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27-12-2009
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Soma e Segue Nem Cristãos, nem Socialistas, nem Humanistas, mas simples adoradores vendidos ao bezerro de ouro«Reforma só se estiver a morrer» * Sara Marques Um cancro roubou-lhe o intestino e obrigou-a a viver com um saco preso à barriga, por onde saem as fezes, sem que tenha controlo sobre elas. Pediu aposentação, mas junta médica diz que professora «não reúne as condições necessárias»MAIS:Escola diz que docente precisa de horário flexívelMaria da Conceição Ferrão tem 57 anos e passou mais de metade da vida a dar aulas. Há dez anos, um cancro no cólon obrigou-a a uma operação em que lhe retiraram parte do intestino e que lhe mudou a vida. Fez quimio e radioterapia e vive com um saco colector preso à barriga, por onde lhe saem as fezes, sem que tenha qualquer controlo sobre elas. Juntas médicas declararam-na incapaz para exercer funções docentes, mas quando pediu aposentação, responderam que «não reúne as condições necessárias».Com a serenidade de quem já vive nesta situação há 10 anos, a docente contou ao PortugalDiário a sua história. Em 1997 foi-lhe diagnosticado um cancro no cólon e foi submetida a uma colostomia, uma cirurgia em que lhe retiram parte do intestino e lhe coseram o ânus. Desde então vive com um saco colector preso à barriga, do lado de fora, por onde saem as fezes.«Por não haver músculo, não tenho controlo sobre a saída das fezes. É como se fosse incontinente», conta. O saco vai enchendo e tem de ser trocado várias vezes, situação que se agrava quando tem descargas intestinais, cerca de uma vez por semana, altura em que «o saco enche de imediato, chegando por vezes a rebentar», sem aviso prévio, nem forma de evitar.«Esteja onde estiver, tenho de voltar para casa e tomar banho», explicou. Depois, sente uma «enorme exaustão» e precisa de se deitar para descansar. «É difícil por isso cumprir horários, porque os intestinos não os têm», lamentou.A docente conta que, devido a este problema, já teve de passar mais de uma hora na casa de banho a trocar os sacos e foram muitas as vezes em que foi trabalhar de manhã e teve de voltar a casa para tomar banho e trocar de roupa.Além disso, conta que também não tem controlo sobre a saída de gases, sendo que ocorrem em qualquer sítio, mesmo em frente aos alunos. «Trabalho com alunos de 10/11 anos, que, por isso, não têm problema em dizer que a professora cheira mal», conta.Apesar das restrições que a doença lhe provoca, só em 2006 pediu a aposentação. «Tive dois anos de licença que a lei permite e, quando voltei, uma junta médica da Direcção Regional de Educação declarou que eu tinha 80 por cento de incapacidade e, por isso, dispensou-me totalmente da componente lectiva». Assim, Maria da Conceição cumpria 20 horas semanais na escola sem ter turmas a seu cargo, mas sempre trabalhando com alunos. Esteve colocada na biblioteca, em apoio a alunos com necessidades especiais e grupos de estudo acompanhado.De seis em seis meses era submetida a juntas médicas de rotina, mas o parecer era sempre o mesmo, «incapacidade para exercer funções docentes». Ainda assim, nos últimos anos, passou a ser obrigada a cumprir 35 horas semanais. «Entro às 9.15 e saio às 5 ou 6 horas. Na minha situação é muito cansativo», explicou. Passados quatro anos, em Dezembro de 2006, pediu a aposentação.«Nem sei se eram médicos»Foi presente a uma junta médica em Coimbra, que não demorou muito a decidir. «Perguntaram-me o nome e a idade. Dei-lhes o relatório da médica de oncologia que me acompanha no IPO, que leram atentamente. Depois perguntaram-me os motivos que me levaram a pedir a aposentação. Disse-lhes que era colostomizada, mas acho que eles nem perceberam o que isso é, nem sei sequer se eram médicos. Puseram uma cruz à frente do meu nome e mandaram-me embora».Maria da Conceição nem duvidou que teria a reforma antecipada. Mas não foi isso o que aconteceu. Algum tempo depois, a escola recebeu um relatório da junta médica que dizia que a docente «não reunia condições para a aposentação». Maria da Conceição não esconde a revolta. «Só dão a aposentação a quem está às portas da morte». «Parece que o Estado se esqueceu de que tenho 33 anos de serviço», desabafa. Agora, vai esperar nove meses para poder voltar a pedir a aposentação.Contactado pelo PortugalDiário, o presidente do Conselho Executivo da Escola EB 2/3 Dr João de Barros, na Figueira da Foz, onde lecciona Maria da Conceição Ferrão, admite que a docente «precisa de um horário mais flexível».