O terceiro pacote já está. O quarto vem a caminho*

26-01-2011
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O terceiro pacote já está. O quarto vem a caminho*

Se tivesse de escolher apenas duas frases que sintetizassem o ponto de desgoverno a que chegámos optaria por uma de José Sócrates – “estas medidas só são tomadas quando um político entende em consciência que não há alternativa: foi essa a conclusão a que cheguei agora, não em Maio” – e outra de Almeida Santos – “o povo tem que sofrer as crises como o Governo as sofre”. Elas condensam o autismo, a arrogância, a incompetência e a prosápia dos que se tomam por senhores do país – e traduzem também o nosso desamparo.

Pouco haverá a dizer sobre o insulto – que outro nome lhe posso dar? – de Almeida Santos. Já o desabafo de Sócrates tem mais que se lhe diga. Primeiro, pelo que revela sobre a forma como entende o seu papel como político. Depois, por mostrar até que ponto esteve, se é que ainda está, desligado da realidade, vivendo num mundo cor-de-rosa que só ele via e que, por isso, não exigia medidas de correcção draconianas. Por fim, por deixar claro que ele não é, de forma alguma, a pessoa indicada para levar por diante as políticas de rigor.

Ao contrário do que diz, em Maio, como em Março, como em Setembro do ano passado, como bem antes disso, era mais do que evidente que o rumo seguido era o errado. Não faltou quem, há mais de um ano, alertasse para o carácter explosivo da dívida e para a necessidade de a tratar prioritariamente – mas Sócrates sempre desvalorizou. Também não tem faltado quem venha a alertar, há anos, para a progressão insustentável dos gastos do Estado, incluindo em áreas como a saúde, a educação e a segurança social – mas Sócrates sempre preferiu falar de investir. Inúmeras foram as vozes que alertaram para os erros de sucessivos orçamentos de Estado que, mesmo conseguindo fazer diminuir o défice, o foram fazendo graça ao aumento das receitas e não à diminuição das despesas.

Ao longo dos últimos cinco anos Sócrates pode aprovar como quis os seus Orçamentos de Estado, primeiro com maioria absoluta, depois graças à abstenção de um PSD com a direcção (de Ferreira Leite) de saída. Ninguém lhe impôs condições, fez o que quis. Por isso é sua, é do seu ministro das Finanças e é do PS a responsabilidade por estarmos no estado em que estamos. Primeiro, pelo que não fizeram de reestruturação e redução da máquina do Estado, pois deixaram o PRACE a meio e regressaram mesmo ao alegre festim da multiplicação de institutos e empresas públicas. Depois, pela insistente recusa em enfrentarem as debilidades nacionais, pela estratégia errada de promoção do desenvolvimento económico com base no compadrio e nas redes de “amigos”, pela criação de ilusões estatísticas e por uma estratégia política autoritária que começou sempre por hostilizar, de forma por vezes irracional, os grupos de interesse, e acabou por regra em recuos em toda a linha. Por fim por uma gestão criminosa do calendário eleitoral que se traduziu em medidas populistas que afundaram o país, desde o aumento de 2,9 por cento aos funcionários públicos à multiplicação de prestações sociais insustentáveis e impossíveis de fiscalizar, passando por programas de investimento sumptuários e pelo total laxismo no controlo orçamental.

De facto, como ontem notou o economista Álvaro Santos Pereira, o conjunto de medidas anunciado quarta-feira “deve-se exclusiva e totalmente à inacreditável irresponsabilidade e à incompetência atroz deste primeiro-ministro e deste ministro das Finanças” que, por razões eleitorais, fizeram exactamente o contrário do que se fez dos restantes países europeus: adiaram os cortes na despesa e fizeram “tudo para encobrir a verdadeira situação das contas públicas portuguesas”. Este economista fez, de resto, questão de não isentar Teixeira dos Santos de responsabilidades. Afinal foi ele que reviu três vezes o défice de 2009, como é ele que já vai no terceiro pacote de medidas para 2010. É ele que tem desorçamentado, é ele que tem inventado contabilidade criativa, é ele que agora recorre ao fundo de pensões da PT (para pagar os submarinos, disse, como se quando fez o orçamento não tivesse a obrigação de saber que ia ter de pagar os submarinos!) e é ele que ainda esta semana foi desautorizado pelas empresas públicas que não cumprem o tecto do endividamento. Como é ele que anuncia a suspensão dos investimentos até ao fim do ano mas não a suspensão do TGV também em 2011.

