes, filiados, malta do partido, apoiantes, simpatizantes, amigos, camaradas, palhaços que comessem em casa antes de irem para o Altis. O PS não é nenhum albergue espanhol.No Hotel Altis, num piso acima do décimo, José Sócrates estava tranquilo, empedernido na vitória do seu partido, para dizer a verdade. Rodeavam-no os mais altos pensadores do PS e, à frente destes, Jorge Coelho, o grande conselheiro, o homem do capital mediático. (“Serões da Província” tem as suas fontes...).A partir das 20 horas nada deveria ser deixado ao acaso. O País repararia no mais ínfimo pormenor. É assim que muitos políticos desatentos são apanhados a limpar as fossas nasais ou o pavilhão auditivo. “Camarada Zé, ou melhor, futuro senhor primeiro-ministro...”, disse Jorge Coelho para José Sócrates. Este interrompeu-o: “Deixa-te lá disso. É pá, ó Jorge, tu estás mais magro, hem? Parabéns! É pá desculpa... estavas a dizer...”. Coelho prosseguiu: “Portanto... Camarada Zé, ou melhor, futuro senhor primeiro-ministro: isto está ganho. Isto, já ninguém te tira”. Manuel Alegre tossiu. Jaime Gama avançou um passo e pisou Manuel Alegre. Gama desculpou-se, recuou, e pisou António Vitorino. Sócrates levantou-se e pisou Jorge Coelho.As televisões começaram a emitir os serviços noticiosos. As sondagens, para dizer a verdade, não foram surpresa. O interesse recairia sobre a oportunidade e o conteúdo das intervenções dos dirigentes dos outros partidos. De qualquer maneira, já tinham sido pedidas umas quantas Águas das Pedras.O primeiro chefe partidário a aparecer nos ecrãs foi Francisco Louçã. “Vai roubar p’rá estrada”, disse um. “A estragar uma unidade tão bonita da esquerda! Não tem vergonha!”, disse outro.A seguir foi a vez de Jerónimo de Sousa. Aqui, a apreensão tomou conta dos socialistas. Alguns afirmaram que, na realidade, não era Jerónimo quem estava a falar mas um ventríloquo. Restava saber quem estava no lugar de José Freixo e quem fazia o papel do Donaltim. Outros, mais práticos nestas coisas da política e do domínio das massas, disseram que se tratava de um “play-back”. Enfim, a velha teoria da cassete. Um grupo muito reduzido apoiou a tese de se tratar do camarada Carvalhas disfarçado de Jerónimo de Sousa.Jorge Coelho apelou à calma. Jaime Gama aproximou-se do grande ecrã de plasma e pisou Jorge Coelho. Este, apesar do seu ar de bonomia, não brinca em serviço e devolveu a pisadela, só que falhou e pisou António Vitorino. António José Seguro aproveitou a “aberta”, avançou com a cadeira para conseguir falar e também pisou Vitorino. João Soares já anda nisto há muito ano: também pisou Vitorino.Uma vaia ecoou num andar do Hotel Altis acima do décimo: Paulo Portas ia comunicar com o País. Quando o querido líder centrista pronunciou a palavra-chave do concurso, “Pequei!”, Jorge Coelho tomou as rédeas da situação: “Aposto quinhentos euros em como o gajo vai chorar!”.Santana Lopes não fez história na noite socialista. Mais uma vez Jorge Coelho sintetizou o espírito do momento: “Aposto mil euros em como o gajo sai dali a correr para a Kapital!”. “Coitado do Carmona...”, disse alguém (“Serões da Província” sabe quem mas não divulga).Só faltava a declaração vitoriosa de José Sócrates. Não era muito plausível que Garcia Pereira ou Carmelinda Pereira fizessem declarações. A localização das respectivas sedes de campanha era um segredo mais bem guardado depois de “O Código DaVinci”: toda a gente conhece mas ninguém sabe o que é. Chegou a falar-se nas grutas de Mira d’Aire. Um hipótese remota, mesmo para um revolucionário radical.Era a vez de Sócrates. Jorge Coelho aconselhou-o a caminho do elevador: “Zé, não te esqueças que isto ninguém te tira! Não fales em nada! Impostos, redução da despesa, contas públicas, fuga ao fisco, não te metas nisso! Se tiveres dúvidas, não utilizes a ajuda do público nem o telefonema! O melhor é o 50/50!”