Relances: “A Legalização do aborto livre é a passagem de uma fronteira decisiva”

19-12-2009
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Milhares de pessoas estão extremamente confusas quanto ao referendo ao aborto, pelo que urge fazer esclarecimentos. Assim o tenho procurado, aquando do referendo de 1998 e depois, mas agora, na iminência de igual iniciativa, é imprescindível intensificar as clarificações.Será útil sublinhar alguns aspectos de extrema actualidade. Depois de eu ter escrito o texto que se segue, a Comissão Europeia recomendou políticas pró-natalidade e a Alemanha já implementou medidas neste sentido.Neste âmbito, publica-se o texto que apresentei na Assembleia da República em 19 de Outubro de 2006, como Declaração de Voto aquando da votação deste referendo, ou seja do Projecto de Resolução nº 148/X/PS:Votei contra o Projecto de Resolução acima mencionado que “propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras dez semanas”, porque, em consciência, tenho profunda discordância quanto a este referendo, conforme pus a questão ao Secretário-Geral do PS quando ele me convidou para ser deputada independente à Assembleia da República, como cabeça de lista por Coimbra. O Senhor Eng. José Sócrates de pronto me respondeu compreender as minhas convicções, numa completa abertura de posições. Logo na campanha eleitoral expus as minhas opiniões sobre o tema, as quais foram muito bem acolhidas.Os referendos são bons apoios da democracia representativa que devem ser usados em assuntos de interesse nacional. Perante esta complexa situação, que se originou há muito, o referendo foi agora preferível à aprovação no Parlamento, dado que a actual composição da Câmara logo aprovaria a interrupção voluntária da gravidez (IVG). No entanto, tenho motivos para votar contra, porque não posso renunciar aos meus valores morais.Penso que o aborto não é um problema apenas religioso (essencialmente cristão e islâmico), nem de políticas de esquerda ou direita. É sobretudo uma questão de consciência, mas até um assunto pragmático, porque, como nos avisou José Gil: “Portugal arrisca-se a desaparecer na medida em que demograficamente pode haver uma diminuição da população…” Por razões práticas, desde recentemente, a Suécia e a França fomentam políticas pró-natalidade.José Vera Jardim, a propósito de “O Papel da Religião no Mundo Contemporâneo”, edição da Fundação Marquês de Pombal, Oeiras, 2001, disse que “o Estado deve criar condições legais e condições materiais para este fenómeno” (religioso em geral). Tais afirmações estão de acordo com o que proponho: adequada prevenção do aborto, apoio à maternidade, agilização da adopção (existem muito mais pedidos de adopção do que crianças adoptáveis), etc. Pretendo que se incentive uma cultura de afectos, essencial numa sociedade mais justa e solidária.O referendo não vai sequer resolver graves problemas das mulheres. Não quero ver mulheres nos tribunais e, para isso, é necessário alterar em profundidade a legislação, designadamente a dos anos 80 do século passado. Antes, faziam-se abortos em hospitais públicos, em Portugal, por indicação médica, nas situações consideradas trágicas e desculpabilizantes como violação, mal formação do feto, perigo de vida para a mãe, e sem tribunais. Enquanto não se altera a legislação, subscrevi um abaixo-assinado procurando que, pelo menos, se suspendam os julgamentos das mulheres que abortam.Este referendo (e o de 1998) pergunta simplesmente aos Portugueses se aceitam a legalização do aborto livre, pondo um prazo limite de dez semanas de gestação e a sua prática num estabelecimento de saúde legalmente autorizado. Transcrevo um texto de António Luciano de Sousa Franco, com o qual inteiramente concordo, a propósito do referendo de 1998: “A legalização do aborto livre – diferente de justificação ou desculpabilização de casos concretos – é a passagem de uma fronteira decisiva, representando um grosseiro recuo nessa protecção, que permite – como outrora na lei da selva – o domínio dos fortes sobre os fracos, dos que já estão na vida sobre os que vêm depois. Essa não é a sociedade humana que sempre idealizei”.Ao longo dos séculos, Portugal tem tido a coragem de se afirmar a nível mundial pelo Humanismo, sendo pioneiro nas abolições da escravatura e da pena de morte, vanguardista no apoio a crianças, na defesa e valorização das mulheres e nos cuidados para com os mais fracos em geral.Voto contra este Projecto de Resolução, inclusivamente porque gostava que, mais uma vez, Portugal se distinguisse agora por ser pioneiro mundial do Humanismo, numa renovada cultura a favor dos Valores e da Vida.Matilde Sousa FrancoDeputada do Partido Socialista