«Devido ao problema de saúde que tem, por ter de trocar o saco várias vezes, devia ter um horário flexível que, para já, não é permitido», afirmou Adelino Matos, que adiantou que «a escola está a cumprir o que está estipulado na lei. Não podemos fazer mais nada».O responsável preferiu não se pronunciar sobre o pedido de aposentação, por considerar que «os médicos é que devem avaliar».Maria da Conceição Ferrão, explicou que o presidente do conselho executivo chegou mesmo a aconselha-la a fazer uma exposição à ministra da Educação, para pedir a flexibilização do horário. A docente está ainda a decidir se vai avançar ou não com esse pedido, por temer que possa atrapalhar o processo de aposentação.Apesar de considerar que «é bom continuar a trabalhar», já que lhe permite abstrair-se um pouco da doença, reconhece que não aguenta trabalhar tantas horas nesta situaçãoIn Portugal Diário 2007.07.16 http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=832492 Quadro; Hieronymus Bosch (c. 1450-1516). A Morte e o Avarento (c. 1490). Óleo na madeira (93 x 31 cm) - National Gallery of Art, WashingtonApesar de pertencer a outro tempo, Bosch olha para trás e retrata temas medievais, embora com perspectiva distinta. Na cena, um anjo suplicante (à direita) intercede junto à luz de Cristo pela alma do avaro que, mesmo em seu leito de morte, recebe de um monstro o lucro sujo de sua usura. Repare na face macilenta da morte, vestida de branco e portando uma fina seta, e nos estranhos seis seres que espreitam a cena, desde o anjo maléfico de negro acima da capa, até o homem-rato que recebe a moeda do contador do usurário no cofre. Observe que mesmo com todo o ambiente sinistro da pintura, ainda há esperança para o avaro, coisa impensável trezentos anos antes. Cique na imagem para ver com mais pormenorArtigos relacionados: Cancro: professora confiante na reformaMorrer a trabalharResponsável por juntas médicas não teve dúvidasPor que foi recusada a reforma aos professoresProfessor morreu a trabalharArtur Silva: DREN diz ter feito o que podia


Soma e Segue Nem Cristãos, nem Socialistas, nem Humanistas, mas simples adoradores vendidos ao bezerro de ouro«Reforma só se estiver a morrer» * Sara Marques Um cancro roubou-lhe o intestino e obrigou-a a viver com um saco preso à barriga, por onde saem as fezes, sem que tenha controlo sobre elas. Pediu aposentação, mas junta médica diz que professora «não reúne as condições necessárias»MAIS:Escola diz que docente precisa de horário flexívelMaria da Conceição Ferrão tem 57 anos e passou mais de metade da vida a dar aulas. Há dez anos, um cancro no cólon obrigou-a a uma operação em que lhe retiraram parte do intestino e que lhe mudou a vida. Fez quimio e radioterapia e vive com um saco colector preso à barriga, por onde lhe saem as fezes, sem que tenha qualquer controlo sobre elas. Juntas médicas declararam-na incapaz para exercer funções docentes, mas quando pediu aposentação, responderam que «não reúne as condições necessárias».Com a serenidade de quem já vive nesta situação há 10 anos, a docente contou ao PortugalDiário a sua história. Em 1997 foi-lhe diagnosticado um cancro no cólon e foi submetida a uma colostomia, uma cirurgia em que lhe retiram parte do intestino e lhe coseram o ânus. Desde então vive com um saco colector preso à barriga, do lado de fora, por onde saem as fezes.«Por não haver músculo, não tenho controlo sobre a saída das fezes. É como se fosse incontinente», conta. O saco vai enchendo e tem de ser trocado várias vezes, situação que se agrava quando tem descargas intestinais, cerca de uma vez por semana, altura em que «o saco enche de imediato, chegando por vezes a rebentar», sem aviso prévio, nem forma de evitar.