“Conseguimos!”, sussurrou Sócrates. Ninguém o ouviu. O “staff” socialista discutia com violência: quem chamava o elevador? Sem que ninguém se apercebesse, Jaime Gama ia aproximando, lentamente, o seu dedo indicador do botão do elevador. Mas Vitorino, observador, europeu experiente, deu pela manobra e mordeu Gama. Sem querer, Jorge Coelho pisou António José Seguro, que saltou um passo à retaguarda pisando José Magalhães que entretanto chegara.O amplo salão do Altis fervilhava de gente ansiosa pela declaração vitoriosa de José Sócrates. Muitos andares acima ainda não se decidira quem tocaria no botão para chamar o elevador. Até hoje, este é um dos segredos mais bem guardados do PS (depois de “O Código DaVinci”, claro, a grande bitola internacional do mistério).Quando Sócrates entrou no salão de convenções do Altis, um urro indistinto de vitória e de palmas aclamou-o, delirante.Há mais de um mês que não chovia. Portugal vivia (ainda vive) o seu Inverno mais seco desde há cem anos! Não admira que o salão do Altis estivesse a transbordar, perigosamente, de electricidade estática. As pessoas começaram aos saltos. Sócrates pediu calma e silêncio, queria falar, dirigir-se a um País ferido desde Alcácer Quibir. Era preciso dizer aos Portugueses que isso acabara!“Conseguimos!”, disse.Jorge Coelho tinha lágrimas nos olhos. “Muito bem!”, disse para Jaime Gama. Este acenou, positivo, com a cabeça. “Vamos ver o que é que o Zé vai dizer a seguir! Está a ir muito bem!”, rematou Coelho.“Conseguimos!”, disse outra vez José Sócrates.Palmas, gritos de “PS! PS! PS!”, bandeiras com o símbolo do partido a esvoaçarem no calor hediondo e no ar saturado do salão. Sócrates apercebe-se da câmara televisiva que o filma. Acalma com gestos a euforia da multidão. Vai falar, fita a câmara.“Conseguimos!”, disse.Jorge Coelho continuava com as lágrimas nos olhos. Todos os socialistas estavam emocionados. A electricidade estática atingiu o valor mais alto da noite. Sócrates continuou:“Conseguimos!”.Aclamado na rua, praticamente sovado com palmadas nas costas, Sócrates ainda falou antes de entrar na viatura que o havia de conduzir à sede do PS no Largo do Rato: “Conseguimos!”Com o método do microfone na lapela, Sócrates (dá ideia que se está a falar da Antiguidade, não é? Pena é os outros nomes: Coelho, Gama, Alegre, Seguro, Vitorino...) não teve dificuldades em alcançar uma das varandas da fachada principal da sede do PS. Foi outra vez aclamado. O povo, as “bases”, plebiscitavam-no. Aqui, o discurso tinha que ser outro: no Altis, falara para o País, aqui falava para os seus.“Conseguimos!”Foi o delírio.***O registo do Bloco de Esquerda foi diferente. Nem se esperava outra coisa. Francisco Louçã estava de cabeça perdida: para além de o Blogue de Esquerda (perdão, Bloco de Esquerda) ter duplicado os seus deputados à Assembleia, Fernando Rosas começara a dar sinais de emagrecimento, ténues, mas de qualquer maneira, alguns sinais.A declaração televisiva de Francisco Louçã decorreu num ambiente descontraído e na habitual linguagem-que-diz-as-letras-todas mas ainda mais cerrada do que é usual. Todo o pessoal estava descontraído e à beira de alcançar o Nirvana. Numa expressão: estava-se bem.“Os Portugueses disseram, muito claramente, ‘não!’ a este governo barrosista-santanista! O País não podia continuar assim! Os Portugueses sabem que, connosco, ‘tá-se bem. Duplicámos os deputados. O Sócrates sabe que lhe vamos fazer a cabeça em água. O Jerónimo sabe que nós não facilitamos! ‘Tá-se bem, mas calmex...”