AS QUESTÕES ÉTICAS NOS CUIDADOS DE SAÚDE ( )

25-05-2011
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AS QUESTÕES ÉTICAS NOS CUIDADOS DE SAÚDE (5)

Muitos de nós não passamos de meros prescritores de remédios, tratadores de números e não de pessoas, colesteróis, ácidos úricos e tensões arteriais, sem a mais pequena preocupação de avaliar a pessoa no seu todo e em toda a dimensão e profundidade do seu problema. A hipertensão arterial, por exemplo, fenómeno extremamente complexo, é frequentemente encarada com a mesma simplista filosofia com que se olha a pressão dos pneus. Muitos de nós não passamos de meros inventores de falsas doenças e executores de duvidosas intervenções, impostas de forma irreflectida pelos resultados dos abusivos exames subsidiários que se requisitam sem critério e sem critérios. Falsas doenças criadas pela má execução e interpretação dos exames ou pela nossa incapacidade em distinguir o essencial do secundário, valorizando achados que no contexto global não têm grande significado patológico e menosprezando, tantas vezes, situações graves.

Sem desvirtuar, repito, o grande papel da indústria na saúde, não nos restam dúvidas de que os dois principais agentes deste fracasso e deste lamentável desvio da correcta aplicação dos meios de diagnóstico e terapêutica são a ganância doentia do ultramonetarismo que também invadiu o humanitário campo da assistência, e a irresponsabilidade médica. Só a competência médica, a sua relativa mas digna independência e a consciência do poder que tem na criação da autêntica saúde social, podem fazer ver ao universo de uma boa parte de políticos e empresários que a sua grande vantagem está numa conjuntura sem expressão, num quadro sem cores, num mar sem ondas de moral e de escrúpulos, que anulam a dignidade, fundindo fins e princípios numa amálgama que não carece de percurso. Todos, de uma forma ou de outra, somos fautores e vítimas deste comportamento inglório, criadores de um desenvolvimento mal definido, mal identificado e mal planificado, mal conduzido pela mediocridade interpretativa e previsional do “homem de acção” que se sente, em qualquer campo, atraído pelo primeiro lugar. Estes pseudo-progressos e duvidosos desenvolvimentos que o dinheiro e o poder impõem como dogmáticos, são os principais factores de apagamento da suprema imagem que está no horizonte do nosso trabalho: o doente.

Nenhuma das indústrias vai deixar de cumprir o seu papel, com o viciado argumento, mais ou menos compreensível, de que são elas as construtoras da riqueza e da, praticamente única, investigação. Esse argumento não constitui nem pode constituir um meio de coacção no aliciamento dos médicos para a interpretação de papéis, nem sempre dignos, no duvidoso palco das encenações científicas. Médicos nem sempre fáceis pela sua menos elevada hierarquia, nem sempre difíceis pela sua cimeira postura. O valor moral e ético da profissão médica não pode confundir-se com nada disto. O médico tem uma posição privilegiada para ser exemplo, exemplo que até pode ajudar a fazer reflectir e a flectir para o lado mais justo os poderosos que sobre ele exercem pressões menos correctas. O valor moral e ético da profissão médica não se restringe, sequer, ao valor ético da saúde. O valor do médico e do seu acto ultrapassa o valor moral da própria vida. (Continua)

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AS QUESTÕES ÉTICAS NOS CUIDADOS DE SAÚDE (5)

Muitos de nós não passamos de meros prescritores de remédios, tratadores de números e não de pessoas, colesteróis, ácidos úricos e tensões arteriais, sem a mais pequena preocupação de avaliar a pessoa no seu todo e em toda a dimensão e profundidade do seu problema. A hipertensão arterial, por exemplo, fenómeno extremamente complexo, é frequentemente encarada com a mesma simplista filosofia com que se olha a pressão dos pneus. Muitos de nós não passamos de meros inventores de falsas doenças e executores de duvidosas intervenções, impostas de forma irreflectida pelos resultados dos abusivos exames subsidiários que se requisitam sem critério e sem critérios. Falsas doenças criadas pela má execução e interpretação dos exames ou pela nossa incapacidade em distinguir o essencial do secundário, valorizando achados que no contexto global não têm grande significado patológico e menosprezando, tantas vezes, situações graves.

Sem desvirtuar, repito, o grande papel da indústria na saúde, não nos restam dúvidas de que os dois principais agentes deste fracasso e deste lamentável desvio da correcta aplicação dos meios de diagnóstico e terapêutica são a ganância doentia do ultramonetarismo que também invadiu o humanitário campo da assistência, e a irresponsabilidade médica. Só a competência médica, a sua relativa mas digna independência e a consciência do poder que tem na criação da autêntica saúde social, podem fazer ver ao universo de uma boa parte de políticos e empresários que a sua grande vantagem está numa conjuntura sem expressão, num quadro sem cores, num mar sem ondas de moral e de escrúpulos, que anulam a dignidade, fundindo fins e princípios numa amálgama que não carece de percurso. Todos, de uma forma ou de outra, somos fautores e vítimas deste comportamento inglório, criadores de um desenvolvimento mal definido, mal identificado e mal planificado, mal conduzido pela mediocridade interpretativa e previsional do “homem de acção” que se sente, em qualquer campo, atraído pelo primeiro lugar. Estes pseudo-progressos e duvidosos desenvolvimentos que o dinheiro e o poder impõem como dogmáticos, são os principais factores de apagamento da suprema imagem que está no horizonte do nosso trabalho: o doente.

Nenhuma das indústrias vai deixar de cumprir o seu papel, com o viciado argumento, mais ou menos compreensível, de que são elas as construtoras da riqueza e da, praticamente única, investigação. Esse argumento não constitui nem pode constituir um meio de coacção no aliciamento dos médicos para a interpretação de papéis, nem sempre dignos, no duvidoso palco das encenações científicas. Médicos nem sempre fáceis pela sua menos elevada hierarquia, nem sempre difíceis pela sua cimeira postura. O valor moral e ético da profissão médica não pode confundir-se com nada disto. O médico tem uma posição privilegiada para ser exemplo, exemplo que até pode ajudar a fazer reflectir e a flectir para o lado mais justo os poderosos que sobre ele exercem pressões menos correctas. O valor moral e ético da profissão médica não se restringe, sequer, ao valor ético da saúde. O valor do médico e do seu acto ultrapassa o valor moral da própria vida. (Continua)

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