Mas medidas as anunciadas não traduzem apenas incompetência e irresponsabilidade: são ao mesmo tempo um sinal de que esta maioria, este ministro das Finanças e este primeiro-ministro nunca conseguirão debelar os problemas que o país já tinha e os problemas que lhe criaram. É assim porque não há, no conjunto de medidas anunciado, uma réstia de uma ideia transformadora, apenas há a aflição de quem já queimou todas as pontes e agora grita “salve-se quem puder”. Infelizmente milhões de portugueses vão sofrer por causa desta aflição e das medidas ditas “inevitáveis”.

E é assim porque este governo nunca seria capaz de evitar a tentação de subir os impostos (sendo que impostos mais altos criam receitas a que o Estado obesa se habitua mesmo quando a aflição passa…) porque é incapaz de pensar em modelos alternativos de organização da máquina administrativa e de Estado social. É por isso que é uma falácia afirmar que não há alternativa à subida do IVA, por exemplo. Santos Pereira, no texto que já citámos, mostra que existe: cortando apenas 10 por cento na aquisição de bens e serviços do Estado e nas despesas de 50 institutos não relacionados com a Saúde e com a Educação obter-se-iam mais do que os 900 milhões de receitas extra que trará o aumento do IVA. E são apenas duas ideias, que ficam ainda longe da sempre adiada reestruturação do Estado.

É bom não ter ilusões: um governo que tem na pasta das Obras Públicas um fanático do TGV, que tem no ministério da Segurança Social um funcionária sindical, que tem no ministério da Cultura uma criatura que lembra um OVNI, que entregou a pasta da Educação a uma senhora que é apenas bem-intencionada e a da Saúde a uma profissional que ninguém respeita no sector, e por aí adiante, só poderá pegar nas medidas anunciadas para conspirar contra elas, de preferência de braço dado com as corporações respectivas. Um ministro das Finanças fraco como só Teixeira dos Santos sabe ser fraco e um primeiro-ministro que estará a governar a contra-gosto nunca porão esta trupe na ordem.

Infelizmente – desgraçadamente – o que a experiência recente nos tem mostrado é que os falhanços no controle das contas públicas se acabam por pagar, com juros, alguns meses mais tarde. Pelo que, mesmo sendo duras as medidas anunciadas, nada garante que sejam as últimas. Ao PECIII pode suceder um PECIV, até porque nada, nas medidas anunciadas, vai no sentido de algumas da medidas que o recente relatório da OCDE identificava como necessárias para ultrapassar certos constrangimentos ao desenvolvimento (refiro-me às medidas que Ángel Gurría omitiu na sua conferência de imprensa com Teixeira dos Santos).

Mesmo assim, face ao irreal calendário eleitoral que temos pela frente, não resta senão esperar que Sócrates e os seus (com Almeida Santos à frente) bebam até à última gota o veneno que destilaram. Depois, mal possa a democracia voltar a funcionar, deverão ser removidos por razões patrióticas. E, também, higiénicas.

PS1 – Muita gente tem criticado o PSD por este dizer que não viabilizaria um orçamento que consagrasse um aumento de impostos sem, ao mesmo tempo, se esforçar sobretudo reduzir a despesa. Devo dizer que não só acho essa exigência o mínimo dos mínimos para um partido da oposição, como compatível com a abstenção num orçamento medíocre. O que não compreendo, e condeno, é a surrealista iniciativa de um grupo de deputados do PSD (sendo um deles José Luís Arnaut) de propor a criação de um “Centro para a Promoção e Valorização dos Bordados de Tibaldinho” que terá como receitas “as dotações para o efeito previstas no Orçamento de Estado”. É isto que é o centrão clientelar no seu pior.

PS2 – É altura dos que andaram meses, anos, no PSD e fora dele, a tratar como “velha” e “louca” Manuela Ferreira Leite reconhecerem que ela, ao menos, sabia fazer contas. E que “falar verdade” era mesmo importante. Pena foi que tantos preferissem embarcar numa ilusão criminosa.