. Louçã lançou, assim, um aviso muito claro “à navegação”, como costuma dizer-se. “Calmex, hem?”, reforçou.Luís Fazenda e Ana Drago evidenciavam estar já no caminho do Nirvana. Fernando Rosas estava a ter mais dificuldades em descolar.Um dirigente bloquista tentava, com dificuldade, convencer um faquir português a levantar-se da sua cama de pregos colocada mesmo em frente do palanque onde Francisco Louçã discursava ao País. Ao lado do faquir, vários jovens fumavam um cachimbo de água.Um ambiente saturado de fumo dificultou a transmissão televisiva. Era difícil focar Louçã. Como “Serões da Província” teve oportunidade de verificar “in loco”, uma corrente de ar estava a trazer para dentro da sede eleitoral bloquista o fumo do entrecosto que estava a ser grelhado no exterior. De facto, como salientaram depois diversos jornais e televisões, aquilo havia ali um ar assim a atirar para o lânguido, malta nova, tudo muito apertadinho, música indiana e nepalesa. Bem...Louçã terminou bem o seu discurso e não desiludiu. Toda a gente já sabia que o Bloco de Esquerda não pretendia ir para o governo. Estaria menos socrático do que o resto do País? Esta dúvida motivou a pergunta de um dos jornalistas que ainda conseguia manter-se acordado: então, o que queria, realmente, o Bloco de Esquerda?“Meu caro amigo, respondeu Francisco Louçã, o que nós queremos é muito simples: que Portugal atinja o Nirvana!”***Ainda se desconhece a morada das sedes dos partidos de Garcia Pereira e de Carmelinda Pereira.Santana Lopes passa por algumas dificuldades: já estamos a 12 de Março e desde 21 de Fevereiro que está a reflectir sobre a possibilidade de regressar à presidência da Câmara de Lisboa. É provável que, entretanto, o túnel do Marquês fique concluído.Carmelinda Pereira telefonou a perguntar por Garcia Pereira.Alberto João Jardim recupera bem mas ainda está delirante.***“Serões da Província” recebeu, via imeile, uma nota da CDU, assinada por Jerónimo de Sousa, que transcrevemos:“Jovem: aquele desenho do dr. Alberto João Jardim estava muito bem apanhado. Imprimimos imediatamente e divulgámos pelas sedes nacionais da CDU. Rimos que nos fartámos, na verdade, que nem uns perdidos (a camarada Odete Santos rebolava-se no chão e o camarada Carlos Carvalhas, que, como sabem, tem um feitio assim um pouco para o reservado, e ainda por cima agora vai deixar a Assembleia da República, também riu a bandeiras despregadas). A reacção ao Santana estava muito bem e aquela do Portas a dizer ‘Pequei!’ estava demais, não lembra ao careca!Agora... aquilo de me porem a dizer que me escangalharam a cassete é assim um bocadinho de mau gosto. A história da cassete já está um bocadinho desactualizada. A tecnologia já evoluiu. Os amigos sabem o que é ficar afónico, hum? Sabem? Sim, é verdade que me encheram a boca de rebuçados do dr. Bayard de tal maneira que me babei, mas é muito indelicado trazer isso a público. Bem. Tenham lá cuidadinho se não querem que a camarada Odete Santos vos faça uma visitinha, hem?Jerónimo de Sousa (assinatura manuscrita) ”“Serões da Província” recebeu ainda, desta vez via Eurovisão, uma pequena mas contundente nota das chefias do CDS/PP, que passamos a reproduzir na íntegra:“Caro senhor J.M., autor de ‘Serões da Províncias:Lemos com toda a atenção as palavras da coluna que V. Ex. escreve para o blogue ‘Orgia Política, em particular as considerações sobre a vivência centrista na noite eleitoral. Esclarecemos o seguinte:Primeiro: os rissóis foram sendo repostos ao longo da noite.Segundo: os nossos rissóis não causam azia;Terceiro: a senhora do tempo do pacote de arroz a dois tostões pede que rectifiquem a referência, uma vez que no tempo dela o pacote de arroz ainda não existia, mas sim a lata de arroz, que custava não dois mas um tostão e setenta e cinco.Vamos lá a ter juizinho.Sem outro assunto, (assinatura ilegível) ”Jorge Muchagato


