que fazer com esta maioria?

18-12-2009
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Afinal não houve grandes surpresas. Apesar do aumento da abstenção, não se pode dizer que seja dramático, muito menos no contexto pós-europeias. Havendo um certo cansaço do eleitorado, esse cansaço revelou-se mais num gesto de protesto contra quem deteve nos últimos anos o poder total (salvo seja). Isto era o que muitos de nós já prevíamos. A noite passada foi, compreensivelmente, de celebração. De resto, deu para que quase todos tivessem motivo para festejar (menos a Dra Manuela, e mesmo assim pode argumentar que o PSD cresceu, em votos e em deputados). Porém, com mais ou com menos retórica, com maior ou menor triunfalismo (do CDS ou do BE), o certo é que as “vitórias” ou “derrotas” são bastante relativas. No fundo, elas tendem a medir-se em função das expectativas criadas. E desse ponto de vista, talvez a maior vitória, porque menos esperada, seja a do CDS/PP. O Paulinho bem pode mostrar a dentadura, pois o seu partido avança e afirma-se como bastião da direita. O BE, com a duplicação do número de deputados e o aumento substancial de votos, tem motivos de sobra para estar eufórico. Vai passar a contar mais, sem dúvida. Embora não saibamos ainda ao certo como. A CDU/PCP aguentou-se mais uma vez (aumentou um deputado e o nº de votos). Por seu lado o PS conseguiu aquilo que, após as europeias, muitos julgavam impossível. Teve a “maioria clara” que Sócrates pediu ao eleitorado. Graças a quê? Do meu ponto de vista, porque o líder do PS se mostrou muito consistente na campanha, conhecedor das matérias, com sentido de Estado, com uma postura positiva e mobilizadora, vincando bem o contraste perante uma Manuela Ferreira Leite pouco convincente, crispada e negativa. Claro, a imagem foi fundamental. Sócrates tem boa imagem, e melhorou-a nos últimos tempos. Exactamente o oposto de MFL. Mostrou-se mais calmo, com a serenidade suficiente para inspirar confiança e capacidade. Esteve melhor que a sua adversária directa e conseguiu (com a ajuda de alguns notáveis do PS) beneficiar do “voto útil” e da defesa do Estado social. Mas, para além disso, no seu novo estilo, fez passar a ideia (ainda que sem o admitir abertamente) de que reconheceu alguns dos excessos e erros cometidos pelo anterior governo. Muitos dos que antes o criticaram terão visto na sua expressão algum sinal de arrependimento sincero. E agora? Bem, no dia do jogo celebra-se. No dia seguinte pensa-se no próximo combate e começa-se a prepará-lo. Confirmou-se a maioria parlamentar de esquerda. Porém, uma “aliança de esquerda” para a legislatura tem poucas condições de avançar. Bloco e PC cresceram à custa da crítica constante às políticas do anterior governo. O BE quer chegar ao poder, mas anda há algum tempo a sonhar com “um outro PS”. Todos temos o direito ao sonho. No entanto o velho princípio da real politik obriga-nos a por os pés no chão e ler a realidade que temos. As pessoas e os líderes podem evoluir e mudar. Não sou ingénuo ao ponto de acreditar que o novo PS de Sócrates vai mudar radicalmente. Todavia, parece-me óbvio que a estratégia seguida pelo PS e o programa do futuro governo terão de adaptar-se às novas circunstâncias. E porventura saberão perceber o essencial: verificou-se uma reorientação do eleitorado à esquerda. Larga parte dos votos do BE saíram directamente do PS. As pessoas, sobretudo essas pessoas (ou seja, os cerca de 18% do BE e PCP somados), querem melhores políticas sociais, mais e melhor emprego, menos desigualdades e injustiças; querem ser reconhecidas e estimuladas no trabalho, no consumo e na sociedade; querem um sistema educativo de qualidade, com os professores motivados e os alunos a aprender; querem os jovens universitários com acesso ao emprego de qualidade. Mesmo reconhecendo as dificuldades de um compromisso à esquerda (PS+BE+CDU), a reorientação de algumas das áreas governativas mais polémicas terá de passar pela aproximação a posições que esses partidos da esquerda defendem desde há muito (e foi em parte por isso que cresceram). Fundamental é que a liderança do PS retire argumentos que justifiquem as habituais posições irredutiveis e de contra-poder. A política de navegação à vista, com a ginástica dos acordos pontuais no parlamento, poderá ser uma saída. Mas esse deve ser sempre o último recurso, porque, assim, a permanente instabilidade será incomportável.