Milhares de pessoas estão extremamente confusas quanto ao referendo ao aborto, pelo que urge fazer esclarecimentos. Assim o tenho procurado, aquando do referendo de 1998 e depois, mas agora, na iminência de igual iniciativa, é imprescindível intensificar as clarificações.Será útil sublinhar alguns aspectos de extrema actualidade. Depois de eu ter escrito o texto que se segue, a Comissão Europeia recomendou políticas pró-natalidade e a Alemanha já implementou medidas neste sentido.Neste âmbito, publica-se o texto que apresentei na Assembleia da República em 19 de Outubro de 2006, como Declaração de Voto aquando da votação deste referendo, ou seja do Projecto de Resolução nº 148/X/PS:Votei contra o Projecto de Resolução acima mencionado que “propõe a realização de um referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da mulher nas primeiras dez semanas”, porque, em consciência, tenho profunda discordância quanto a este referendo, conforme pus a questão ao Secretário-Geral do PS quando ele me convidou para ser deputada independente à Assembleia da República, como cabeça de lista por Coimbra. O Senhor Eng. José Sócrates de pronto me respondeu compreender as minhas convicções, numa completa abertura de posições. Logo na campanha eleitoral expus as minhas opiniões sobre o tema, as quais foram muito bem acolhidas.Os referendos são bons apoios da democracia representativa que devem ser usados em assuntos de interesse nacional. Perante esta complexa situação, que se originou há muito, o referendo foi agora preferível à aprovação no Parlamento, dado que a actual composição da Câmara logo aprovaria a interrupção voluntária da gravidez (IVG). No entanto, tenho motivos para votar contra, porque não posso renunciar aos meus valores morais.Penso que o aborto não é um problema apenas religioso (essencialmente cristão e islâmico), nem de políticas de esquerda ou direita. É sobretudo uma questão de consciência, mas até um assunto pragmático, porque, como nos avisou José Gil: “Portugal arrisca-se a desaparecer na medida em que demograficamente pode haver uma diminuição da população…” Por razões práticas, desde recentemente, a Suécia e a França fomentam políticas pró-natalidade.José Vera Jardim, a propósito de “O Papel da Religião no Mundo Contemporâneo”, edição da Fundação Marquês de Pombal, Oeiras, 2001, disse que “o Estado deve criar condições legais e condições materiais para este fenómeno” (religioso em geral). Tais afirmações estão de acordo com o que proponho: adequada prevenção do aborto, apoio à maternidade, agilização da adopção (existem muito mais pedidos de adopção do que crianças adoptáveis), etc. Pretendo que se incentive uma cultura de afectos, essencial numa sociedade mais justa e solidária.O referendo não vai sequer resolver graves problemas das mulheres. Não quero ver mulheres nos tribunais e, para isso, é necessário alterar em profundidade a legislação, designadamente a dos anos 80 do século passado. Antes, faziam-se abortos em hospitais públicos, em Portugal, por indicação médica, nas situações consideradas trágicas e desculpabilizantes como violação, mal formação do feto, perigo de vida para a mãe, e sem tribunais. Enquanto não se altera a legislação, subscrevi um abaixo-assinado procurando que, pelo menos, se suspendam os julgamentos das mulheres que abortam.Este referendo (e o de 1998) pergunta simplesmente aos Portugueses se aceitam a legalização do aborto livre, pondo um prazo limite de dez semanas de gestação e a sua prática num estabelecimento de saúde legalmente autorizado. Transcrevo um texto de António Luciano de Sousa Franco, com o qual inteiramente concordo, a propósito do referendo de 1998: “A legalização do aborto livre – diferente de justificação ou desculpabilização de casos concretos – é a passagem de uma fronteira decisiva, representando um grosseiro recuo nessa protecção, que permite – como outrora na lei da selva – o domínio dos fortes sobre os fracos, dos que já estão na vida sobre os que vêm depois. Essa não é a sociedade humana que sempre idealizei”.Ao longo dos séculos, Portugal tem tido a coragem de se afirmar a nível mundial pelo Humanismo, sendo pioneiro nas abolições da escravatura e da pena de morte, vanguardista no apoio a crianças, na defesa e valorização das mulheres e nos cuidados para com os mais fracos em geral.Voto contra este Projecto de Resolução, inclusivamente porque gostava que, mais uma vez, Portugal se distinguisse agora por ser pioneiro mundial do Humanismo, numa renovada cultura a favor dos Valores e da Vida.Matilde Sousa FrancoDeputada do Partido Socialista

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