Quem pensa que a noite eleitoral do já distante dia 20 de Fevereiro foi, para o Partido Socialista reunido no Hotel Altis, o triunfo, só o triunfo e nada mais do que o triunfo, esquece a importância de pequenas decisões, de conselhos que só numa perspectiva descuidada podem ser considerados como pormenores dispensáveis.Pormenores insignificantes são, quantas vezes, o resultado de decisões profundamente maturadas. O CDS/PP esqueceu-se que os rissóis não são uma boa escolha para as noites eleitorais: causam azia, deixam gordura. O PPD-PSD subestimou o resultado das miniaturas: parecem inofensivas mas, quando se dá por isso, a blusa está cheia e o enjoo só pode ter o desfecho que toda a gente sabe.Com o Partido Socialista tudo isso foi evitado: os dirigentes, filiados, malta do partido, apoiantes, simpatizantes, amigos, camaradas, palhaços que comessem em casa antes de irem para o Altis. O PS não é nenhum albergue espanhol.No Hotel Altis, num piso acima do décimo, José Sócrates estava tranquilo, empedernido na vitória do seu partido, para dizer a verdade. Rodeavam-no os mais altos pensadores do PS e, à frente destes, Jorge Coelho, o grande conselheiro, o homem do capital mediático. (“Serões da Província” tem as suas fontes...).A partir das 20 horas nada deveria ser deixado ao acaso. O País repararia no mais ínfimo pormenor. É assim que muitos políticos desatentos são apanhados a limpar as fossas nasais ou o pavilhão auditivo. “Camarada Zé, ou melhor, futuro senhor primeiro-ministro...”, disse Jorge Coelho para José Sócrates. Este interrompeu-o: “Deixa-te lá disso. É pá, ó Jorge, tu estás mais magro, hem? Parabéns! É pá desculpa... estavas a dizer...”. Coelho prosseguiu: “Portanto... Camarada Zé, ou melhor, futuro senhor primeiro-ministro: isto está ganho. Isto, já ninguém te tira”. Manuel Alegre tossiu. Jaime Gama avançou um passo e pisou Manuel Alegre. Gama desculpou-se, recuou, e pisou António Vitorino. Sócrates levantou-se e pisou Jorge Coelho.As televisões começaram a emitir os serviços noticiosos. As sondagens, para dizer a verdade, não foram surpresa. O interesse recairia sobre a oportunidade e o conteúdo das intervenções dos dirigentes dos outros partidos. De qualquer maneira, já tinham sido pedidas umas quantas Águas das Pedras.O primeiro chefe partidário a aparecer nos ecrãs foi Francisco Louçã. “Vai roubar p’rá estrada”, disse um. “A estragar uma unidade tão bonita da esquerda! Não tem vergonha!”, disse outro.A seguir foi a vez de Jerónimo de Sousa. Aqui, a apreensão tomou conta dos socialistas. Alguns afirmaram que, na realidade, não era Jerónimo quem estava a falar mas um ventríloquo. Restava saber quem estava no lugar de José Freixo e quem fazia o papel do Donaltim. Outros, mais práticos nestas coisas da política e do domínio das massas, disseram que se tratava de um “play-back”. Enfim, a velha teoria da cassete. Um grupo muito reduzido apoiou a tese de se tratar do camarada Carvalhas disfarçado de Jerónimo de Sousa.Jorge Coelho apelou à calma. Jaime Gama aproximou-se do grande ecrã de plasma e pisou Jorge Coelho. Este, apesar do seu ar de bonomia, não brinca em serviço e devolveu a pisadela, só que falhou e pisou António Vitorino. António José Seguro aproveitou a “aberta”, avançou com a cadeira para conseguir falar e também pisou Vitorino. João Soares já anda nisto há muito ano: também pisou Vitorino.Uma vaia ecoou num andar do Hotel Altis acima do décimo: Paulo Portas ia comunicar com o País. Quando o querido líder centrista pronunciou a palavra-chave do concurso, “Pequei!”, Jorge Coelho tomou as rédeas da situação: “Aposto quinhentos euros em como o gajo vai chorar!”.Santana Lopes não fez história na noite socialista. Mais uma vez Jorge Coelho sintetizou o espírito do momento: “Aposto mil euros em como o gajo sai dali a correr para a Kapital!”. “Coitado do Carmona...”, disse alguém (“Serões da Província” sabe quem mas não divulga).Só faltava a declaração vitoriosa de José Sócrates. Não era muito plausível que Garcia Pereira ou Carmelinda Pereira fizessem declarações. A localização das respectivas sedes de campanha era um segredo mais bem guardado depois de “O Código DaVinci”: toda a gente conhece mas ninguém sabe o que é. Chegou a falar-se nas grutas de Mira d’Aire. Um hipótese remota, mesmo para um revolucionário radical.Era a vez de Sócrates. Jorge Coelho aconselhou-o a caminho do elevador: “Zé, não te esqueças que isto ninguém te tira! Não fales em nada! Impostos, redução da despesa, contas públicas, fuga ao fisco, não te metas nisso! Se tiveres dúvidas, não utilizes a ajuda do público nem o telefonema! O melhor é o 50/50!”