O terceiro pacote já está. O quarto vem a caminho*

Se tivesse de escolher apenas duas frases que sintetizassem o ponto de desgoverno a que chegámos optaria por uma de José Sócrates – “estas medidas só são tomadas quando um político entende em consciência que não há alternativa: foi essa a conclusão a que cheguei agora, não em Maio” – e outra de Almeida Santos – “o povo tem que sofrer as crises como o Governo as sofre”. Elas condensam o autismo, a arrogância, a incompetência e a prosápia dos que se tomam por senhores do país – e traduzem também o nosso desamparo.

Pouco haverá a dizer sobre o insulto – que outro nome lhe posso dar? – de Almeida Santos. Já o desabafo de Sócrates tem mais que se lhe diga. Primeiro, pelo que revela sobre a forma como entende o seu papel como político. Depois, por mostrar até que ponto esteve, se é que ainda está, desligado da realidade, vivendo num mundo cor-de-rosa que só ele via e que, por isso, não exigia medidas de correcção draconianas. Por fim, por deixar claro que ele não é, de forma alguma, a pessoa indicada para levar por diante as políticas de rigor.

Ao contrário do que diz, em Maio, como em Março, como em Setembro do ano passado, como bem antes disso, era mais do que evidente que o rumo seguido era o errado. Não faltou quem, há mais de um ano, alertasse para o carácter explosivo da dívida e para a necessidade de a tratar prioritariamente – mas Sócrates sempre desvalorizou. Também não tem faltado quem venha a alertar, há anos, para a progressão insustentável dos gastos do Estado, incluindo em áreas como a saúde, a educação e a segurança social – mas Sócrates sempre preferiu falar de investir. Inúmeras foram as vozes que alertaram para os erros de sucessivos orçamentos de Estado que, mesmo conseguindo fazer diminuir o défice, o foram fazendo graça ao aumento das receitas e não à diminuição das despesas.

Ao longo dos últimos cinco anos Sócrates pode aprovar como quis os seus Orçamentos de Estado, primeiro com maioria absoluta, depois graças à abstenção de um PSD com a direcção (de Ferreira Leite) de saída. Ninguém lhe impôs condições, fez o que quis. Por isso é sua, é do seu ministro das Finanças e é do PS a responsabilidade por estarmos no estado em que estamos. Primeiro, pelo que não fizeram de reestruturação e redução da máquina do Estado, pois deixaram o PRACE a meio e regressaram mesmo ao alegre festim da multiplicação de institutos e empresas públicas. Depois, pela insistente recusa em enfrentarem as debilidades nacionais, pela estratégia errada de promoção do desenvolvimento económico com base no compadrio e nas redes de “amigos”, pela criação de ilusões estatísticas e por uma estratégia política autoritária que começou sempre por hostilizar, de forma por vezes irracional, os grupos de interesse, e acabou por regra em recuos em toda a linha. Por fim por uma gestão criminosa do calendário eleitoral que se traduziu em medidas populistas que afundaram o país, desde o aumento de 2,9 por cento aos funcionários públicos à multiplicação de prestações sociais insustentáveis e impossíveis de fiscalizar, passando por programas de investimento sumptuários e pelo total laxismo no controlo orçamental.

De facto, como ontem notou o economista Álvaro Santos Pereira, o conjunto de medidas anunciado quarta-feira “deve-se exclusiva e totalmente à inacreditável irresponsabilidade e à incompetência atroz deste primeiro-ministro e deste ministro das Finanças” que, por razões eleitorais, fizeram exactamente o contrário do que se fez dos restantes países europeus: adiaram os cortes na despesa e fizeram “tudo para encobrir a verdadeira situação das contas públicas portuguesas”. Este economista fez, de resto, questão de não isentar Teixeira dos Santos de responsabilidades. Afinal foi ele que reviu três vezes o défice de 2009, como é ele que já vai no terceiro pacote de medidas para 2010. É ele que tem desorçamentado, é ele que tem inventado contabilidade criativa, é ele que agora recorre ao fundo de pensões da PT (para pagar os submarinos, disse, como se quando fez o orçamento não tivesse a obrigação de saber que ia ter de pagar os submarinos!) e é ele que ainda esta semana foi desautorizado pelas empresas públicas que não cumprem o tecto do endividamento. Como é ele que anuncia a suspensão dos investimentos até ao fim do ano mas não a suspensão do TGV também em 2011.

