NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI: RENASCIMENTO LUSITANO – PRIMEIRO MANIFESTO, DE TEIXEIRA DE PASCOAES (PARA UM PAIDEUMA TEÓRICO, I)

24-12-2009
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Na reunião de Coimbra em 1911, ficou Teixeira de Pascoaes encarregado de redigir um manifesto ao país com os intuitos da «Renascença».AO POVO PORTUGUÊS. A «RENASCENÇA LUSITANA» *Estas palavras que dirigimos ao Povo Português têm por fim revelar-lhe qual será a obra patriótica da Renascença Lusitana – , obra em que devem colaborar todos os homens de boa vontade.A Renascença Lusitana é uma associação de indivíduos cheios de esperança e fé na nossa Raça, na sua originalidade profunda, no seu poder criador de uma nova civilização. Esta fé e esta esperança não resultam de uma ilusão patriótica, mas do conhecimento verdadeiro da alma lusitana, a qual devido a influências estrangeiras de natureza política, artística, literária e sobretudo religiosa, se tem adulterado nos últimos séculos da nossa História, perdendo o seu carácter, a sua fisionomia original e, portanto, as suas forças criadoras e progressivas.O fim da Renascença Lusitana é combater as influências contrárias ao nosso carácter étnico, inimigas da nossa autonomia espiritual e provocar, por todos os meios de que se serve a inteligência humana, o aparecimento de novas forças morais orientadoras e educadoras do povo, que sejam essencialmente lusitanas, para que a alma desta bela Raça ressurja com as qualidades que lhe pertencem por nascimento, as quais, na Idade Média, lhe revelaram os segredos dos mares, de novas constelações e novas terras, e, de futuro, lhe deverão desvendar os mistérios dessa nova vida social mais bela, mais justa e mais perfeita.Logo que a alma portuguesa se encontre a si própria, reaverá as antigas energias e realizará a sua civilização.Sonho belo, mas quimérico? Não! Descobrem-se já na alma da nossa Raça alvoroçantes sintomas de renascença. O seu esforço de 5 de Outubro foi o despontar da sua heroicidade que dir-se-ia morta para sempre; foi um sinal de abnegação; houve vidas sacrificadas à Vida.A sombra de Nun’Álvares saiu do túmulo e vagueou nas ruas de Lisboa; sulcaram o Tejo fantasmas de caravelas em demanda da Índia Ideal, essa Índia que fica em pleno mar do nosso sonho.Admiráveis presságios! Já brilha a estrela da nova Manhã! Chegou, na verdade, o momento divino de todos os bons portugueses colaborarem na grande obra da nossa Renascença! O morto estremeceu, ao sentir o primeiro hálito de vida. Abramos-lhe a tampa do sepulcro! Eis a nossa obra, a obra do nosso amor e da nossa fé.Este apelo que fazemos aos portugueses, por isso mesmo que nos sai da alma, há-de ser ouvido. E a Renascença Lusitana, neste instante em que apresenta ao povo a sagrada ideia que a anima, espera firmemente que se reúnam em volta dela todas as almas esperançosas que sentem em si o germinar de uma nova vida, o acordar dum novo alento criador de beleza, de justiça e de bondade, os três elementos constitutivos de uma verdadeira civilização.Não se exige que se seja artista ou poeta ou sábio para trabalhar nesta obra; tal coisa seria de um exclusivismo ridículo. Todo aquele que acreditar no renascimento lusitano, todo aquele que nos trouxer um clarão de esperança, será recebido de braços abertos como leal e firme camarada.Estas palavras, como já fica dito, têm por fim mostrar ao povo português qual a ideia que inspira a Renascença Lusitana. Essa ideia, repetimos é reintegrar a alma da nossa Raça na sua pureza essencial, revelar o que ela é na sua intimidade e natureza originária, para que tome conta de si própria, e se torne activa e criadora, e realize, enfim, o seu destino civilizador.Temos, portanto, em vista: dar ao povo uma educação lusitana e não estrangeira; uma arte e uma literatura que sejam lusitanas, e uma religião no seu sentido mais elevado e filosófico, que seja também lusitana.Com efeito, quem surpreender a alma portuguesa, nas suas manifestações sentimentais mais íntimas e delicadas, vê que existe nela, embora