Afinal não houve grandes surpresas. Apesar do aumento da abstenção, não se pode dizer que seja dramático, muito menos no contexto pós-europeias. Havendo um certo cansaço do eleitorado, esse cansaço revelou-se mais num gesto de protesto contra quem deteve nos últimos anos o poder total (salvo seja). Isto era o que muitos de nós já prevíamos. A noite passada foi, compreensivelmente, de celebração. De resto, deu para que quase todos tivessem motivo para festejar (menos a Dra Manuela, e mesmo assim pode argumentar que o PSD cresceu, em votos e em deputados). Porém, com mais ou com menos retórica, com maior ou menor triunfalismo (do CDS ou do BE), o certo é que as “vitórias” ou “derrotas” são bastante relativas. No fundo, elas tendem a medir-se em função das expectativas criadas. E desse ponto de vista, talvez a maior vitória, porque menos esperada, seja a do CDS/PP. O Paulinho bem pode mostrar a dentadura, pois o seu partido avança e afirma-se como bastião da direita. O BE, com a duplicação do número de deputados e o aumento substancial de votos, tem motivos de sobra para estar eufórico. Vai passar a contar mais, sem dúvida. Embora não saibamos ainda ao certo como. A CDU/PCP aguentou-se mais uma vez (aumentou um deputado e o nº de votos). Por seu lado o PS conseguiu aquilo que, após as europeias, muitos julgavam impossível. Teve a “maioria clara” que Sócrates pediu ao eleitorado. Graças a quê? Do meu ponto de vista, porque o líder do PS se mostrou muito consistente na campanha, conhecedor das matérias, com sentido de Estado, com uma postura positiva e mobilizadora, vincando bem o contraste perante uma Manuela Ferreira Leite pouco convincente, crispada e negativa. Claro, a imagem foi fundamental. Sócrates tem boa imagem, e melhorou-a nos últimos tempos. Exactamente o oposto de MFL. Mostrou-se mais calmo, com a serenidade suficiente para inspirar confiança e capacidade. Esteve melhor que a sua adversária directa e conseguiu (com a ajuda de alguns notáveis do PS) beneficiar do “voto útil” e da defesa do Estado social. Mas, para além disso, no seu novo estilo, fez passar a ideia (ainda que sem o admitir abertamente) de que reconheceu alguns dos excessos e erros cometidos pelo anterior governo. Muitos dos que antes o criticaram terão visto na sua expressão algum sinal de arrependimento sincero. E agora? Bem, no dia do jogo celebra-se. No dia seguinte pensa-se no próximo combate e começa-se a prepará-lo. Confirmou-se a maioria parlamentar de esquerda. Porém, uma “aliança de esquerda” para a legislatura tem poucas condições de avançar. Bloco e PC cresceram à custa da crítica constante às políticas do anterior governo. O BE quer chegar ao poder, mas anda há algum tempo a sonhar com “um outro PS”. Todos temos o direito ao sonho. No entanto o velho princípio da real politik obriga-nos a por os pés no chão e ler a realidade que temos. As pessoas e os líderes podem evoluir e mudar. Não sou ingénuo ao ponto de acreditar que o novo PS de Sócrates vai mudar radicalmente. Todavia, parece-me óbvio que a estratégia seguida pelo PS e o programa do futuro governo terão de adaptar-se às novas circunstâncias. E porventura saberão perceber o essencial: verificou-se uma reorientação do eleitorado à esquerda. Larga parte dos votos do BE saíram directamente do PS. As pessoas, sobretudo essas pessoas (ou seja, os cerca de 18% do BE e PCP somados), querem melhores políticas sociais, mais e melhor emprego, menos desigualdades e injustiças; querem ser reconhecidas e estimuladas no trabalho, no consumo e na sociedade; querem um sistema educativo de qualidade, com os professores motivados e os alunos a aprender; querem os jovens universitários com acesso ao emprego de qualidade. Mesmo reconhecendo as dificuldades de um compromisso à esquerda (PS+BE+CDU), a reorientação de algumas das áreas governativas mais polémicas terá de passar pela aproximação a posições que esses partidos da esquerda defendem desde há muito (e foi em parte por isso que cresceram). Fundamental é que a liderança do PS retire argumentos que justifiquem as habituais posições irredutiveis e de contra-poder. A política de navegação à vista, com a ginástica dos acordos pontuais no parlamento, poderá ser uma saída. Mas esse deve ser sempre o último recurso, porque, assim, a permanente instabilidade será incomportável.

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