«Esteja onde estiver, tenho de voltar para casa e tomar banho», explicou. Depois, sente uma «enorme exaustão» e precisa de se deitar para descansar. «É difícil por isso cumprir horários, porque os intestinos não os têm», lamentou.A docente conta que, devido a este problema, já teve de passar mais de uma hora na casa de banho a trocar os sacos e foram muitas as vezes em que foi trabalhar de manhã e teve de voltar a casa para tomar banho e trocar de roupa.Além disso, conta que também não tem controlo sobre a saída de gases, sendo que ocorrem em qualquer sítio, mesmo em frente aos alunos. «Trabalho com alunos de 10/11 anos, que, por isso, não têm problema em dizer que a professora cheira mal», conta.Apesar das restrições que a doença lhe provoca, só em 2006 pediu a aposentação. «Tive dois anos de licença que a lei permite e, quando voltei, uma junta médica da Direcção Regional de Educação declarou que eu tinha 80 por cento de incapacidade e, por isso, dispensou-me totalmente da componente lectiva». Assim, Maria da Conceição cumpria 20 horas semanais na escola sem ter turmas a seu cargo, mas sempre trabalhando com alunos. Esteve colocada na biblioteca, em apoio a alunos com necessidades especiais e grupos de estudo acompanhado.De seis em seis meses era submetida a juntas médicas de rotina, mas o parecer era sempre o mesmo, «incapacidade para exercer funções docentes». Ainda assim, nos últimos anos, passou a ser obrigada a cumprir 35 horas semanais. «Entro às 9.15 e saio às 5 ou 6 horas. Na minha situação é muito cansativo», explicou. Passados quatro anos, em Dezembro de 2006, pediu a aposentação.«Nem sei se eram médicos»Foi presente a uma junta médica em Coimbra, que não demorou muito a decidir. «Perguntaram-me o nome e a idade. Dei-lhes o relatório da médica de oncologia que me acompanha no IPO, que leram atentamente. Depois perguntaram-me os motivos que me levaram a pedir a aposentação. Disse-lhes que era colostomizada, mas acho que eles nem perceberam o que isso é, nem sei sequer se eram médicos. Puseram uma cruz à frente do meu nome e mandaram-me embora».Maria da Conceição nem duvidou que teria a reforma antecipada. Mas não foi isso o que aconteceu. Algum tempo depois, a escola recebeu um relatório da junta médica que dizia que a docente «não reunia condições para a aposentação». Maria da Conceição não esconde a revolta. «Só dão a aposentação a quem está às portas da morte». «Parece que o Estado se esqueceu de que tenho 33 anos de serviço», desabafa. Agora, vai esperar nove meses para poder voltar a pedir a aposentação.Contactado pelo PortugalDiário, o presidente do Conselho Executivo da Escola EB 2/3 Dr João de Barros, na Figueira da Foz, onde lecciona Maria da Conceição Ferrão, admite que a docente «precisa de um horário mais flexível».«Devido ao problema de saúde que tem, por ter de trocar o saco várias vezes, devia ter um horário flexível que, para já, não é permitido», afirmou Adelino Matos, que adiantou que «a escola está a cumprir o que está estipulado na lei. Não podemos fazer mais nada».O responsável preferiu não se pronunciar sobre o pedido de aposentação, por considerar que «os médicos é que devem avaliar».Maria da Conceição Ferrão, explicou que o presidente do conselho executivo chegou mesmo a aconselha-la a fazer uma exposição à ministra da Educação, para pedir a flexibilização do horário. A docente está ainda a decidir se vai avançar ou não com esse pedido, por temer que possa atrapalhar o processo de aposentação.Apesar de considerar que «é bom continuar a trabalhar», já que lhe permite abstrair-se um pouco da doença, reconhece que não aguenta trabalhar tantas horas nesta situaçãoIn Portugal Diário 2007.07.16 http://www.portugaldiario.iol.pt/noticia.php?id=832492 Quadro; Hieronymus Bosch (c. 1450-1516). A Morte e o Avarento (c. 1490). Óleo na madeira (93 x 31 cm) - National Gallery of Art, WashingtonApesar de pertencer a outro tempo, Bosch olha para trás e retrata temas medievais, embora com perspectiva distinta. Na cena, um anjo suplicante (à direita) intercede junto à luz de Cristo pela alma do avaro que, mesmo em seu leito de morte, recebe de um monstro o lucro sujo de sua usura. Repare na face macilenta da morte, vestida de branco e portando uma fina seta, e nos estranhos seis seres que espreitam a cena, desde o anjo maléfico de negro acima da capa, até o homem-rato que recebe a moeda do contador do usurário no cofre. Observe que mesmo com todo o ambiente sinistro da pintura, ainda há esperança para o avaro, coisa impensável trezentos anos antes. Cique na imagem para ver com mais pormenorArtigos relacionados: Cancro: professora confiante na reformaMorrer a trabalharResponsável por juntas médicas não teve dúvidasPor que foi recusada a reforma aos professoresProfessor morreu a trabalharArtur Silva: DREN diz ter feito o que podia

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