NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI: Para o António de Oliveira Salazar

30-05-2010
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Passei os olhos por aquela série da SIC sobre a tua alegada “vida privada”. Mais uma. Agora é uma série de séries e livros – como comentava no outro dia o Pacheco Pereira, basta entrar numa qualquer livraria para confirmar que te tornaste num “best-seller”.Onde quer que estejas, suponho que ficarás agradado. Imagino também o gozo que tiveste ao seres nomeado, naquele programa de televisão, “o maior português de sempre”.São as vantagens de estar morto. Se estivesses ainda vivo, serias, decerto, um daqueles velhos rezingões e ressentidos, a dizer mal de tudo e de todos. Assim, vais tendo umas alegrias de vez em quando, para mais com os casos de corrupção que por aí andam…Há, de resto, muito boa gente a defender que o teu azar foi não teres morrido na década de cinquenta – ou mesmo na de quarenta, logo a seguir à guerra. Terias saído no teu auge – enquanto aquele que saneou as finanças públicas e livrou o país da guerra. Se bem que este teu alegado mérito seja um pouco anedótico – Portugal conseguiu livrar-se da guerra essencialmente por uma razão geográfica; se estivéssemos no centro da Europa, não haveria qualquer arte diplomática que da guerra nos tivesse livrado…No essencial, como sabes, essa era também a perspectiva do Agostinho da Silva (sim, esse que também foi censurado e perseguido pelo teu regime): ele achava que tu foste o “gesso” necessário para recuperar a “perna partida” (o estado em que a I República deixou o país). Mas ficaste tempo demais e o país gangrenou…Eu acho, sobretudo, que tu estás é mal enterrado. As paixões histéricas que ainda despertas isso o impedem. Enquanto houver gente, de um lado, a santificar-te, e, do outro, a demonizar-te, nunca mais poderemos voltar a página e seguir em frente. Como já aqui escrevi, faz falta uma visão não maniqueísta sobre ti e o Estado Novo em geral – uma visão que assinale, de forma serena e equilibrada, tanto o teu activo como o teu passivo (censura, perseguições políticas, etc.). Tudo isto, claro está, fazendo o devido enquadramento histórico – se o fazemos já em relação, desde logo, a Afonso Henriques, até, para não ir mais longe, ao Marquês de Pombal…Talvez essa seja também uma tarefa para a NOVA ÁGUIA. Já aqui sugeri que, daqui a uns anos, poderíamos dedicar-te um número. Para te enterrarmos de vez e assim nos deixares, para sempre, em paz. Os mortos mal enterrados tornam-se fantasmas, mas os fantasmas também têm limite de idade…Apesar do deplorável estado a que isto chegou, o caminho não é para trás…


Passei os olhos por aquela série da SIC sobre a tua alegada “vida privada”. Mais uma. Agora é uma série de séries e livros – como comentava no outro dia o Pacheco Pereira, basta entrar numa qualquer livraria para confirmar que te tornaste num “best-seller”.Onde quer que estejas, suponho que ficarás agradado. Imagino também o gozo que tiveste ao seres nomeado, naquele programa de televisão, “o maior português de sempre”.São as vantagens de estar morto. Se estivesses ainda vivo, serias, decerto, um daqueles velhos rezingões e ressentidos, a dizer mal de tudo e de todos. Assim, vais tendo umas alegrias de vez em quando, para mais com os casos de corrupção que por aí andam…Há, de resto, muito boa gente a defender que o teu azar foi não teres morrido na década de cinquenta – ou mesmo na de quarenta, logo a seguir à guerra. Terias saído no teu auge – enquanto aquele que saneou as finanças públicas e livrou o país da guerra. Se bem que este teu alegado mérito seja um pouco anedótico – Portugal conseguiu livrar-se da guerra essencialmente por uma razão geográfica; se estivéssemos no centro da Europa, não haveria qualquer arte diplomática que da guerra nos tivesse livrado…No essencial, como sabes, essa era também a perspectiva do Agostinho da Silva (sim, esse que também foi censurado e perseguido pelo teu regime): ele achava que tu foste o “gesso” necessário para recuperar a “perna partida” (o estado em que a I República deixou o país). Mas ficaste tempo demais e o país gangrenou…Eu acho, sobretudo, que tu estás é mal enterrado. As paixões histéricas que ainda despertas isso o impedem. Enquanto houver gente, de um lado, a santificar-te, e, do outro, a demonizar-te, nunca mais poderemos voltar a página e seguir em frente. Como já aqui escrevi, faz falta uma visão não maniqueísta sobre ti e o Estado Novo em geral – uma visão que assinale, de forma serena e equilibrada, tanto o teu activo como o teu passivo (censura, perseguições políticas, etc.). Tudo isto, claro está, fazendo o devido enquadramento histórico – se o fazemos já em relação, desde logo, a Afonso Henriques, até, para não ir mais longe, ao Marquês de Pombal…Talvez essa seja também uma tarefa para a NOVA ÁGUIA. Já aqui sugeri que, daqui a uns anos, poderíamos dedicar-te um número. Para te enterrarmos de vez e assim nos deixares, para sempre, em paz. Os mortos mal enterrados tornam-se fantasmas, mas os fantasmas também têm limite de idade…Apesar do deplorável estado a que isto chegou, o caminho não é para trás…

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