TIMOR LOROSAE NAÇÃO: DORMINDO COM O INIMIGO EM TIMOR

24-12-2009
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.Esta é a história do que se passou em Timor-Leste no dia 11 de Fevereiro de 2008. Com base em documentos, testemunhos dos principais intervenientes, registos telefónicos e fotos (algumas médico-legais, analisadas por peritos portugueses), prova-se como Alfredo Reinado não pretendia matar Ramos-Horta, muito menos Xanana Gusmão. Pelo contrário, os dois primeiros são vítimas de uma conspiração dos seus mais próximos, que tem origem nas crises, golpes e inimizades em que o país vive desde a independência, em 2001. E em que Xanana se revela uma figura complexa..Aquele domingo de Fevereiro, para o Presidente da República de Timor-Leste, era um dia como outro qualquer. O homem que em 1996 recebeu o Nobel da Paz acordara sem maus pressentimentos. Mas a essa hora, após uma noite em claro, militares rebeldes feitos com elementos da sua segurança já tinham em marcha um plano para o aniquilarem. Ainda não são seis da manhã quando José Ramos-Horta, sem tomar o pequeno-almoço, abandona a residência em Metihau. O dia não abrira, as sombras das montanhas em redor projectam-se na estrada que leva à praia da Areia Branca e o Presidente procura a lanterna para sair.As suas manhãs nunca variam, a não ser que a agenda política as baralhe. Ele parece necessitar da força apaziguadora que arrastam as rotinas e inicia o jogging. Sem precauções, como se vivesse num país aconchegado às normas democráticas, fez-se acompanhar apenas por dois seguranças, um deles desarmado. Quando chega à praia, abranda a passada rumo ao Cristo-rei, a estátua que num alto parece zelar pelos pescadores que se fazem ao pargo vermelho, fora dos corais. Aí, chega a meio do crosse e volta para trás. Já de volta, junto ao mar, Horta ouve as primeiras rajadas e comenta com Pedro Soares, um dos seguranças: “Parecem tiros!”. O outro, com o desembaraço de uma mente despreocupada, responde: “Algum descuido...”. As rajadas repetem-se, parecem vir da direcção da sua casa e o Presidente, sem que o instinto de sobrevivência o advirta, avança.Fora ele, no entanto, quem, sem adivinhar que há negociações fatais, accionara os tumultos que naquele dia, 11 de Fevereiro de 2008, deixariam de novo Timor na corda bamba.Três dias antes (8 de Fevereiro) reunira-se com todos os partidos e com o primeiro-ministro, Xanana Gusmão. Antigos elementos da resistência, que se tinham mantido unidos contra o colonialismo português e a ocupação indonésia, estão agora frente-a-frente com os novos políticos. Na sala de reuniões desfilam os protagonistas. Mari Alkatiri, secretário-geral da Frente Revolucionária de Timor-Leste (FRETILIN), é o mais temido: há muito que anda de cadeias às avessas com Xanana, o mítico líder da resistência.2002-2005, o petróleo e a guerra Alkatiri-XananaNaquele momento de suspense, em que o destino do país está de novo em jogo, talvez as memórias dos dois adversários se cruzem, ressuscitando momentos-chave que os separaram. Para isso tinham de recuar a 2002, quando a Timor – reconhecida um ano antes pelas Nações Unidas como Estado independente – parecia ter chegado a acalmia. Cabe então a Mari Alkatiri liderar o primeiro Governo constitucional, enquanto Xanana é o Presidente da república. Mas a Constituição, cópia da portuguesa, remete o herói para um papel secundário.Durante o primeiro ano de governação, Alkatiri que ao contrário de Xanana se mantivera fiel ao marxismo, ganha o primeiro inimigo de peso. Timor, uma pequena ilha asiática encurralada entre a Austrália e a Indonésia, tem no forro da sua plataforma marítima gás e petróleo, riqueza desde sempre disputada pelos vizinhos. Aquelas duas potências, à margem da lei internacional, tinham feito o milagre de limitar o mar de Timor: depois de reconhecer devidamente a soberania Indonésia, a Austrália conseguira passar a explorar 85% do mar dos vizinhos. Mas uma das medidas de Alkatiri é chamar o seu a seu dono e, na legislação sobre os recursos petrolíferos, baixa a percentagem para 50%.As rotas dos homens entram em colisão sempre que há vencidos e vencedores – e os partidos quando saem de eleições, ficam em dois estados de espírito: uns exuberantes, outros ressentidos. Os vencidos colam-se ao Presidente da República. E Xanana, nos comunicados à nação (invariavelmente contra o Governo), acicata grupos de jovens que espalham o terror nas ruas de Díli.A 20 de Maio de 2002, José Luís Arnaut, ministro da Presidência do Executivo português, então liderado por Durão Barroso, visita oficialmente Timor. Portugal quer marcar presença no primeiro aniversário da independência e estreitar os interesses estratégicos com a antiga colónia. Está reunido com Alkatiri quando um som ensurdecedor invade as ruas de Díli. O primeiro-ministro tranquiliza-o: “Vamos continuar, são jovens descontentes que andam por aí com catanas, já é habitual”.Arnaut, social-democrata, ganha estima pelo marxista que gere o fundo do petróleo seguindo o modelo norueguês. Ao contrário de Xanana, que se deixa levar por sonhos perdulários e defende a injecção permanente de capital, Alkatiri, com austeridade, faz cálculos a longo prazo. Arnaut esboça-lhe o perfil: “Foi de uma extrema integridade. Havia uma percentagem do fundo que era direccionada para investimentos permanentes e o resto, que seria gerido através de um banco dos EUA, era capitalizado. Esses dividendos salvaguardavam os interesses de Timor porque o petróleo não dura sempre. Penso que nunca entenderam a sua bondade”.Enquanto Arnaut e Alkatiri conversam, Rui Lopes lidera os golpistas nas ruas. É uma peça-chave nestes acontecimentos e tem um passado tão inconstante como o do seu país. Filho de um oficial português e de uma timorense, permaneceu até 1975 como cabo ao serviço das tropas coloniais. Nessa altura ainda tinha as mãos enxutas de sangue, Mas, à medida que a recém-criada FRETILIN ganha força junto da população, Rui Lopes prefere juntar-se à UDT, partido conservador que conta, entre os fundadores, com João e Mário Carrascalão, filhos de uma família da elite timorense, muito aconchegada ao regime colonial.Com os serviços indonésios a instigá-los, e perante a cobardia do exército português, que acabaria por abandonar o barco, preparam um golpe. A FRETILIN, que tinha começado a organizar as Forças de Defesa de Timor-Leste (FDTL), obediente às purgas estalinistas, arrasa os opositores. Nas páginas da História fica o lacre de sangue de milhares de timorenses. Rui, como os irmãos Carrascalão, procura refúgio na Indonésia. Mas regressa a Timor depois meses depois para, a mando desta, comandar milícias numa expedição sangrenta contra o seu próprio povo.Com o desenrolar do tempo, Rui ganha afeição a Xanana. No início da década de 90, Mário Carrascalão torna-se o governador da ilha, sob a tutela indonésia. Mas faz jogo duplo e apoia a resistência. A tropa de Jacarta não dá tréguas a Xanana, que na liderança da resistência