sob uma forma difusa e caótica, a matéria de uma nova religião, tornando-se a palavra religião como querendo significar a ansiedade poética das almas para a perfeição moral, para a beleza eterna, para o mistério da Vida… Ora a alma portuguesa sente esta ansiedade de uma maneira própria e original, o que se nota facilmente analisando os cantos populares, as lendas, a linguagem do povo, a obra de alguns poetas e artistas e, sobretudo, a suprema criação sentimental da Raça – a Saudade!Sim: na alma lusitana há a névoa duma nova religião; e por isso, o catolicismo, importado de Roma, jamais se tornou português, como se tornou espanhol, por exemplo. Todavia, em virtude da insistência com que tem sido cultivado em Portugal, concorreu para desnaturar o nosso carácter; é necessário, portanto, combatê-lo, como a todos os inimigos invasores, ou sejam de casta pedagógica, artística, literária, religiosa ou filosófica.Esta luta, assim como a obra reconstrutiva da Renascença Lusitana será feita, além de outros meios, por meio de conferências, livros e duma revista de literatura, filosofia, ciência, crítica social, etc, que se intitulará A Águia e será o órgão da sociedade.Eis a obra a que vamos dedicar o melhor da nossa actividade e todo o nosso entusiasmo, esperando o concurso dos bons portugueses.Bem sabemos que é uma obra enorme. Mas é preciso que alguém lhe dê o primeiro impulso. Outros, mais fortes do que nós, terão a glória de a concluir.Ao ser [este manifesto] levado para Lisboa, o seu autor acrescentou o seguinte [texto].Diremos, de passagem, que consideramos como os grandes factores do nosso renascimento, a Higiene e a Arte.Por aquela atingiremos a harmonia física, e por esta a harmonia espiritual.A Ginástica encerra tanta virtude como a Arte Poética. A guerra ao álcool, ao tabaco, à alimentação carnívora, por exemplo, é uma guerra santa e confunde-se com a glorificação da Beleza moral, com a apoteose dos sentimentos e das ideias mais puras e transcendentes.A Íliada e os Jogos Olímpicos!Teixeira de Pascoaes* Manifesto publicado n’A Vida Portuguesa, nº 22, de 10 de Fevereiro de 1914.


Na reunião de Coimbra em 1911, ficou Teixeira de Pascoaes encarregado de redigir um manifesto ao país com os intuitos da «Renascença».AO POVO PORTUGUÊS. A «RENASCENÇA LUSITANA» *Estas palavras que dirigimos ao Povo Português têm por fim revelar-lhe qual será a obra patriótica da Renascença Lusitana – , obra em que devem colaborar todos os homens de boa vontade.A Renascença Lusitana é uma associação de indivíduos cheios de esperança e fé na nossa Raça, na sua originalidade profunda, no seu poder criador de uma nova civilização. Esta fé e esta esperança não resultam de uma ilusão patriótica, mas do conhecimento verdadeiro da alma lusitana, a qual devido a influências estrangeiras de natureza política, artística, literária e sobretudo religiosa, se tem adulterado nos últimos séculos da nossa História, perdendo o seu carácter, a sua fisionomia original e, portanto, as suas forças criadoras e progressivas.O fim da Renascença Lusitana é combater as influências contrárias ao nosso carácter étnico, inimigas da nossa autonomia espiritual e provocar, por todos os meios de que se serve a inteligência humana, o aparecimento de novas forças morais orientadoras e educadoras do povo, que sejam essencialmente lusitanas, para que a alma desta bela Raça ressurja com as qualidades que lhe pertencem por nascimento, as quais, na Idade Média, lhe revelaram os segredos dos mares, de novas constelações e novas terras, e, de futuro, lhe deverão desvendar os mistérios dessa nova vida social mais bela, mais justa e mais perfeita.Logo que a alma portuguesa se encontre a si própria, reaverá as antigas energias e realizará a sua civilização.Sonho belo, mas quimérico? Não! Descobrem-se já na alma da nossa Raça alvoroçantes sintomas de renascença. O seu esforço de 5 de Outubro foi o despontar da sua heroicidade que dir-se-ia morta para sempre; foi um sinal de abnegação; houve vidas sacrificadas à Vida.A sombra de Nun’Álvares saiu do túmulo e vagueou