Nesta hora: Como a "pen drive" da Maia anda a agitar o mundo

19-12-2009
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A crónica intitula-se "O mundo inteiro numa pen drive", é assinada por Nuno Pacheco e vem no Público de hoje:«Se julgavam que o último grito em matéria educativa eram os artifícios para simplificar os exames de Matemática e fazer de todo o aluno um génio em potência, esqueçam. Há mais e bem melhor do que isso. Na Maia, um sistema revolucionário vai permitir aos mais tenros rebentos em idade escolar andarem mais leves e deixarem de vez aquelas terríveis mochilas que os fazem parecer turistas de inter-rail. Além do mais, é simples e conciso. Basta pôr tudo numa pen drive. E a dita cuja no bolso. O velho Caderno Diário do tempo dos avós dará, assim, lugar a um novo Caderno Digital. A heróica tarefa tem já data de arranque e no próximo ano lectivo a felicidade invadirá o básico. Pelo menos os lugares (além da Maia) onde a tal pen drive substituir os pesados livros e cadernos.Para quem não sabe o que é uma pen drive, digamos que é uma espécie de disco rígido de computador disfarçado de caneta. É pequena e tem vindo a ganhar memória, como se fosse uma esponja ou uma amiba. No curto espaço de escassos centímetros armazena-se hoje o que há 30 anos exigiria salas inteiras. É o progresso. E como deixar as crianças longe dele? De modo algum. Assim, tira-se-lhes peso das costas e põe-se-lhes tudo no bolso. "Menino, onde estão os trabalhos de casa?" "Tá tudo aqui na pen drive, stôr." E os cadernos? E os apontamentos da aula de ontem? Pen drive, claro. E os conteúdos, perdão, os livros? Na pen drive, onde haviam de estar? O projecto tratará do assunto.E as canetas, os lápis, as borrachas, aquelas coisas que servem para escrever, para apagar, para rascunhar e escrever de novo? No museu. Porque agora há a pen drive. Escrever é só no computador, com teclas. À mão cansa. E a caneta pesa. E não cabe na pen drive.Neste dilema revolucionário, os alunos vão começar a atirar para a pen drive tudo o que puderem. Até o lanche há-de um dia, miraculosamente, ser-lhes servido numa pen drive. Exagero? Esperem pelo futuro. Até lá, porque as coisas são assim mesmo, há que pensar em que ranhura vão os pequenos estudantes encaixar a respectiva pen drive. Terão um computador para cada um, certo? Ou vão fazer fila no computador único da aula, para descarregar a "mala" enquanto os outros ficam a ver? Dúvidas ridículas. Certamente que os autores do projecto pensaram em tudo. Como tornar produtivo tal sistema, como evitar que as crianças não tragam na pen drive o que habitualmente trazem (jogos, fotos, brincadeiras, etc.), como fazer disto tudo uma coisa eficaz e responsável. Sim, porque até os professores já trazem tudo o que precisam em pen drives. Eles e os gestores, os empresários, os corretores da bolsa. As pastas que trazem na mão é só para disfarçar. Na verdade, tudo aquilo de que realmente necessitam já vem no bolso, no disco de plástico.Os anos que perdemos numa confusão de papéis! Agora, o admirável mundo novo das pen drives, além das maravilhas na redução de peso, trará conteúdos didácticos, quadros interactivos, jogos pedagógicos. Trará até interfaces da escola com a autarquia. E da escola com os pais. E de todos uns com os outros, que é para isso que estas coisas servem.Se trará ou não melhores alunos é o que ninguém consegue ainda saber. Mas isso é porque ainda não conseguem metê-los em pen drives, embora o desejassem. Há-de chegar o dia e, nessa altura, serão mais portáteis. Em lugar das carrinhas para levá-los até à escola, bastará um distribuidor de pen drives. E com um saco bem pequeno. Quando finalmente dermos cabo do mundo, podemos deixar as sobras numa pen drive. Assim, os extraterrestres não terão dificuldade em encontrá-lo. Desde que tragam com eles um laptop, claro. Nas viagens intergalácticas, há que andar sempre prevenido.»