está cada vez mais encurralado. Carrascalão pede ajuda a Rui Lopes, que, em lembrança dos velhos tempos, passa a transportar Xanana sempre que o cerco aperta: “O Mário pediu-me para ajudar o Xanana e, se não fosse eu, ele tinha morrido. Mais tarde, quando os indonésios descobriram a traição, ajudou-me a fugir para Macau”.Em 2002, quando Xanana lhe telefona, Rui Lopes não hesita: “Ele queria acabar com o Governo de Alkatiri, até me ofereceu trabalho”. Rui encabeça a multidão que invade o Palácio das Cinzas, sede do Governo. José Luís Arnaut apercebe-se de repente que a morte é como os presentes fora das quadras festivas: surge quando menos se espera. Os GOE, grupo de operações especiais da PSP que presta segurança aos políticos portugueses, entram em acção. “Fomos retirados pelas traseiras e eu e os meus colegas ficámos refugiados na casa do bispo”. O tumulto espalha-se e o ministro português contacta o representante da ONU. Mas este não desata sem o agrément dos EUA: faz contas ao fuso horário e decide não sobressaltar o sono dos americanos.Entretanto, a casa de Alkatiri é queimada até à última parede e as residências de outros governantes seguem o mesmo caminho. Dezenas de portugueses procuram refúgio no quartel onde estão estacionadas as tropas portuguesas. Arnaut contacta Durão e o Presidente Jorge Sampaio, em Lisboa. Os dois passam-lhe carta branca para conter a revolta: o ministro português vira general e assume o comando da tropa lusa. Mas surge outro imbróglio: os tumultos espalham-se por toda a ilha e a filha de Sampaio está de férias no interior do país. Com o secretismo próprio das operações de resgate, Arnaut consegue retirar a jovem do local. “Aquilo não foi a brincar, tratava-se mesmo de um golpe para derrubar Alkatiri”.Naquele naco do Oriente a conspiração era um novelo de arame farpado que se estendia com o tempo. em 2005, é a vez da igreja participar na campanha contra o Governo. O primeiro-ministro Alkatiri atrevera-se a propor que a disciplina de Religião e Moral fosse facultativa nas escolas e o núncio apostólico, numa homilia, incentiva os crentes a pularem o dique da legalidade. Durante 19 dias, uma manifestação dirigida pelo topo do clero provoca distúrbios e faz parar o país. Xanana aproveita todas as oportunidades e Rui Lopes, mais uma vez, passa para a frente dos descontentes. O padre Juvito Araújo, seu amigo, recorda a acção dos instigadores que então deixaram o país à beira de um novo colapso: “Resultou tanto na perda de liderança dos bispos como do Presidente Xanana”.Para que Timor não vá a pique, Alkatiri dialoga com a oposição e pede ajuda a João Carrascalão , líder da UDT. É Rui Lopes que vai ao seu encontro: “Assegurei ao João que, se Alkatiri voltasse atrás, eu travava a manifestação. Ele prometeu e cumpriu, mostrou ser um homem de palavra. Hoje estou arrependido de ter entrado na revolução que levou à sua demissão”.2006 e a crise dos peticionáriosAs crises sucedem-se ao ritmo mal-humorado do clima semitropical da ilha. Alkatiri, que tem José Ramos-Horta na pasta dos Negócios Estrangeiros, vai atamancando as coisas. As receitas do petróleo ajudam Timor a livrar-se aos poucos do enguiço.Em 2006, o FMI e o Banco Mundial elogiam os progressos económicos da ilha e a sua governação sólida. Mas Xanana, destronado, tem o espinho em pontas na garganta. No rosto magro e seco de Alkatiri, apenas o olhar: mais afiado que lanceta de cirurgião, se exprime quando faz o balanço dos acontecimentos: “Primeiro assumiu-se como líder da resistência, depois passou por várias metamorfoses, para finalmente vir dizer que em multipartidarismo já não fazia sentido continuar a existir a FRETILIN. Tínhamos que dar lugar aos novos. Então a história, a identidade, não vem da resistência? É como chegar à África do Sul e dizer que a ANC tem de desaparecer”.Em Janeiro desse ano, depois de um exercício minucioso manobrado por Xanana, centenas de recrutas que tinham crescido durante a ocupação indonésia, liderados por Gastão Salsinha, um tenente das FDTL (exército timorense) suspeito de traficar sândalo, enchem as ruas. Os jovens militares oriundos da zona oeste do país (loromonos), queixam-se de discriminação por parte dos veteranos que, no leste, tinham feito a resistência. O calendário seguinte parece as páginas de um diário esquizofrénico. Em Abril, Salsinha envia uma petição com as reivindicações daqueles recrutas ao Presidente, supremo comandante das Forças Armadas. No dia seguinte, centenas de peticionários alinham em parada para Xanana, que promete resolver a questão e os manda regressar ao quartel. Mas Taur Matan Ruak, comandante do exército timorense, sabe que se ceder na disciplina nunca mais terá exército e proclama-os desertores.Xanana sabia que qualquer palavra sua naquele momento seria levada á letra. Num comunicado à nação, incentiva os peticionários à insubordinação. O discurso trai os seus intentos, falta-lhe ainda o instinto da simulação: “Eu sei que toda a gente espera que eu diga alguma coisa sobre a crise das FDTL. Algumas pessoas dizem que o Supremo Comandante só tem poder em tempo de ameaça ou guerra. essas pessoas estão correctas e incorrectas. porque, em tempos de paz e ordem, o Supremo Comandante ainda tem o poder de passar revista às Forças Armadas nos dias de festas nacionais”.Salsinha dirige-se com os peticionários para o palácio do Governo. Milhares de deslocados – pessoas que durante a invasão se tinham refugiado nas montanhas ou nos arrabaldes de Jacarta e que, regressadas à cidade, ainda não tinham tecto nem emprego – juntam-se aos motins. Jovens timorenses, expert nas artes marciais, que se uniram em torno do Partido Democrático, munidos de catanas e gasolina, lançam o caos e o fogo por onde passam. E Rui Lopes, useiro e vezeiro em tudo o que é intentona, é de novo recrutado. O major Tara (que fizera a resistência ao lado de Xanana) vai ao seu encontro: “Disse-me que um ministro de Alkatiri, o Rogério Lobato, tinha distribuído armas à população para matarem a oposição e pediu-me para ajudar na revolução”.Forma-se uma teia bem organizada de operacionais com missões diferentes. Rui coordena as operações, mas não estava dentro do espírito do golpe. Os acontecimentos tomam, para ele, um rumo imprevisto: “O Salsinha contou-me que, ao chegar ao palácio, já lá estavam jovens a deitar fogo aos carros. Preocupado, ligou ao Xanana e ele respondeu-lhe: 'Deita mais gasolina para isso ficar mais quente'”. Um mês depois, a 23 de Maio, entram em cena outros militarem que lideram grupos diferentes e apoiam os peticionários. Cada grupo tem missões específicas, passando uns a atacar o exército. O major Alfredo Reinado Alves ataca uma patrulha das FDTL, e faz oito baixas. Rui Lopes fala com ele: “Disse-me que, quando chegou, já lá estava muita gente a provocar. Ligou ao Xanana que lhe disse: 'É pá, põe fogo aí em baixo (em Fatuai), que eu ponho fogo aqui em cima (Díli)'”.Quem é Alfredo ReinadoMais tarde, já em 2008, Reinado