Mas medidas as anunciadas não traduzem apenas incompetência e irresponsabilidade: são ao mesmo tempo um sinal de que esta maioria, este ministro das Finanças e este primeiro-ministro nunca conseguirão debelar os problemas que o país já tinha e os problemas que lhe criaram. É assim porque não há, no conjunto de medidas anunciado, uma réstia de uma ideia transformadora, apenas há a aflição de quem já queimou todas as pontes e agora grita “salve-se quem puder”. Infelizmente milhões de portugueses vão sofrer por causa desta aflição e das medidas ditas “inevitáveis”.

E é assim porque este governo nunca seria capaz de evitar a tentação de subir os impostos (sendo que impostos mais altos criam receitas a que o Estado obesa se habitua mesmo quando a aflição passa…) porque é incapaz de pensar em modelos alternativos de organização da máquina administrativa e de Estado social. É por isso que é uma falácia afirmar que não há alternativa à subida do IVA, por exemplo. Santos Pereira, no texto que já citámos, mostra que existe: cortando apenas 10 por cento na aquisição de bens e serviços do Estado e nas despesas de 50 institutos não relacionados com a Saúde e com a Educação obter-se-iam mais do que os 900 milhões de receitas extra que trará o aumento do IVA. E são apenas duas ideias, que ficam ainda longe da sempre adiada reestruturação do Estado.

É bom não ter ilusões: um governo que tem na pasta das Obras Públicas um fanático do TGV, que tem no ministério da Segurança Social um funcionária sindical, que tem no ministério da Cultura uma criatura que lembra um OVNI, que entregou a pasta da Educação a uma senhora que é apenas bem-intencionada e a da Saúde a uma profissional que ninguém respeita no sector, e por aí adiante, só poderá pegar nas medidas anunciadas para conspirar contra elas, de preferência de braço dado com as corporações respectivas. Um ministro das Finanças fraco como só Teixeira dos Santos sabe ser fraco e um primeiro-ministro que estará a governar a contra-gosto nunca porão esta trupe na ordem.

Infelizmente – desgraçadamente – o que a experiência recente nos tem mostrado é que os falhanços no controle das contas públicas se acabam por pagar, com juros, alguns meses mais tarde. Pelo que, mesmo sendo duras as medidas anunciadas, nada garante que sejam as últimas. Ao PECIII pode suceder um PECIV, até porque nada, nas medidas anunciadas, vai no sentido de algumas da medidas que o recente relatório da OCDE identificava como necessárias para ultrapassar certos constrangimentos ao desenvolvimento (refiro-me às medidas que Ángel Gurría omitiu na sua conferência de imprensa com Teixeira dos Santos).

Mesmo assim, face ao irreal calendário eleitoral que temos pela frente, não resta senão esperar que Sócrates e os seus (com Almeida Santos à frente) bebam até à última gota o veneno que destilaram. Depois, mal possa a democracia voltar a funcionar, deverão ser removidos por razões patrióticas. E, também, higiénicas.

PS1 – Muita gente tem criticado o PSD por este dizer que não viabilizaria um orçamento que consagrasse um aumento de impostos sem, ao mesmo tempo, se esforçar sobretudo reduzir a despesa. Devo dizer que não só acho essa exigência o mínimo dos mínimos para um partido da oposição, como compatível com a abstenção num orçamento medíocre. O que não compreendo, e condeno, é a surrealista iniciativa de um grupo de deputados do PSD (sendo um deles José Luís Arnaut) de propor a criação de um “Centro para a Promoção e Valorização dos Bordados de Tibaldinho” que terá como receitas “as dotações para o efeito previstas no Orçamento de Estado”. É isto que é o centrão clientelar no seu pior.

PS2 – É altura dos que andaram meses, anos, no PSD e fora dele, a tratar como “velha” e “louca” Manuela Ferreira Leite reconhecerem que ela, ao menos, sabia fazer contas. E que “falar verdade” era mesmo importante. Pena foi que tantos preferissem embarcar numa ilusão criminosa.

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