NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI: Esfera Armilar: Somos senhores de nós mesmos?

21-01-2011
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Gostamos de nos julgar senhores de nós mesmos, o que só acontece quando não reflectimos sobre isso e, sobretudo, quando não o tentamos efectivamente ser. A aparente capacidade de escolha e decisão a respeito das acções relativas aos outros e ao mundo exterior, ilude-nos quanto à efectiva soberania e independência com que nos comportamos. Com efeito, quem poderá dizer que o modo como pensa, sente e age é independente de inumeráveis causas e condições, desde factores psicofisiológicos a sociais, económicos e culturais?Por outro lado, quem não teve, ainda que raramente, a experiência da liberdade, a experiência de não reagir imediata e passivamente, movido por impulsos, hábitos e mecanismos inconscientes, a um estímulo exterior ou interior e usufruir desse espaço para uma tomada de consciência mais profunda da situação e para uma decisão acerca do melhor a fazer, em termos de acção ou abstenção? A permanência nesse espaço de não re-acção, pelo esforço interior que implica, revela-se então uma verdadeira acção, mais difícil, condição de todo o agir externo mais consciente e livre, mais independente de factores condicionantes, externos e internos.Há uma experiência simples que demonstra imediatamente o grau em que somos ou não senhores de nós mesmos. Trata-se de tentar focar a atenção numa dada percepção, exterior ou interior, e de aí a manter, estável e clara, durante o tempo que desejarmos. Podemos usar um objecto exterior, uma parte do corpo, a respiração, o curso dos nossos próprios pensamentos e emoções ou aquilo mesmo que estamos a fazer, como andar ou conduzir. Se tentarmos repousar a atenção em qualquer um desses objectos, observando-o e sentindo-o silenciosamente, sem comentários, veremos quão difícil é manter a concentração um segundo que seja, sem que ela imediatamente se obscureça e disperse, arrastada por mil e uma outras percepções, pensamentos, emoções, memórias e projectos. Quando isso acontece, tentemos estar conscientes disso e fazer regressar a atenção ao seu foco. Veremos que de novo nos foge e perceberemos, pelo menos, que isso a que chamamos “nós mesmos”, o centro interno da percepção de nós e do mundo, o chamado “eu”, não é tão dono de si quanto estamos habituados a supor. O que não deixa de ser incómodo. Se persistirmos contudo na experiência, treinando regularmente a atenção para permanecer estável e firme no objecto em que se foca, veremos que gradualmente ela desenvolve essa capacidade, diminuindo a sua agitação, com todos os benefícios psicofisiológicos daí decorrentes.Se fizermos honestamente esta experiência e reflectirmos sobre ela, não podemos deixar de reconhecer as suas fundas e graves implicações, a todos os níveis. Parece que toda a nossa cultura e civilização assenta na suposição de que somos sujeitos plenamente conscientes e livres, responsáveis pelo que pensamos, dizemos e fazemos. Esta experiência mostra que não o somos, embora o possamos ser, se nos treinarmos para isso, o que nos torna responsáveis por não o sermos plenamente.Enquanto não formos senhores de nós mesmos, ou seja, conscientes do que se passa dentro de nós e soberanos da orientação a dar à nossa mente e à nossa vida, vivendo à mercê da flutuação de estados mentais e emocionais compulsivos e reactivos, dificilmente seremos outra coisa do que marionetas agitadas pelos seus poderosíssimos fios invisíveis. Enquanto o formos, somos o ingénuo e frágil joguete de todas as forças mais obscuras que lutam pelo domínio do mundo: humanas e não humanas, religiosas, culturais, políticas e económicas. Enquanto o formos mais não seremos do que escravos agrilhoados à convicção de sermos livres.O auto-conhecimento e o treino da atenção são a condição indispensável de um exercício consciente da cidadania e de uma acção benéfica no mundo exterior.


Gostamos de nos julgar senhores de nós mesmos, o que só acontece quando não reflectimos sobre isso e, sobretudo, quando não o tentamos efectivamente ser. A aparente capacidade de escolha e decisão a respeito das acções relativas aos outros e ao mundo exterior, ilude-nos quanto à efectiva soberania e independência com que nos comportamos. Com efeito, quem poderá dizer que o modo como pensa, sente e age é independente de inumeráveis causas e condições, desde factores psicofisiológicos a sociais, económicos e culturais?Por outro lado, quem não teve, ainda que raramente, a experiência da liberdade, a experiência de não reagir imediata e passivamente, movido por impulsos, hábitos e mecanismos inconscientes, a um estímulo exterior ou interior e usufruir desse espaço para uma tomada de consciência mais profunda da situação e para uma decisão acerca do melhor a fazer, em termos de acção ou abstenção? A permanência nesse espaço de não re-acção, pelo esforço interior que implica, revela-se então uma verdadeira acção, mais difícil, condição de todo o agir externo mais consciente e livre, mais independente de factores condicionantes, externos e internos.Há uma experiência simples que demonstra imediatamente o grau em que somos ou não senhores de nós mesmos. Trata-se de tentar focar a atenção numa dada percepção, exterior ou interior, e de aí a manter, estável e clara, durante o tempo que desejarmos. Podemos usar um objecto exterior, uma parte do corpo, a respiração, o curso dos nossos próprios pensamentos e emoções ou aquilo mesmo que estamos a fazer, como andar ou conduzir. Se tentarmos repousar a atenção em qualquer um desses objectos, observando-o e sentindo-o silenciosamente, sem comentários, veremos quão difícil é manter a concentração um segundo que seja, sem que ela imediatamente se obscureça e disperse, arrastada por mil e uma outras percepções, pensamentos, emoções, memórias e projectos. Quando isso acontece, tentemos estar conscientes disso e fazer regressar a atenção ao seu foco. Veremos que de novo nos foge e perceberemos, pelo menos, que isso a que chamamos “nós mesmos”, o centro interno da percepção de nós e do mundo, o chamado “eu”, não é tão dono de si quanto estamos habituados a supor. O que não deixa de ser incómodo. Se persistirmos contudo na experiência, treinando regularmente a atenção para permanecer estável e firme no objecto em que se foca, veremos que gradualmente ela desenvolve essa capacidade, diminuindo a sua agitação, com todos os benefícios psicofisiológicos daí decorrentes.Se fizermos honestamente esta experiência e reflectirmos sobre ela, não podemos deixar de reconhecer as suas fundas e graves implicações, a todos os níveis. Parece que toda a nossa cultura e civilização assenta na suposição de que somos sujeitos plenamente conscientes e livres, responsáveis pelo que pensamos, dizemos e fazemos. Esta experiência mostra que não o somos, embora o possamos ser, se nos treinarmos para isso, o que nos torna responsáveis por não o sermos plenamente.Enquanto não formos senhores de nós mesmos, ou seja, conscientes do que se passa dentro de nós e soberanos da orientação a dar à nossa mente e à nossa vida, vivendo à mercê da flutuação de estados mentais e emocionais compulsivos e reactivos, dificilmente seremos outra coisa do que marionetas agitadas pelos seus poderosíssimos fios invisíveis. Enquanto o formos, somos o ingénuo e frágil joguete de todas as forças mais obscuras que lutam pelo domínio do mundo: humanas e não humanas, religiosas, culturais, políticas e económicas. Enquanto o formos mais não seremos do que escravos agrilhoados à convicção de sermos livres.O auto-conhecimento e o treino da atenção são a condição indispensável de um exercício consciente da cidadania e de uma acção benéfica no mundo exterior.

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