há-de voltar-se contra o criador e será morto. Acabará como viveu, ao sabor das surpresas. O pai, um empreiteiro português, chegara a Timor durante a II Guerra. Com mulher em Portugal, apaixonou-se por uma timorense, Laurinda, sobrinha do liurai de Maubisse, um chefe tradicional. Casam-se segundo os rituais locais e o filho cresce ao sabor de duas culturas, até que as tropas da Indonésia invadem a ilha. Tinha apenas oito anos e a mãe esconde-se com ele na mata. Acaba por ser capturado pelos indonésios e passa a carregar munições e alimentos para a frente dos combates. Quando o comandante da força que o miúdo integra é rendido e regressa a Jacarta, leva-o num caixote para tratar dos seus cabritos.Aos 15 anos, Reinado consegue fugir, ao comando de um veleiro. Em Díli, procura em vão o pai, que mudara o negócio para a Austrália, e acaba à porta de um tio, Vítor Alves (actualmente conselheiro de estado). Um dia, a resistência precisa de passar uns documentos para Darwin e é Alfredo reinado quem, novamente ao comando de umbarco, leva a mercadoria. Aí retoma os contactos com o pai e ingressa na Australian Defense Force Academy, onde se especializa em gestão de emergência e de defesa.Após a independência, Reinado regressa e em pouco tempo chega a comandante da Polícia Militar de Timor. Domina o inglês e a língua indonésia e destaca-se de outros militares. Misto de bandoleiro e idealista da causa loromono, terá um importante papel no golpe que estará na origem da queda de Alkatiri.No dia seguinte á operação de Reinado, a que mais baixas fez no exército timorense, entra em acção Rai Lós. este, com um grupo da polícia nacional – comandado por Paulo Martins, velho amigo de Xanana – ataca de novo elementos do exército (FDTL). Mais tarde, quando tudo acabou na barra do tribunal, descobriu-se de quem recebia ordens. Um salvo-conduto assinado por Xanana e Paulo Martins, documento que consta do processo do tribunal de Díli, dava margem para agir: “Estão autorizados e devem facilitar os movimentos de Rai Lós e do seu grupo que estão em missão oficial”. Chamadas entre Xanana e Rai Lós também abundam no processo.Criava-se um clima de provocação para que Taur Matan Ruak, comandante das FDTL, a quem tinham atacado a casa fazendo dois mortos, reagisse e se instalasse a guerra que permitiria a intervenção estrangeira. O primeiro-ministro australiano, com o fito no petróleo, não perde tempo: afirma à imprensa que o estado de Timor-Leste já não existe e envia dois navios para a ilha, que se mantêm ao largo.Rui Lopes, entretanto, reúne-se com o major Tara, que lidera outro grupo militar: Quer saber a quantidade de material bélico de que dispõem para continuar o golpe e, segundo recorda, o outro faz-lhe um diagnóstico preciso: “'Não te preocupes, daqui a três dias chegam os militares australianos'. E chegaram. Diga-me lá como adivinhavam uma coisa destas?”.A conspiração está a chegar ao fim. Salsinha e os seus homens procuram abrigo nas montanhas. Alfredo Reinado folga numa pousada em Maubisse, a sul da capital, onde recebe uma missiva do Presidente Xanana: “Bom dia! Já combinei com as forças australianas e vocês têm de ir estacionar em Aileu. Se houver peticionários convosco, eles têm de ir juntar-se em Gleno. Por favor cumpram essa ordem. Também estou a escrever ao tenente Salsinha, para implementar essa ordem. Abraços a todos”. Reinado aplaude, numa carta de resposta: “Estou convosco, estou com a Austrália”.É o golpe de 2006 que acaba por cilindrar Mari Alkatiri: acusam-no de ter contribuído na entrega das armas aos insubordinados. “Diziam que eu e o Ruak estávamos envolvidos nos acontecimentos. Se não me demitisse matavam-me. Não o fiz por medo, mas para impedir mais derramamento de sangue, pois tinha 20 mil apoiantes à porta da cidade prontos para tudo” - recorda.Reinado é traído e presoA 8 de Junho, Xanana nomeia Ramos-Horta primeiro-ministro e exige eleições antecipadas. Mas Horta bate-lhe o pé: “Se insistes nisso, resigno. Num momento destes isso é completamente irresponsável”. Sucedera a Alkatiri à frente do Governo e acaba por dar o rosto ao final do jogo. Tenta negociar com alguns dos rebeldes, entre eles Rai Lós (que dois anos depois se envolveria na conspiração que quase o matou). Ainda hoje, a memória de Ramos-Horta conforma-se com a versão oficial: “O Rai Lós disse-me que, se entregasse as armas, o Alkatiri o matava”.Ainda nesse ano, Horta celebra com os vizinhos australianos o primeiro contrato de partilha da exploração do petróleo. Dá uma explicação cristã: “A Austrália não pode ser sempre filantrópica em tudo o que faz relativamente a Timor”,Os rebeldes reúnem-se em Gleno (60 Km a sudoeste de Díli). Dão-se os últimos retoques nas negociações para a entrega das armas, mas Alfredo Reinado mantém-se na pousada. Com a mulher e os filhos a residirem na Austrália, apaixona-se por Ameta, uma ex-polícia de Díli, que abandonara o quartel para estar ao seu lado e engravidara.Reinado traz um dragão tatuado no peito, mas na verdade obedece ao fogo do bicho. Gosta de mulheres e de pândega e é cobiçado por casadas e solteiras, que lhe fazem chegar à montanha todo o género de manjares. Nada lhe falta. Em Junho de 2006, o rebelde, obediente às ordens traçadas na carta que Xanana lhe enviara, juntara-se em Gleno aos peticionários para entregarem as armas às forças australianas. Sem adivinhar ciladas, com mais 20 homens, entre eles alguns dos peticionários liderados por Gastão Salsinha, parte para a capital para oficializar a rendição.Em Díli, Damian Hill, oficial das Forças Internacionais de Segurança – um grupo com elementos da Nova Zelândia, Malásia e Portugal, que Ramos-Horta pedira para controlar os desmandos provocados pela crise -, prepara as casas para instalar os rebeldes. Reinado instala-se, mas, durante uma busca, são encontradas meia-dúzia de armas e munições. Longuinhos Monteiro, procurador-geral da República Timorense, e Ramos Pinto, embaixador português, acompanhados pelas forças australianas, mostram-se surpreendidos. Estoira a discussão. Quando Hill abandona o local, os ânimos já tinham serenado e o militar sai com a convicção de que a promessa feita pelo Presidente aos rebeldes seria cumprida: “Eles entregaram as armas voluntariamente. O Reinado até disse com um sorriso: 'Ainda vai haver mais'. E o que eu entendi é que o procurador aceitava a recolha das armas como fazendo parte do acordo de amnistia”.Umas horas depois, surge a surpresa. As tropas australianas desobedecem ao que estava estabelecido pela amnistia proposta por Xanana e prendem Reinado e os seus homens. Susar (um dos detidos que mais tarde entraria no complot que levaria à morte do seu chefe) ainda hoje não entende a reviravolta: “Entregámos tudo, eram meia dúzia de pistolas e, sem mais nem menos, acabámos presos”,Mas Reinado recebe a traição de forma inesperada. Telefona a Rui Lopes: “O velho (Xanana) traiu-me, preciso da tua ajuda”. Na prisão, entra em entendimento com os guardas. Para