O Cachimbo de Magritte: Crónicas da Renascença

25-01-2011
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Marcelo Rebelo de Sousa terminou há uma semana o seu programa na RTP1. Depois de ter mantido durante vários anos um formato semelhante na TVI e o célebre Exame na TSF, em que dava notas aos protagonistas da política nacional e internacional, eis um caso único de popularidade nos media portugueses. Há duas décadas que os comentários dominicais do "Professor" fazem invariavelmente opinião nos jornais, tertúlias e conversas de café do dia seguinte. A que se deve tamanho sucesso?Podemos atribuí-lo aos talentos combinados de comunicador e pedagogo, à arte de simplificar e dramatizar ao mesmo tempo a análise, à autoridade simultânea de catedrático de Direito e antigo (ou futuro, nunca se sabe) político, ao facto de ser um "espectador comprometido", na fórmula célebre de Raymond Aron.Mas isso seria ficar pela brilhante superfície do fenómeno. Talvez haja uma explicação mais profunda. Marcelo surge no espaço radiofónico e televisivo em finais da década de 80, quando a política portuguesa abandonava aos poucos o radicalismo revolucionário. O último grande confronto entre a esquerda e a direita terá sido a segunda volta das presidenciais de 82, que opôs Mário Soares a Freitas do Amaral e dividiu o país ao meio. Era fácil aos eleitores escolher uma trincheira. As maiorias absolutas de Cavaco vieram baralhar as coisas, consagrando o mítico centrão como destinatário principal do discurso dos partidos com aspirações ao poder. Entretanto, aderimos à União Europeia e a margem de manobra ideológica dos governos reduziu-se a uma gestão da realidade cada vez mais técnica e especializada.Tudo isto afastou o cidadão comum da política. Longe dos novos dramas da vida pública, até aí servidos pelos jornais e a preto e branco, os portugueses voltaram-se para o admirável mundo da televisão a cores. É então que aparece Marcelo, saltando dos semanários para a rádio e da rádio para o ecrã. O êxito foi imediato porque respondia a uma necessidade colectiva: dar à maioria uma narrativa inteligível do labirinto em que circulavam agora os poderosos. Ele tornou-se um mediador entre o grande público e os meandros por vezes obscuros da política, da justiça ou da economia. Sem Marcelo Rebelo de Sousa, e sem muitos outros que fazem comentário político na comunicação social, a nossa democracia seria menos nossa e menos democracia. (7 Março 2010)


Marcelo Rebelo de Sousa terminou há uma semana o seu programa na RTP1. Depois de ter mantido durante vários anos um formato semelhante na TVI e o célebre Exame na TSF, em que dava notas aos protagonistas da política nacional e internacional, eis um caso único de popularidade nos media portugueses. Há duas décadas que os comentários dominicais do "Professor" fazem invariavelmente opinião nos jornais, tertúlias e conversas de café do dia seguinte. A que se deve tamanho sucesso?Podemos atribuí-lo aos talentos combinados de comunicador e pedagogo, à arte de simplificar e dramatizar ao mesmo tempo a análise, à autoridade simultânea de catedrático de Direito e antigo (ou futuro, nunca se sabe) político, ao facto de ser um "espectador comprometido", na fórmula célebre de Raymond Aron.Mas isso seria ficar pela brilhante superfície do fenómeno. Talvez haja uma explicação mais profunda. Marcelo surge no espaço radiofónico e televisivo em finais da década de 80, quando a política portuguesa abandonava aos poucos o radicalismo revolucionário. O último grande confronto entre a esquerda e a direita terá sido a segunda volta das presidenciais de 82, que opôs Mário Soares a Freitas do Amaral e dividiu o país ao meio. Era fácil aos eleitores escolher uma trincheira. As maiorias absolutas de Cavaco vieram baralhar as coisas, consagrando o mítico centrão como destinatário principal do discurso dos partidos com aspirações ao poder. Entretanto, aderimos à União Europeia e a margem de manobra ideológica dos governos reduziu-se a uma gestão da realidade cada vez mais técnica e especializada.Tudo isto afastou o cidadão comum da política. Longe dos novos dramas da vida pública, até aí servidos pelos jornais e a preto e branco, os portugueses voltaram-se para o admirável mundo da televisão a cores. É então que aparece Marcelo, saltando dos semanários para a rádio e da rádio para o ecrã. O êxito foi imediato porque respondia a uma necessidade colectiva: dar à maioria uma narrativa inteligível do labirinto em que circulavam agora os poderosos. Ele tornou-se um mediador entre o grande público e os meandros por vezes obscuros da política, da justiça ou da economia. Sem Marcelo Rebelo de Sousa, e sem muitos outros que fazem comentário político na comunicação social, a nossa democracia seria menos nossa e menos democracia. (7 Março 2010)

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