PONTE DO SOR: "E AGORA JOSÉ?"

28-05-2010
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José Miguel Júdice suicidou a Ordem dos Advogados na sexta-feira. Temerário, arrogante, inconveniente, arrebatado, entrou no Templo para ser devorado pelos leões mas de repasto passou a devorador.Recusou a proposta de um falso perdão e incendiou a Justiça portuguesa. Depois deste julgamento nada será como dantes. Nem na advocacia nem nos tribunais. Porque o contra-ataque de Júdice aos seus acusadores foi sobretudo uma acusação ao sistema de funcionamento da justiça portuguesa. Só uma elevada dose de miopia pode ter impedido alguém de prever que julgar Júdice, nos termos em que foi feito, seria o mesmo que expor a Ordem dos Advogados ao ridículo. Porque, no mínimo, o seu exercício como bastonário demonstrou aos mais desatentos a sua coragem, a sua frontalidade, a sua capacidade de criar rupturas e de ser acutilante, a sua seriedade e preocupação em melhorar a justiça. E por isso, jamais se poderia esperar dele que aceitasse a ignomínia do perdão de uma culpa que, julgando ele não a ter, o considerava inconsciente da lei pela qual ele próprio teve a obrigação de zelar enquanto bastonário. E ninguém poderia esperar outra coisa dele que não fosse a deposição do colar de Bastonário da Ordem depois de ter sido condenado, em segunda acusação, e suspenso da actividade de advogado por quatro meses e quinze dias. Porém, se Júdice não é um causídico domesticável também não é um anjo nos infernos. A forma como defendeu o seu caso, a recusa em restringir a sua argumentação aos tópicos e ao tempo definido pelos julgadores, a amplitude de expressões e de metáforas que usou, só se explica pela liberdade especial de que usufrui talvez como mais ninguém na advocacia. Porque Júdice já não depende da sua profissão para viver e porque ganhou uma estatura mediática que a poucos assiste.Júdice respira mediatismo e conforto financeiro e, com o julgamento, expande a sua notoriedade. Porém, são mesquinhos aqueles que julgarem que ele se move por interesse comercial. Só pode pensar assim quem assim actua. Só pode julgar assim quem não alcança nem sonha que possa existir quem pense e exprima uma visão de mudança para todos. Deste modo, verdadeiramente, o que esteve em julgamento na sexta-feira foi o Portugal detestável e bafiento, o País dos salamaleques e do reumático, o País que condena por inércia e só existe por formalismo. De que outro modo poderemos explicar que os julgadores abandonassem o julgamento, feridos na sua majestade, incapazes de assumir a consequência de terem convocado o exercício da justiça, melindrados, susceptíveis, ofendidos, violentados pelo exercício da palavra do acusado? De que outro modo poderemos compreender que o acusado ficasse virado para as cadeiras intempestivamente vazias continuando a defender-se diante de nenhum juiz e de costas para uma imensa audiência de advogados? Se algum crime pode ser imputado a Júdice é apenas o da vaidade. Mas esse pecado fundamental, diante da galeria dos horrores que ele, enquanto bastonário, em bom tempo denunciou, é afinal de contas uma virtude. Eduardo M.

José Miguel Júdice suicidou a Ordem dos Advogados na sexta-feira. Temerário, arrogante, inconveniente, arrebatado, entrou no Templo para ser devorado pelos leões mas de repasto passou a devorador.Recusou a proposta de um falso perdão e incendiou a Justiça portuguesa. Depois deste julgamento nada será como dantes. Nem na advocacia nem nos tribunais. Porque o contra-ataque de Júdice aos seus acusadores foi sobretudo uma acusação ao sistema de funcionamento da justiça portuguesa. Só uma elevada dose de miopia pode ter impedido alguém de prever que julgar Júdice, nos termos em que foi feito, seria o mesmo que expor a Ordem dos Advogados ao ridículo. Porque, no mínimo, o seu exercício como bastonário demonstrou aos mais desatentos a sua coragem, a sua frontalidade, a sua capacidade de criar rupturas e de ser acutilante, a sua seriedade e preocupação em melhorar a justiça. E por isso, jamais se poderia esperar dele que aceitasse a ignomínia do perdão de uma culpa que, julgando ele não a ter, o considerava inconsciente da lei pela qual ele próprio teve a obrigação de zelar enquanto bastonário. E ninguém poderia esperar outra coisa dele que não fosse a deposição do colar de Bastonário da Ordem depois de ter sido condenado, em segunda acusação, e suspenso da actividade de advogado por quatro meses e quinze dias. Porém, se Júdice não é um causídico domesticável também não é um anjo nos infernos. A forma como defendeu o seu caso, a recusa em restringir a sua argumentação aos tópicos e ao tempo definido pelos julgadores, a amplitude de expressões e de metáforas que usou, só se explica pela liberdade especial de que usufrui talvez como mais ninguém na advocacia. Porque Júdice já não depende da sua profissão para viver e porque ganhou uma estatura mediática que a poucos assiste.Júdice respira mediatismo e conforto financeiro e, com o julgamento, expande a sua notoriedade. Porém, são mesquinhos aqueles que julgarem que ele se move por interesse comercial. Só pode pensar assim quem assim actua. Só pode julgar assim quem não alcança nem sonha que possa existir quem pense e exprima uma visão de mudança para todos. Deste modo, verdadeiramente, o que esteve em julgamento na sexta-feira foi o Portugal detestável e bafiento, o País dos salamaleques e do reumático, o País que condena por inércia e só existe por formalismo. De que outro modo poderemos explicar que os julgadores abandonassem o julgamento, feridos na sua majestade, incapazes de assumir a consequência de terem convocado o exercício da justiça, melindrados, susceptíveis, ofendidos, violentados pelo exercício da palavra do acusado? De que outro modo poderemos compreender que o acusado ficasse virado para as cadeiras intempestivamente vazias continuando a defender-se diante de nenhum juiz e de costas para uma imensa audiência de advogados? Se algum crime pode ser imputado a Júdice é apenas o da vaidade. Mas esse pecado fundamental, diante da galeria dos horrores que ele, enquanto bastonário, em bom tempo denunciou, é afinal de contas uma virtude. Eduardo M.

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