não os entalar, Reinado simula uma escaramuça e em Agosto foge com os seus homens. Rui nunca falha nos momentos difíceis: “Fui eu e o meu filho quem alugámos o carro. Mas como as mulheres dão menos nas vistas, foi uma das suas amantes que o conduziu”.Reinado já não tinha serventia. Transporta com ele segredos do estado e passa a constituir uma ameaça. Entre os rebeldes, o prestígio de Xanana estremece.Nos primeiros dias de Março de 2007, depois das eleições que ascendem Ramos-Horta a Presidente da Repúblicas, as forças australianas cercam Reinado. Anda de esconderijo em esconderijo e alimenta-se de cascas de banana. Num dos ataques perde cinco operacionais e passa a obedecer à fúria dos traídos.2007-2008, as eleições e a amnistia para ReinadoAs novas eleições legislativas estão em marcha. Xanana ressuscita o Conselho Nacional da Resistência (movimento criado em 1998 para reunir todos os partidos e intelectuais que lutavam pela independência) e transforma-o em partido. Aguarda um resultado triunfal. Com a juventude e a Igreja ao lado dos peticionários, percebe que tem de reconquistar Reinado.É aqui que entra em cena Angelita Pires, espécie de Mara-Hari local. A mulher usa a beleza com o mesmo tino com que as sereias afinavam o canto para fazer perder os navegantes. O seu passado é um rol de amores e desamores, espalhado pelos vários cantos do mundo. Nascera em Lospalos, onde o pai era administrador no tempo colonial. Durante a guerra civil de 1975, a família procura refúgio na Austrália, onde Angelita acaba por crescer: Na década de 80, em Singapura, liga-se a um empresário e passa a trabalhar em casinos. Portugal entra no seu périplo e chega a ter casamento marcado no Porto com um militar português. Quando Xanana, em 1994, é preso, aparece em Jacarta e passa a pertencer ao entourage que na Indonésia dá apoio ao líder da resistência timorense, encerrado em Salemba.Em 1998, Alkatiri, ministro dos negócios estrangeiros no exílio desde 1975, que gere o dossiê do petróleo, recebe um telefonema da prisão de Salemba. Xanana metia cunhas por Angelita: “Disse.me para falar com a Angelita que era a pessoa ideal para trabalhar comigo na questão do petróleo”. Alkatiri acciona a sua rede de informações e desloca-se a Darwin ao encontro da senhora: “O que soube sobre ela era muito complexo, mas bastaram duas horas de conversa para perceber que, além de tudo, era esquizofrénica. Comuniquei ao Xanana que com ela nunca trabalharia”,A timorense é rápida a reparar a sua sorte. Com o regresso de Xanana a Timor, apesar de a misteriosa Kirsty Sword (a professora australiana com quem este viria a casar) já ocupar o salão do coração do homem, Angelita anuncia que será primeira-dama. Ganha a vida como relações públicas de um restaurante, mas rapidamente atalha caminho: torna-se assessora de Longuinhos Monteiro, procurador-geral da República. Mas não tem qualquer formação jurídica, a fraude é descoberta e ela despedida. Angelita vira-se então para a política: está com Fernando Lassama de Araújo, líder do Partido Democrático (PD), um dos partidos da oposição, e acredita na vitória autoproclamada por Xanana.Após o ataque das forças australianas, o nome de Alfredo Reinado galgara o mundo. Em entrevistas, vai largando ameaças a Xanana. Numa estação de televisão indonésia, atribui-lhe a responsabilidade do golpe e incrimina-o: “Se eu for preso, ele também vai”.O major fora indiciado por um magistrado português em comissão de serviço em Díli por crimes de rebelião e de vários homicídios. Sobre ele e o seu grupo pendiam mandatos de captura. Xanana, que não pode viver nem com o foragido nem sem ele, e olha para a Justiça como um órgão de soberania secundário, ordena: “S. Ex.ª o Presidente manda que, a partir desta data, cessam todas as operações militares e policiais com vista à captura do Sr. major Alfredo reinado e de todos os seus associados”.Angelita – unha e carne com Benevides Correia, advogado dos peticionários e membro do Conselho de Estado – não perde a oportunidade: passa a circular pelas montanhas que abrigam Reinado. Rui Lopes também por lá continua a aparecer: “Com o tempo, apercebi-me de que era uma aldrabona. Começou a propor-me projectos de milhões de dólares com os australianos, garantindo que eles davam o crédito. Mas era tudo aldrabice, Angelina só estava ali para dominar o Reinado”.As eleições legislativas estão à porta e, em Ermera (zona central do país), onde os rebeldes se refugiaram, reina a animação. Matam-se veados e verte-se o vinho. Por lá aparece, de quando em quando, Fernando Lassama, o intermediário diplomático enviado por Xanana. Reinado passara a levar a sua missão como uma investidura sacerdotal, reunira ali as suas tropas e tornara-se o líder dos peticionários. Salsinha passa a seu adjunto.Rui Lopes, que acompanha as démarches, sabe que no coração de Reinado convivem sentimentos contraditórios. Xanana pedira-lhe que fizesse uma declaração a apoiar o seu partido, mas ele esquivara-se, perdera a confiança: “Xanana prometera-lhe que, se ganhasse as eleições, resolvia o problema dos peticionários. Mas ele esperava para ver. Até mudou o cartão do telemóvel para não falar com ele”.No último dia de Junho de 2007, o povo timorense, farto do perpétuo impasse e do novo cativeiro, penaliza todos os partidos. Xanana, o ex-líder da resistência, perdera o prestígio. A FRETILIN, de Alkatiri, é o partido mais votado. Ele próprio faz a análise: “O povo mostrou que estava descontente com todos. Mas nós tivemos 29% e o Xanana 24%. Teve de se unir a três partidos e mesmo assim sentiu legitimidade para reclamar e fazer Governo. Eu não sentiria. Por isso, a FRETILIN nunca reconheceu aquele Governo.Em apenas um ano de governação a economia fica de rastos e os peticionários continuam a monte. Alkatiri tenta inverter a rota da crise e, em Dezembro de 2007, escreve ao secretário-geral da ONU. Hoje, reconstrói os pontos fundamentais da missiva que meses depois levaram a nova conspiração: “Os resultados da má governação eram claríssimos e propusemos eleições antecipadas. Mas o objectivo fundamental da FRETILIN era chegar a um acordo interpartidário para ultrapassar a crise”.A carta é remetida a Ramos-Horta, que, farto das convulsões políticas, se mostra aberto à discussão e marca uma reunião para 8 de Fevereiro de 2008, com todos os parceiros políticos. Nessa manhã, Xanana antecipa-se e convoca os partidos da sua coligação de Governo. Mário Carrascalão, líder da UDT, recorda: “O primeiro-ministro queria que tomássemos uma posição comum de rejeição às eleições antecipadas”. Mas Lassama, outro dos participantes, tem uma memória diferente: “Não se tratou de um encontro para concertar o que íamos dizer sobre as eleições. Falou-se apenas dos problemas gerais da nação. Nessa tarde, um dos assuntos prioritários na agenda presidencial era encontrar uma solução para resolver a situação dos peticionários”.(...) - ContinuaTexto de FELÍCIA CABRITA, enviada a Díli - Tabu, 28/'6/'8 - Transcrito por MARGARIDA