A crónica intitula-se "O mundo inteiro numa pen drive", é assinada por Nuno Pacheco e vem no Público de hoje:«Se julgavam que o último grito em matéria educativa eram os artifícios para simplificar os exames de Matemática e fazer de todo o aluno um génio em potência, esqueçam. Há mais e bem melhor do que isso. Na Maia, um sistema revolucionário vai permitir aos mais tenros rebentos em idade escolar andarem mais leves e deixarem de vez aquelas terríveis mochilas que os fazem parecer turistas de inter-rail. Além do mais, é simples e conciso. Basta pôr tudo numa pen drive. E a dita cuja no bolso. O velho Caderno Diário do tempo dos avós dará, assim, lugar a um novo Caderno Digital. A heróica tarefa tem já data de arranque e no próximo ano lectivo a felicidade invadirá o básico. Pelo menos os lugares (além da Maia) onde a tal pen drive substituir os pesados livros e cadernos.Para quem não sabe o que é uma pen drive, digamos que é uma espécie de disco rígido de computador disfarçado de caneta. É pequena e tem vindo a ganhar memória, como se fosse uma esponja ou uma amiba. No curto espaço de escassos centímetros armazena-se hoje o que há 30 anos exigiria salas inteiras. É o progresso. E como deixar as crianças longe dele? De modo algum. Assim, tira-se-lhes peso das costas e põe-se-lhes tudo no bolso. "Menino, onde estão os trabalhos de casa?" "Tá tudo aqui na pen drive, stôr." E os cadernos? E os apontamentos da aula de ontem? Pen drive, claro. E os conteúdos, perdão, os livros? Na pen drive, onde haviam de estar? O projecto tratará do assunto.E as canetas, os lápis, as borrachas, aquelas coisas que servem para escrever, para apagar, para rascunhar e escrever de novo? No museu. Porque agora há a pen drive. Escrever é só no computador, com teclas. À mão cansa. E a caneta pesa. E não cabe na pen drive.Neste dilema revolucionário, os alunos vão começar a atirar para a pen drive tudo o que puderem. Até o lanche há-de um dia, miraculosamente, ser-lhes servido numa pen drive. Exagero? Esperem pelo futuro. Até lá, porque as coisas são assim mesmo, há que pensar em que ranhura vão os pequenos estudantes encaixar a respectiva pen drive. Terão um computador para cada um, certo? Ou vão fazer fila no computador único da aula, para descarregar a "mala" enquanto os outros ficam a ver? Dúvidas ridículas. Certamente que os autores do projecto pensaram em tudo. Como tornar produtivo tal sistema, como evitar que as crianças não tragam na pen drive o que habitualmente trazem (jogos, fotos, brincadeiras, etc.), como fazer disto tudo uma coisa eficaz e responsável. Sim, porque até os professores já trazem tudo o que precisam em pen drives. Eles e os gestores, os empresários, os corretores da bolsa. As pastas que trazem na mão é só para disfarçar. Na verdade, tudo aquilo de que realmente necessitam já vem no bolso, no disco de plástico.Os anos que perdemos numa confusão de papéis! Agora, o admirável mundo novo das pen drives, além das maravilhas na redução de peso, trará conteúdos didácticos, quadros interactivos, jogos pedagógicos. Trará até interfaces da escola com a autarquia. E da escola com os pais. E de todos uns com os outros, que é para isso que estas coisas servem.Se trará ou não melhores alunos é o que ninguém consegue ainda saber. Mas isso é porque ainda não conseguem metê-los em pen drives, embora o desejassem. Há-de chegar o dia e, nessa altura, serão mais portáteis. Em lugar das carrinhas para levá-los até à escola, bastará um distribuidor de pen drives. E com um saco bem pequeno. Quando finalmente dermos cabo do mundo, podemos deixar as sobras numa pen drive. Assim, os extraterrestres não terão dificuldade em encontrá-lo. Desde que tragam com eles um laptop, claro. Nas viagens intergalácticas, há que andar sempre prevenido.»

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