NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI: An American Requiem

31-05-2010
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À General Motors resta agora apenas, como melhor cenário possível, uma 'falência controlada', de acordo com as notícias de hoje. Para quem se lembra do "o que é bom para a GM é bom para os Estados Unidos da América" estes dias ficarão na História. Tomba o primeiro dos gigantes não-financeiros, seis meses após a queda da Lehmann.Sou um incorrigível europeu, e tenho mais pena da destruição de Aquila (não falo das pessoas, mas das coisas - diante do sofrimento e da morte, calemos): pertenço por alma e herança aos mundos-velhos que já quase não há. Mas vejo a queda americana e antecipo o requiem (por uma certa, por uma também afinal já velha América) que há ainda tão pouco parecia impensável. Muito mais do que o já de si insólito desaparecimento de um dos bastiões da Alta Banca, de um dos bastiões do Demónio-Automóvel, impressiona a fulgurante trespassação do orgulho dos modernos. Tão simbólico: o dinheiro e o automóvel, que melhor sustentação do mundo-que-era?Disse trespassação, e digo-o pensando no mítico Jupiter-Zeus, senhor dos raios (ah, mas Aquila foi atingida). A quieta concórdia das massas do ex-Ocidente, a tagarela desnorteação dos 'líderes', são só o espanto dos Titans e dos seus escravos. Nem tudo se constrói para a eternidade afinal (simbolicamente também, nesta semana o derruir de uma 'ponte' enorme de gelo no Antárctico). Aquilo a que chamámos deuses, aquilo-incontrolável, age sempre sem aviso que se não dirija aos avisados só. O relâmpago vimo-lo em directo, no fogo assombroso e simbólico do 9/11; ao trovão, mais lento, vamo-lo escutando os que ainda queremos ouvir. Um mundo acabou, e não creio que os deuses tenham amado esse jovem.Tombou este gigante (talvez renasça) e se me não engano tombarão outros. Alguns, por velhas contas, ignorância ou simples tédio, aplaudem o regozijo de todo os anões, o sussurrar de todos os que estão vivos. Assim foi a queda de Roma-a-eterna.An American Requiem, e o meu coração está hoje com Aquila como na noite do Katrina esteve com La Nouvelle Orleans.Caminhamos, e é escuro. Custa tanto aguardar os ondulantes trigais de império. Mas - por isso mesmo - já não há tempo para não andar.


À General Motors resta agora apenas, como melhor cenário possível, uma 'falência controlada', de acordo com as notícias de hoje. Para quem se lembra do "o que é bom para a GM é bom para os Estados Unidos da América" estes dias ficarão na História. Tomba o primeiro dos gigantes não-financeiros, seis meses após a queda da Lehmann.Sou um incorrigível europeu, e tenho mais pena da destruição de Aquila (não falo das pessoas, mas das coisas - diante do sofrimento e da morte, calemos): pertenço por alma e herança aos mundos-velhos que já quase não há. Mas vejo a queda americana e antecipo o requiem (por uma certa, por uma também afinal já velha América) que há ainda tão pouco parecia impensável. Muito mais do que o já de si insólito desaparecimento de um dos bastiões da Alta Banca, de um dos bastiões do Demónio-Automóvel, impressiona a fulgurante trespassação do orgulho dos modernos. Tão simbólico: o dinheiro e o automóvel, que melhor sustentação do mundo-que-era?Disse trespassação, e digo-o pensando no mítico Jupiter-Zeus, senhor dos raios (ah, mas Aquila foi atingida). A quieta concórdia das massas do ex-Ocidente, a tagarela desnorteação dos 'líderes', são só o espanto dos Titans e dos seus escravos. Nem tudo se constrói para a eternidade afinal (simbolicamente também, nesta semana o derruir de uma 'ponte' enorme de gelo no Antárctico). Aquilo a que chamámos deuses, aquilo-incontrolável, age sempre sem aviso que se não dirija aos avisados só. O relâmpago vimo-lo em directo, no fogo assombroso e simbólico do 9/11; ao trovão, mais lento, vamo-lo escutando os que ainda queremos ouvir. Um mundo acabou, e não creio que os deuses tenham amado esse jovem.Tombou este gigante (talvez renasça) e se me não engano tombarão outros. Alguns, por velhas contas, ignorância ou simples tédio, aplaudem o regozijo de todo os anões, o sussurrar de todos os que estão vivos. Assim foi a queda de Roma-a-eterna.An American Requiem, e o meu coração está hoje com Aquila como na noite do Katrina esteve com La Nouvelle Orleans.Caminhamos, e é escuro. Custa tanto aguardar os ondulantes trigais de império. Mas - por isso mesmo - já não há tempo para não andar.

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