nas ruas de Lisboa; sulcaram o Tejo fantasmas de caravelas em demanda da Índia Ideal, essa Índia que fica em pleno mar do nosso sonho.Admiráveis presságios! Já brilha a estrela da nova Manhã! Chegou, na verdade, o momento divino de todos os bons portugueses colaborarem na grande obra da nossa Renascença! O morto estremeceu, ao sentir o primeiro hálito de vida. Abramos-lhe a tampa do sepulcro! Eis a nossa obra, a obra do nosso amor e da nossa fé.Este apelo que fazemos aos portugueses, por isso mesmo que nos sai da alma, há-de ser ouvido. E a Renascença Lusitana, neste instante em que apresenta ao povo a sagrada ideia que a anima, espera firmemente que se reúnam em volta dela todas as almas esperançosas que sentem em si o germinar de uma nova vida, o acordar dum novo alento criador de beleza, de justiça e de bondade, os três elementos constitutivos de uma verdadeira civilização.Não se exige que se seja artista ou poeta ou sábio para trabalhar nesta obra; tal coisa seria de um exclusivismo ridículo. Todo aquele que acreditar no renascimento lusitano, todo aquele que nos trouxer um clarão de esperança, será recebido de braços abertos como leal e firme camarada.Estas palavras, como já fica dito, têm por fim mostrar ao povo português qual a ideia que inspira a Renascença Lusitana. Essa ideia, repetimos é reintegrar a alma da nossa Raça na sua pureza essencial, revelar o que ela é na sua intimidade e natureza originária, para que tome conta de si própria, e se torne activa e criadora, e realize, enfim, o seu destino civilizador.Temos, portanto, em vista: dar ao povo uma educação lusitana e não estrangeira; uma arte e uma literatura que sejam lusitanas, e uma religião no seu sentido mais elevado e filosófico, que seja também lusitana.Com efeito, quem surpreender a alma portuguesa, nas suas manifestações sentimentais mais íntimas e delicadas, vê que existe nela, embora sob uma forma difusa e caótica, a matéria de uma nova religião, tornando-se a palavra religião como querendo significar a ansiedade poética das almas para a perfeição moral, para a beleza eterna, para o mistério da Vida… Ora a alma portuguesa sente esta ansiedade de uma maneira própria e original, o que se nota facilmente analisando os cantos populares, as lendas, a linguagem do povo, a obra de alguns poetas e artistas e, sobretudo, a suprema criação sentimental da Raça – a Saudade!Sim: na alma lusitana há a névoa duma nova religião; e por isso, o catolicismo, importado de Roma, jamais se tornou português, como se tornou espanhol, por exemplo. Todavia, em virtude da insistência com que tem sido cultivado em Portugal, concorreu para desnaturar o nosso carácter; é necessário, portanto, combatê-lo, como a todos os inimigos invasores, ou sejam de casta pedagógica, artística, literária, religiosa ou filosófica.Esta luta, assim como a obra reconstrutiva da Renascença Lusitana será feita, além de outros meios, por meio de conferências, livros e duma revista de literatura, filosofia, ciência, crítica social, etc, que se intitulará A Águia e será o órgão da sociedade.Eis a obra a que vamos dedicar o melhor da nossa actividade e todo o nosso entusiasmo, esperando o concurso dos bons portugueses.Bem sabemos que é uma obra enorme. Mas é preciso que alguém lhe dê o primeiro impulso. Outros, mais fortes do que nós, terão a glória de a concluir.Ao ser [este manifesto] levado para Lisboa, o seu autor acrescentou o seguinte [texto].Diremos, de passagem, que consideramos como os grandes factores do nosso renascimento, a Higiene e a Arte.Por aquela atingiremos a harmonia física, e por esta a harmonia espiritual.A Ginástica encerra tanta virtude como a Arte Poética. A guerra ao álcool, ao tabaco, à alimentação carnívora, por exemplo, é uma guerra santa e confunde-se com a glorificação da Beleza moral, com a apoteose dos sentimentos e das ideias mais puras e transcendentes.A Íliada e os Jogos Olímpicos!Teixeira de Pascoaes* Manifesto publicado n’A Vida Portuguesa, nº 22, de 10 de Fevereiro de 1914.

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