.Esta é a história do que se passou em Timor-Leste no dia 11 de Fevereiro de 2008. Com base em documentos, testemunhos dos principais intervenientes, registos telefónicos e fotos (algumas médico-legais, analisadas por peritos portugueses), prova-se como Alfredo Reinado não pretendia matar Ramos-Horta, muito menos Xanana Gusmão. Pelo contrário, os dois primeiros são vítimas de uma conspiração dos seus mais próximos, que tem origem nas crises, golpes e inimizades em que o país vive desde a independência, em 2001. E em que Xanana se revela uma figura complexa..Aquele domingo de Fevereiro, para o Presidente da República de Timor-Leste, era um dia como outro qualquer. O homem que em 1996 recebeu o Nobel da Paz acordara sem maus pressentimentos. Mas a essa hora, após uma noite em claro, militares rebeldes feitos com elementos da sua segurança já tinham em marcha um plano para o aniquilarem. Ainda não são seis da manhã quando José Ramos-Horta, sem tomar o pequeno-almoço, abandona a residência em Metihau. O dia não abrira, as sombras das montanhas em redor projectam-se na estrada que leva à praia da Areia Branca e o Presidente procura a lanterna para sair.As suas manhãs nunca variam, a não ser que a agenda política as baralhe. Ele parece necessitar da força apaziguadora que arrastam as rotinas e inicia o jogging. Sem precauções, como se vivesse num país aconchegado às normas democráticas, fez-se acompanhar apenas por dois seguranças, um deles desarmado. Quando chega à praia, abranda a passada rumo ao Cristo-rei, a estátua que num alto parece zelar pelos pescadores que se fazem ao pargo vermelho, fora dos corais. Aí, chega a meio do crosse e volta para trás. Já de volta, junto ao mar, Horta ouve as primeiras rajadas e comenta com Pedro Soares, um dos seguranças: “Parecem tiros!”. O outro, com o desembaraço de uma mente despreocupada, responde: “Algum descuido...”. As rajadas repetem-se, parecem vir da direcção da sua casa e o Presidente, sem que o instinto de sobrevivência o advirta, avança.Fora ele, no entanto, quem, sem adivinhar que há negociações fatais, accionara os tumultos que naquele dia, 11 de Fevereiro de 2008, deixariam de novo Timor na corda bamba.Três dias antes (8 de Fevereiro) reunira-se com todos os partidos e com o primeiro-ministro, Xanana Gusmão. Antigos elementos da resistência, que se tinham mantido unidos contra o colonialismo português e a ocupação indonésia, estão agora frente-a-frente com os novos políticos. Na sala de reuniões desfilam os protagonistas. Mari Alkatiri, secretário-geral da Frente Revolucionária de Timor-Leste (FRETILIN), é o mais temido: há muito que anda de cadeias às avessas com Xanana, o mítico líder da resistência.2002-2005, o petróleo e a guerra Alkatiri-XananaNaquele momento de suspense, em que o destino do país está de novo em jogo, talvez as memórias dos dois adversários se cruzem, ressuscitando momentos-chave que os separaram. Para isso tinham de recuar a 2002, quando a Timor – reconhecida um ano antes pelas Nações Unidas como Estado independente – parecia ter chegado a acalmia. Cabe então a Mari Alkatiri liderar o primeiro Governo constitucional, enquanto Xanana é o Presidente da república. Mas a Constituição, cópia da portuguesa, remete o herói para um papel secundário.Durante o primeiro ano de governação, Alkatiri que ao contrário de Xanana se mantivera fiel ao marxismo, ganha o primeiro inimigo de peso. Timor, uma pequena ilha asiática encurralada entre a Austrália e a Indonésia, tem no forro da sua plataforma marítima gás e petróleo, riqueza desde sempre disputada pelos vizinhos. Aquelas duas potências, à margem da lei internacional, tinham feito o milagre de limitar o mar de Timor: depois de reconhecer devidamente a soberania Indonésia, a Austrália conseguira passar a explorar 85% do mar dos vizinhos. Mas uma das medidas de Alkatiri é chamar o seu a seu dono e, na legislação sobre os recursos petrolíferos, baixa a percentagem para 50%.As rotas dos homens entram em colisão sempre que há vencidos e vencedores – e os partidos quando saem de eleições, ficam em dois estados de espírito: uns exuberantes, outros ressentidos. Os vencidos colam-se ao Presidente da República. E Xanana, nos comunicados à nação (invariavelmente contra o Governo), acicata grupos de jovens que espalham o terror nas ruas de Díli.A 20 de Maio de 2002, José Luís Arnaut, ministro da Presidência do Executivo português, então liderado por Durão Barroso, visita oficialmente Timor. Portugal quer marcar presença no primeiro aniversário da independência e estreitar os interesses estratégicos com a antiga colónia. Está reunido com Alkatiri quando um som ensurdecedor invade as ruas de Díli. O primeiro-ministro tranquiliza-o: “Vamos continuar, são jovens descontentes que andam por aí com catanas, já é habitual”.Arnaut, social-democrata, ganha estima pelo marxista que gere o fundo do petróleo seguindo o modelo norueguês. Ao contrário de Xanana, que se deixa levar por sonhos perdulários e defende a injecção permanente de capital, Alkatiri, com austeridade, faz cálculos a longo prazo. Arnaut esboça-lhe o perfil: “Foi de uma extrema integridade. Havia uma percentagem do fundo que era direccionada para investimentos permanentes e o resto, que seria gerido através de um banco dos EUA, era capitalizado. Esses dividendos salvaguardavam os interesses de Timor porque o petróleo não dura sempre. Penso que nunca entenderam a sua bondade”.Enquanto Arnaut e Alkatiri conversam, Rui Lopes lidera os golpistas nas ruas. É uma peça-chave nestes acontecimentos e tem um passado tão inconstante como o do seu país. Filho de um oficial português e de uma timorense, permaneceu até 1975 como cabo ao serviço das tropas coloniais. Nessa altura ainda tinha as mãos enxutas de sangue, Mas, à medida que a recém-criada FRETILIN ganha força junto da população, Rui Lopes prefere juntar-se à UDT, partido conservador que conta, entre os fundadores, com João e Mário Carrascalão, filhos de uma família da elite timorense, muito aconchegada ao regime colonial.Com os serviços indonésios a instigá-los, e perante a cobardia do exército português, que acabaria por abandonar o barco, preparam um golpe. A FRETILIN, que tinha começado a organizar as Forças de Defesa de Timor-Leste (FDTL), obediente às purgas estalinistas, arrasa os opositores. Nas páginas da História fica o lacre de sangue de milhares de timorenses. Rui, como os irmãos Carrascalão, procura refúgio na Indonésia. Mas regressa a Timor depois meses depois para, a mando desta, comandar milícias numa expedição sangrenta contra o seu próprio povo.Com o desenrolar do tempo, Rui ganha afeição a Xanana. No início da década de 90, Mário Carrascalão torna-se o governador da ilha, sob a tutela indonésia. Mas faz jogo duplo e apoia a resistência. A tropa de Jacarta não dá tréguas a Xanana, que na liderança da resistência está cada vez mais encurralado. Carrascalão pede ajuda a Rui Lopes, que, em