“Conseguimos!”, sussurrou Sócrates. Ninguém o ouviu. O “staff” socialista discutia com violência: quem chamava o elevador? Sem que ninguém se apercebesse, Jaime Gama ia aproximando, lentamente, o seu dedo indicador do botão do elevador. Mas Vitorino, observador, europeu experiente, deu pela manobra e mordeu Gama. Sem querer, Jorge Coelho pisou António José Seguro, que saltou um passo à retaguarda pisando José Magalhães que entretanto chegara.O amplo salão do Altis fervilhava de gente ansiosa pela declaração vitoriosa de José Sócrates. Muitos andares acima ainda não se decidira quem tocaria no botão para chamar o elevador. Até hoje, este é um dos segredos mais bem guardados do PS (depois de “O Código DaVinci”, claro, a grande bitola internacional do mistério).Quando Sócrates entrou no salão de convenções do Altis, um urro indistinto de vitória e de palmas aclamou-o, delirante.Há mais de um mês que não chovia. Portugal vivia (ainda vive) o seu Inverno mais seco desde há cem anos! Não admira que o salão do Altis estivesse a transbordar, perigosamente, de electricidade estática. As pessoas começaram aos saltos. Sócrates pediu calma e silêncio, queria falar, dirigir-se a um País ferido desde Alcácer Quibir. Era preciso dizer aos Portugueses que isso acabara!“Conseguimos!”, disse.Jorge Coelho tinha lágrimas nos olhos. “Muito bem!”, disse para Jaime Gama. Este acenou, positivo, com a cabeça. “Vamos ver o que é que o Zé vai dizer a seguir! Está a ir muito bem!”, rematou Coelho.“Conseguimos!”, disse outra vez José Sócrates.Palmas, gritos de “PS! PS! PS!”, bandeiras com o símbolo do partido a esvoaçarem no calor hediondo e no ar saturado do salão. Sócrates apercebe-se da câmara televisiva que o filma. Acalma com gestos a euforia da multidão. Vai falar, fita a câmara.“Conseguimos!”, disse.Jorge Coelho continuava com as lágrimas nos olhos. Todos os socialistas estavam emocionados. A electricidade estática atingiu o valor mais alto da noite. Sócrates continuou:“Conseguimos!”.Aclamado na rua, praticamente sovado com palmadas nas costas, Sócrates ainda falou antes de entrar na viatura que o havia de conduzir à sede do PS no Largo do Rato: “Conseguimos!”Com o método do microfone na lapela, Sócrates (dá ideia que se está a falar da Antiguidade, não é? Pena é os outros nomes: Coelho, Gama, Alegre, Seguro, Vitorino...) não teve dificuldades em alcançar uma das varandas da fachada principal da sede do PS. Foi outra vez aclamado. O povo, as “bases”, plebiscitavam-no. Aqui, o discurso tinha que ser outro: no Altis, falara para o País, aqui falava para os seus.“Conseguimos!”Foi o delírio.***O registo do Bloco de Esquerda foi diferente. Nem se esperava outra coisa. Francisco Louçã estava de cabeça perdida: para além de o Blogue de Esquerda (perdão, Bloco de Esquerda) ter duplicado os seus deputados à Assembleia, Fernando Rosas começara a dar sinais de emagrecimento, ténues, mas de qualquer maneira, alguns sinais.A declaração televisiva de Francisco Louçã decorreu num ambiente descontraído e na habitual linguagem-que-diz-as-letras-todas mas ainda mais cerrada do que é usual. Todo o pessoal estava descontraído e à beira de alcançar o Nirvana. Numa expressão: estava-se bem.“Os Portugueses disseram, muito claramente, ‘não!’ a este governo barrosista-santanista! O País não podia continuar assim! Os Portugueses sabem que, connosco, ‘tá-se bem. Duplicámos os deputados. O Sócrates sabe que lhe vamos fazer a cabeça em água. O Jerónimo sabe que nós não facilitamos! ‘Tá-se bem, mas calmex...”. Louçã lançou, assim, um aviso muito claro “à navegação”, como costuma dizer-se. “Calmex, hem?”, reforçou.Luís Fazenda e Ana Drago evidenciavam estar já no caminho do Nirvana. Fernando Rosas estava a ter mais dificuldades em descolar.Um dirigente bloquista tentava, com dificuldade, convencer um faquir português a levantar-se da sua cama de pregos colocada mesmo em frente do palanque onde Francisco Louçã discursava ao País. Ao lado do faquir, vários jovens fumavam um cachimbo de água.Um ambiente saturado de fumo dificultou a transmissão televisiva. Era difícil focar Louçã. Como “Serões da Província” teve oportunidade de verificar “in loco”, uma corrente de ar estava a trazer para dentro da sede eleitoral bloquista o fumo do entrecosto que estava a ser grelhado no exterior. De facto, como salientaram depois diversos jornais e televisões, aquilo havia ali um ar assim a atirar para o lânguido, malta nova, tudo muito apertadinho, música indiana e nepalesa. Bem...Louçã terminou bem o seu discurso e não desiludiu. Toda a gente já sabia que o Bloco de Esquerda não pretendia ir para o governo. Estaria menos socrático do que o resto do País? Esta dúvida motivou a pergunta de um dos jornalistas que ainda conseguia manter-se acordado: então, o que queria, realmente, o Bloco de Esquerda?“Meu caro amigo, respondeu Francisco Louçã, o que nós queremos é muito simples: que Portugal atinja o Nirvana!”***Ainda se desconhece a morada das sedes dos partidos de Garcia Pereira e de Carmelinda Pereira.Santana Lopes passa por algumas dificuldades: já estamos a 12 de Março e desde 21 de Fevereiro que está a reflectir sobre a possibilidade de regressar à presidência da Câmara de Lisboa. É provável que, entretanto, o túnel do Marquês fique concluído.Carmelinda Pereira telefonou a perguntar por Garcia Pereira.Alberto João Jardim recupera bem mas ainda está delirante.***“Serões da Província” recebeu, via imeile, uma nota da CDU, assinada por Jerónimo de Sousa, que transcrevemos:“Jovem: aquele desenho do dr. Alberto João Jardim estava muito bem apanhado. Imprimimos imediatamente e divulgámos pelas sedes nacionais da CDU. Rimos que nos fartámos, na verdade, que nem uns perdidos (a camarada Odete Santos rebolava-se no chão e o camarada Carlos Carvalhas, que, como sabem, tem um feitio assim um pouco para o reservado, e ainda por cima agora vai deixar a Assembleia da República, também riu a bandeiras despregadas). A reacção ao Santana estava muito bem e aquela do Portas a dizer ‘Pequei!’ estava demais, não lembra ao careca!Agora... aquilo de me porem a dizer que me escangalharam a cassete é assim um bocadinho de mau gosto. A história da cassete já está um bocadinho desactualizada. A tecnologia já evoluiu. Os amigos sabem o que é ficar afónico, hum? Sabem? Sim, é verdade que me encheram a boca de rebuçados do dr. Bayard de tal maneira que me babei, mas é muito indelicado trazer isso a público. Bem. Tenham lá cuidadinho se não querem que a camarada Odete Santos vos faça uma visitinha, hem?Jerónimo de Sousa (assinatura manuscrita) ”“Serões da Província” recebeu ainda, desta vez via Eurovisão, uma pequena mas contundente nota das chefias do CDS/PP, que passamos a reproduzir na íntegra:“Caro senhor J.M., autor de ‘Serões da Províncias:Lemos com toda a atenção as palavras da coluna que V. Ex. escreve para o blogue ‘Orgia Política, em particular as considerações sobre a vivência centrista na noite eleitoral. Esclarecemos o seguinte:Primeiro: os rissóis foram sendo repostos ao longo da noite.Segundo: os nossos rissóis não causam azia;Terceiro: a senhora do tempo do pacote de arroz a dois tostões pede que rectifiquem a referência, uma vez que no tempo dela o pacote de arroz ainda não existia, mas sim a lata de arroz, que custava não dois mas um tostão e setenta e cinco.Vamos lá a ter juizinho.Sem outro assunto, (assinatura ilegível) ”Jorge Muchagato

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