lembrança dos velhos tempos, passa a transportar Xanana sempre que o cerco aperta: “O Mário pediu-me para ajudar o Xanana e, se não fosse eu, ele tinha morrido. Mais tarde, quando os indonésios descobriram a traição, ajudou-me a fugir para Macau”.Em 2002, quando Xanana lhe telefona, Rui Lopes não hesita: “Ele queria acabar com o Governo de Alkatiri, até me ofereceu trabalho”. Rui encabeça a multidão que invade o Palácio das Cinzas, sede do Governo. José Luís Arnaut apercebe-se de repente que a morte é como os presentes fora das quadras festivas: surge quando menos se espera. Os GOE, grupo de operações especiais da PSP que presta segurança aos políticos portugueses, entram em acção. “Fomos retirados pelas traseiras e eu e os meus colegas ficámos refugiados na casa do bispo”. O tumulto espalha-se e o ministro português contacta o representante da ONU. Mas este não desata sem o agrément dos EUA: faz contas ao fuso horário e decide não sobressaltar o sono dos americanos.Entretanto, a casa de Alkatiri é queimada até à última parede e as residências de outros governantes seguem o mesmo caminho. Dezenas de portugueses procuram refúgio no quartel onde estão estacionadas as tropas portuguesas. Arnaut contacta Durão e o Presidente Jorge Sampaio, em Lisboa. Os dois passam-lhe carta branca para conter a revolta: o ministro português vira general e assume o comando da tropa lusa. Mas surge outro imbróglio: os tumultos espalham-se por toda a ilha e a filha de Sampaio está de férias no interior do país. Com o secretismo próprio das operações de resgate, Arnaut consegue retirar a jovem do local. “Aquilo não foi a brincar, tratava-se mesmo de um golpe para derrubar Alkatiri”.Naquele naco do Oriente a conspiração era um novelo de arame farpado que se estendia com o tempo. em 2005, é a vez da igreja participar na campanha contra o Governo. O primeiro-ministro Alkatiri atrevera-se a propor que a disciplina de Religião e Moral fosse facultativa nas escolas e o núncio apostólico, numa homilia, incentiva os crentes a pularem o dique da legalidade. Durante 19 dias, uma manifestação dirigida pelo topo do clero provoca distúrbios e faz parar o país. Xanana aproveita todas as oportunidades e Rui Lopes, mais uma vez, passa para a frente dos descontentes. O padre Juvito Araújo, seu amigo, recorda a acção dos instigadores que então deixaram o país à beira de um novo colapso: “Resultou tanto na perda de liderança dos bispos como do Presidente Xanana”.Para que Timor não vá a pique, Alkatiri dialoga com a oposição e pede ajuda a João Carrascalão , líder da UDT. É Rui Lopes que vai ao seu encontro: “Assegurei ao João que, se Alkatiri voltasse atrás, eu travava a manifestação. Ele prometeu e cumpriu, mostrou ser um homem de palavra. Hoje estou arrependido de ter entrado na revolução que levou à sua demissão”.2006 e a crise dos peticionáriosAs crises sucedem-se ao ritmo mal-humorado do clima semitropical da ilha. Alkatiri, que tem José Ramos-Horta na pasta dos Negócios Estrangeiros, vai atamancando as coisas. As receitas do petróleo ajudam Timor a livrar-se aos poucos do enguiço.Em 2006, o FMI e o Banco Mundial elogiam os progressos económicos da ilha e a sua governação sólida. Mas Xanana, destronado, tem o espinho em pontas na garganta. No rosto magro e seco de Alkatiri, apenas o olhar: mais afiado que lanceta de cirurgião, se exprime quando faz o balanço dos acontecimentos: “Primeiro assumiu-se como líder da resistência, depois passou por várias metamorfoses, para finalmente vir dizer que em multipartidarismo já não fazia sentido continuar a existir a FRETILIN. Tínhamos que dar lugar aos novos. Então a história, a identidade, não vem da resistência? É como chegar à África do Sul e dizer que a ANC tem de desaparecer”.Em Janeiro desse ano, depois de um exercício minucioso manobrado por Xanana, centenas de recrutas que tinham crescido durante a ocupação indonésia, liderados por Gastão Salsinha, um tenente das FDTL (exército timorense) suspeito de traficar sândalo, enchem as ruas. Os jovens militares oriundos da zona oeste do país (loromonos), queixam-se de discriminação por parte dos veteranos que, no leste, tinham feito a resistência. O calendário seguinte parece as páginas de um diário esquizofrénico. Em Abril, Salsinha envia uma petição com as reivindicações daqueles recrutas ao Presidente, supremo comandante das Forças Armadas. No dia seguinte, centenas de peticionários alinham em parada para Xanana, que promete resolver a questão e os manda regressar ao quartel. Mas Taur Matan Ruak, comandante do exército timorense, sabe que se ceder na disciplina nunca mais terá exército e proclama-os desertores.Xanana sabia que qualquer palavra sua naquele momento seria levada á letra. Num comunicado à nação, incentiva os peticionários à insubordinação. O discurso trai os seus intentos, falta-lhe ainda o instinto da simulação: “Eu sei que toda a gente espera que eu diga alguma coisa sobre a crise das FDTL. Algumas pessoas dizem que o Supremo Comandante só tem poder em tempo de ameaça ou guerra. essas pessoas estão correctas e incorrectas. porque, em tempos de paz e ordem, o Supremo Comandante ainda tem o poder de passar revista às Forças Armadas nos dias de festas nacionais”.Salsinha dirige-se com os peticionários para o palácio do Governo. Milhares de deslocados – pessoas que durante a invasão se tinham refugiado nas montanhas ou nos arrabaldes de Jacarta e que, regressadas à cidade, ainda não tinham tecto nem emprego – juntam-se aos motins. Jovens timorenses, expert nas artes marciais, que se uniram em torno do Partido Democrático, munidos de catanas e gasolina, lançam o caos e o fogo por onde passam. E Rui Lopes, useiro e vezeiro em tudo o que é intentona, é de novo recrutado. O major Tara (que fizera a resistência ao lado de Xanana) vai ao seu encontro: “Disse-me que um ministro de Alkatiri, o Rogério Lobato, tinha distribuído armas à população para matarem a oposição e pediu-me para ajudar na revolução”.Forma-se uma teia bem organizada de operacionais com missões diferentes. Rui coordena as operações, mas não estava dentro do espírito do golpe. Os acontecimentos tomam, para ele, um rumo imprevisto: “O Salsinha contou-me que, ao chegar ao palácio, já lá estavam jovens a deitar fogo aos carros. Preocupado, ligou ao Xanana e ele respondeu-lhe: 'Deita mais gasolina para isso ficar mais quente'”. Um mês depois, a 23 de Maio, entram em cena outros militarem que lideram grupos diferentes e apoiam os peticionários. Cada grupo tem missões específicas, passando uns a atacar o exército. O major Alfredo Reinado Alves ataca uma patrulha das FDTL, e faz oito baixas. Rui Lopes fala com ele: “Disse-me que, quando chegou, já lá estava muita gente a provocar. Ligou ao Xanana que lhe disse: 'É pá, põe fogo aí em baixo (em Fatuai), que eu ponho fogo aqui em cima (Díli)'”.Quem é Alfredo ReinadoMais tarde, já em 2008, Reinado há-de voltar-se contra o criador e será morto. Acabará como viveu, ao sabor das surpresas. O pai, um empreiteiro português, chegara a Timor durante a II Guerra. Com mulher em Portugal, apaixonou-se por uma timorense, Laurinda, sobrinha do liurai de Maubisse, um chefe tradicional. Casam-se segundo os rituais locais e o filho cresce ao sabor de duas culturas, até que as tropas da Indonésia invadem a ilha. Tinha apenas oito anos e a mãe esconde-se com ele na mata. Acaba por ser capturado pelos indonésios e passa a carregar munições e alimentos para a frente dos combates. Quando o comandante da força que o miúdo integra é rendido e regressa a Jacarta, leva-o num caixote para tratar dos seus cabritos.Aos 15 anos, Reinado consegue fugir, ao comando de um veleiro. Em Díli, procura em vão o pai, que mudara o negócio para a Austrália, e acaba à porta de um tio, Vítor Alves (actualmente conselheiro de estado). Um dia, a resistência precisa de passar uns documentos para Darwin e é Alfredo reinado quem, novamente ao comando de umbarco, leva a mercadoria. Aí retoma os contactos com o pai e ingressa na Australian Defense Force Academy, onde se especializa em gestão de emergência e de defesa.Após a independência, Reinado regressa e em pouco tempo chega a comandante da Polícia Militar de Timor. Domina o inglês e a língua indonésia e destaca-se de outros militares. Misto de bandoleiro e idealista da causa loromono, terá um importante papel no golpe que estará na origem da queda de Alkatiri.No dia seguinte á operação de Reinado, a que mais baixas fez no exército timorense, entra em acção Rai Lós. este, com um grupo da polícia nacional – comandado por Paulo Martins, velho amigo de Xanana – ataca de novo elementos do exército (FDTL). Mais tarde, quando tudo acabou na barra do tribunal, descobriu-se de quem recebia ordens. Um salvo-conduto assinado por Xanana e Paulo Martins, documento que consta do processo do tribunal de Díli, dava margem para agir: “Estão autorizados e devem facilitar os movimentos de Rai Lós e do seu grupo que estão em missão oficial”. Chamadas entre Xanana e Rai Lós também abundam no processo.Criava-se um clima de provocação para que Taur Matan Ruak, comandante das FDTL, a quem tinham atacado a casa fazendo dois mortos, reagisse e se instalasse a guerra que permitiria a intervenção estrangeira. O primeiro-ministro australiano, com o fito no petróleo, não perde tempo: afirma à imprensa que o estado de Timor-Leste já não existe e envia dois navios para a ilha, que se mantêm ao largo.Rui Lopes, entretanto, reúne-se com o major Tara, que lidera outro grupo militar: Quer saber a quantidade de material bélico de que dispõem para continuar o golpe e, segundo recorda, o outro faz-lhe um diagnóstico preciso: “'Não te preocupes, daqui a três dias chegam os militares australianos'. E chegaram. Diga-me lá como adivinhavam uma coisa destas?”.A conspiração está a chegar ao fim. Salsinha e os seus homens procuram abrigo nas montanhas. Alfredo Reinado folga numa pousada em Maubisse, a sul da capital, onde recebe uma missiva do Presidente Xanana: “Bom dia! Já combinei com as forças australianas e vocês têm de ir estacionar em Aileu. Se houver peticionários convosco, eles têm de ir juntar-se em Gleno. Por favor cumpram essa ordem. Também estou a escrever ao tenente Salsinha, para implementar essa ordem. Abraços a todos”. Reinado aplaude, numa carta de resposta: “Estou convosco, estou com a Austrália”.É o golpe de 2006 que acaba por cilindrar Mari Alkatiri: acusam-no de ter contribuído na entrega das armas aos insubordinados. “Diziam que eu e o Ruak estávamos envolvidos nos acontecimentos. Se não me demitisse matavam-me. Não o fiz por medo, mas para impedir mais derramamento de sangue, pois tinha 20 mil apoiantes à porta da cidade prontos para tudo” - recorda.Reinado é traído e presoA 8 de Junho, Xanana nomeia Ramos-Horta primeiro-ministro e exige eleições antecipadas. Mas Horta bate-lhe o pé: “Se insistes nisso, resigno. Num momento destes isso é completamente irresponsável”. Sucedera a Alkatiri à frente do Governo e acaba por dar o rosto ao final do jogo. Tenta negociar com alguns dos rebeldes, entre eles Rai Lós (que dois anos depois se envolveria na conspiração que quase o matou). Ainda hoje, a memória de Ramos-Horta conforma-se com a versão oficial: “O Rai Lós disse-me que, se entregasse as armas, o Alkatiri o matava”.Ainda nesse ano, Horta celebra com os vizinhos australianos o primeiro contrato de partilha da exploração do petróleo. Dá uma explicação cristã: “A Austrália não pode ser sempre filantrópica em tudo o que faz relativamente a Timor”,Os rebeldes reúnem-se em Gleno (60 Km a sudoeste de Díli). Dão-se os últimos retoques nas negociações para a entrega das armas, mas Alfredo Reinado mantém-se na pousada. Com a mulher e os filhos a residirem na Austrália, apaixona-se por Ameta, uma ex-polícia de Díli, que abandonara o quartel para estar ao seu lado e engravidara.Reinado traz um dragão tatuado no peito, mas na verdade obedece ao fogo do bicho. Gosta de mulheres e de pândega e é cobiçado por casadas e solteiras, que lhe fazem chegar à montanha todo o género de manjares. Nada lhe falta. Em Junho de 2006, o rebelde, obediente às ordens traçadas na carta que Xanana lhe enviara, juntara-se em Gleno aos peticionários para entregarem as armas às forças australianas. Sem adivinhar ciladas, com mais 20 homens, entre eles alguns dos peticionários liderados por Gastão Salsinha, parte para a capital para oficializar a rendição.Em Díli, Damian Hill, oficial das Forças Internacionais de Segurança – um grupo com elementos da Nova Zelândia, Malásia e Portugal, que Ramos-Horta pedira para controlar os desmandos provocados pela crise -, prepara as casas para instalar os rebeldes. Reinado instala-se, mas, durante uma busca, são encontradas meia-dúzia de armas e munições. Longuinhos Monteiro, procurador-geral da República Timorense, e Ramos Pinto, embaixador português, acompanhados pelas forças australianas, mostram-se surpreendidos. Estoira a discussão. Quando Hill abandona o local, os ânimos já tinham serenado e o militar sai com a convicção de que a promessa feita pelo Presidente aos rebeldes seria cumprida: “Eles entregaram as armas voluntariamente. O Reinado até disse com um sorriso: 'Ainda vai haver mais'. E o que eu entendi é que o procurador aceitava a recolha das armas como fazendo parte do acordo de amnistia”.Umas horas depois, surge a surpresa. As tropas australianas desobedecem ao que estava estabelecido pela amnistia proposta por Xanana e prendem Reinado e os seus homens. Susar (um dos detidos que mais tarde entraria no complot que levaria à morte do seu chefe) ainda hoje não entende a reviravolta: “Entregámos tudo, eram meia dúzia de pistolas e, sem mais nem menos, acabámos presos”,Mas Reinado recebe a traição de forma inesperada. Telefona a Rui Lopes: “O velho (Xanana) traiu-me, preciso da tua ajuda”. Na prisão, entra em entendimento com os guardas. Para não os entalar, Reinado simula uma escaramuça e em Agosto foge com os seus homens. Rui nunca falha nos momentos difíceis: “Fui eu e o meu filho quem alugámos o carro. Mas como as mulheres dão menos nas vistas, foi uma das suas amantes que o conduziu”.Reinado já não tinha serventia. Transporta com ele segredos do estado e passa a constituir uma ameaça. Entre os rebeldes, o prestígio de Xanana estremece.Nos primeiros dias de Março de 2007, depois das eleições que ascendem Ramos-Horta a Presidente da Repúblicas, as forças australianas cercam Reinado. Anda de esconderijo em esconderijo e alimenta-se de cascas de banana. Num dos ataques perde cinco operacionais e passa a obedecer à fúria dos traídos.2007-2008, as eleições e a amnistia para ReinadoAs novas eleições legislativas estão em marcha. Xanana ressuscita o Conselho Nacional da Resistência (movimento criado em 1998 para reunir todos os partidos e intelectuais que lutavam pela independência) e transforma-o em partido. Aguarda um resultado triunfal. Com a juventude e a Igreja ao lado dos peticionários, percebe que tem de reconquistar Reinado.É aqui que entra em cena Angelita Pires, espécie de Mara-Hari local. A mulher usa a beleza com o mesmo tino com que as sereias afinavam o canto para fazer perder os navegantes. O seu passado é um rol de amores e desamores, espalhado pelos vários cantos do mundo. Nascera em Lospalos, onde o pai era administrador no tempo colonial. Durante a guerra civil de 1975, a família procura refúgio na Austrália, onde Angelita acaba por crescer: Na década de 80, em Singapura, liga-se a um empresário e passa a trabalhar em casinos. Portugal entra no seu périplo e chega a ter casamento marcado no Porto com um militar português. Quando Xanana, em 1994, é preso, aparece em Jacarta e passa a pertencer ao entourage que na Indonésia dá apoio ao líder da resistência timorense, encerrado em Salemba.Em 1998, Alkatiri, ministro dos negócios estrangeiros no exílio desde 1975, que gere o dossiê do petróleo, recebe um telefonema da prisão de Salemba. Xanana metia cunhas por Angelita: “Disse.me para falar com a Angelita que era a pessoa ideal para trabalhar comigo na questão do petróleo”. Alkatiri acciona a sua rede de informações e desloca-se a Darwin ao encontro da senhora: “O que soube sobre ela era muito complexo, mas bastaram duas horas de conversa para perceber que, além de tudo, era esquizofrénica. Comuniquei ao Xanana que com ela nunca trabalharia”,A timorense é rápida a reparar a sua sorte. Com o regresso de Xanana a Timor, apesar de a misteriosa Kirsty Sword (a professora australiana com quem este viria a casar) já ocupar o salão do coração do homem, Angelita anuncia que será primeira-dama. Ganha a vida como relações públicas de um restaurante, mas rapidamente atalha caminho: torna-se assessora de Longuinhos Monteiro, procurador-geral da República. Mas não tem qualquer formação jurídica, a fraude é descoberta e ela despedida. Angelita vira-se então para a política: está com Fernando Lassama de Araújo, líder do Partido Democrático (PD), um dos partidos da oposição, e acredita na vitória autoproclamada por Xanana.Após o ataque das forças australianas, o nome de Alfredo Reinado galgara o mundo. Em entrevistas, vai largando ameaças a Xanana. Numa estação de televisão indonésia, atribui-lhe a responsabilidade do golpe e incrimina-o: “Se eu for preso, ele também vai”.O major fora indiciado por um magistrado português em comissão de serviço em Díli por crimes de rebelião e de vários homicídios. Sobre ele e o seu grupo pendiam mandatos de captura. Xanana, que não pode viver nem com o foragido nem sem ele, e olha para a Justiça como um órgão de soberania secundário, ordena: “S. Ex.ª o Presidente manda que, a partir desta data, cessam todas as operações militares e policiais com vista à captura do Sr. major Alfredo reinado e de todos os seus associados”.Angelita – unha e carne com Benevides Correia, advogado dos peticionários e membro do Conselho de Estado – não perde a oportunidade: passa a circular pelas montanhas que abrigam Reinado. Rui Lopes também por lá continua a aparecer: “Com o tempo, apercebi-me de que era uma aldrabona. Começou a propor-me projectos de milhões de dólares com os australianos, garantindo que eles davam o crédito. Mas era tudo aldrabice, Angelina só estava ali para dominar o Reinado”.As eleições legislativas estão à porta e, em Ermera (zona central do país), onde os rebeldes se refugiaram, reina a animação. Matam-se veados e verte-se o vinho. Por lá aparece, de quando em quando, Fernando Lassama, o intermediário diplomático enviado por Xanana. Reinado passara a levar a sua missão como uma investidura sacerdotal, reunira ali as suas tropas e tornara-se o líder dos peticionários. Salsinha passa a seu adjunto.Rui Lopes, que acompanha as démarches, sabe que no coração de Reinado convivem sentimentos contraditórios. Xanana pedira-lhe que fizesse uma declaração a apoiar o seu partido, mas ele esquivara-se, perdera a confiança: “Xanana prometera-lhe que, se ganhasse as eleições, resolvia o problema dos peticionários. Mas ele esperava para ver. Até mudou o cartão do telemóvel para não falar com ele”.No último dia de Junho de 2007, o povo timorense, farto do perpétuo impasse e do novo cativeiro, penaliza todos os partidos. Xanana, o ex-líder da resistência, perdera o prestígio. A FRETILIN, de Alkatiri, é o partido mais votado. Ele próprio faz a análise: “O povo mostrou que estava descontente com todos. Mas nós tivemos 29% e o Xanana 24%. Teve de se unir a três partidos e mesmo assim sentiu legitimidade para reclamar e fazer Governo. Eu não sentiria. Por isso, a FRETILIN nunca reconheceu aquele Governo.Em apenas um ano de governação a economia fica de rastos e os peticionários continuam a monte. Alkatiri tenta inverter a rota da crise e, em Dezembro de 2007, escreve ao secretário-geral da ONU. Hoje, reconstrói os pontos fundamentais da missiva que meses depois levaram a nova conspiração: “Os resultados da má governação eram claríssimos e propusemos eleições antecipadas. Mas o objectivo fundamental da FRETILIN era chegar a um acordo interpartidário para ultrapassar a crise”.A carta é remetida a Ramos-Horta, que, farto das convulsões políticas, se mostra aberto à discussão e marca uma reunião para 8 de Fevereiro de 2008, com todos os parceiros políticos. Nessa manhã, Xanana antecipa-se e convoca os partidos da sua coligação de Governo. Mário Carrascalão, líder da UDT, recorda: “O primeiro-ministro queria que tomássemos uma posição comum de rejeição às eleições antecipadas”. Mas Lassama, outro dos participantes, tem uma memória diferente: “Não se tratou de um encontro para concertar o que íamos dizer sobre as eleições. Falou-se apenas dos problemas gerais da nação. Nessa tarde, um dos assuntos prioritários na agenda presidencial era encontrar uma solução para resolver a situação dos peticionários”.(...) - ContinuaTexto de FELÍCIA CABRITA, enviada a Díli - Tabu, 28/'6/'8 - Transcrito por MARGARIDA

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