Aba da Causa

18-12-2009
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Há três anos, no início do actual ciclo político, as expectativas dos agentes económicos numa governação moderna e transformadora eram elevadas. Durão Barroso e a sua equipa beneficiavam de um confortável capital de confiança, sustentado no discurso da tanga, na promessa do choque fiscal e no desígnio de reforma da administração pública. Já no poder, perdoou-se-lhe o aumento do IVA, tal a determinação e o rigor que a sua ministra das Finanças parecia revelar no combate ao défice orçamental. Perdoou-se-lhe a quebra abrupta dos índices de confiança, em nome do supremo desiderato da consolidação financeira. Perdoou-se-lhe a introdução canhestra do princípio do utilizador-pagador, pelo qual até os segmentos mais esclarecidos se deixaram seduzir sem se aperceberem das suas contradições. Perdoou-se-lhe a fuga para Bruxelas, para onde foi tratar da sua vida, deixando o país entregue a um seguidor errado. Três anos volvidos, a actual maioria deixa-nos uma mão cheia de nada. Nem o défice melhorou, nem a economia arribou, nem as prometidas reformas estruturais aconteceram. Mas nem tudo foi tempo perdido. Houve opções tomadas com acerto e que importaria prosseguir durante o próximo ciclo governativo.O mandato de Manuela Ferreira Leite será um dia um case study de Finanças Públicas. Ninguém poderá assacar-lhe falta de empenho, de seriedade ou de convicção no combate que obsessivamente travou contra o défice. Procurou disciplinar a intendência, controlar as despesas, recrutar quadros competentes para a administração fiscal e introduzir regras de avaliação de desempenho na função pública. Quaisquer que venham a ser as futuras políticas orçamentais e as nuances contabilísticas para Bruxelas ver, a gestão dos dinheiros públicos pós-Ferreira Leite (e pós-pacto) não voltará a ser o domínio virtual que foi durante anos a fio. São boas notícias.Ao invés, tudo falhou nas intenções de reforma da administração pública. Desde logo, a mensagem política. Não é possível domar o monstro da despesa com uma mensagem simplesmente financeira e hostil aos interesses legítimos dos servidores públicos. A ineficiência do Estado só pode ser combatida com uma visão transformadora, onde a parcimónia nos gastos se associe a uma orientação de serviço para o cidadão, capaz de valorizar e qualificar os recursos humanos através da introdução de novos métodos de gestão e de ferramentas de trabalho evoluídas. Se alguém imagina que é possível mudar a máquina com simples grelhas de avaliação de desempenho, desorçamentações e parcerias público-privado, desiluda-se. Impõe-se inteligência, capacidade de decisão e cirurgia pesada ao nível dos principais sistemas públicos.Igualmente prometedoras eram as intenções no capítulo da sociedade de informação. A UMIC nasceu direita, produziu um bom plano de acção, alinhado com os objectivos da iniciativa e-Europe, mas cedo se viu confrontada com dificuldades previsíveis. A primeira foi a tradicional falta de sensibilidade política para a matéria, bem patente na escolha de José Luís Arnaut como responsável pelo pelouro. A segunda foi o espartilho financeiro a que o Terreiro do Paço a submeteu, limitando-a fortemente na sua capacidade de realização. A terceira foi o pecado da gula. Teria sido preferível, dada a exiguidade de meios, concentrar as energias num pequeno naipe de processos-chave, reengenhando-os numa lógica selectivamente radical. Mas não. A extrema preocupação do governo em mostrar mais e melhor obra do que o seu antecessor socialista conduziu-o à dispersão de esforços e a um output decepcionante. À excepção do Portal do Cidadão e dos novos processos de compras públicas on line, os resultados são magros. Em três anos de actividade, não conseguiu sequer substituir as nossas vetustas peças de identidade - BI, cartão de contribuinte, cartão de eleitor, cartão de beneficiário da Segurança Social, entre outros - por uma peça única de formato digital, algo a que se comprometera no início do seu mandato e que agora, ironicamente, promete para daqui a seis meses...Do lado bom do balanço ficam as iniciativas levadas a cabo no sector da saúde - com a introdução de regras de gestão empresarial nas unidades hospitalares - e na comunicação social pública, onde o tino dos gestores e a qualidade média dos conteúdos constituíram boas surpresas. Além de uma nova lei do arrendamento, que fica por regulamentar, saúda-se igualmente o fim da guerrilha na governança da transportadora aérea nacional e os passos dados no sentido da liberalização dos serviços notariais. É pouco, muito pouco para quem tanto prometeu. Mas o pouco que é merece ser continuado pelos dirigentes vindouros.Luís Nazaré, in Jornal de Negócios, 13 de Janeiro de 2004

Há três anos, no início do actual ciclo político, as expectativas dos agentes económicos numa governação moderna e transformadora eram elevadas. Durão Barroso e a sua equipa beneficiavam de um confortável capital de confiança, sustentado no discurso da tanga, na promessa do choque fiscal e no desígnio de reforma da administração pública. Já no poder, perdoou-se-lhe o aumento do IVA, tal a determinação e o rigor que a sua ministra das Finanças parecia revelar no combate ao défice orçamental. Perdoou-se-lhe a quebra abrupta dos índices de confiança, em nome do supremo desiderato da consolidação financeira. Perdoou-se-lhe a introdução canhestra do princípio do utilizador-pagador, pelo qual até os segmentos mais esclarecidos se deixaram seduzir sem se aperceberem das suas contradições. Perdoou-se-lhe a fuga para Bruxelas, para onde foi tratar da sua vida, deixando o país entregue a um seguidor errado. Três anos volvidos, a actual maioria deixa-nos uma mão cheia de nada. Nem o défice melhorou, nem a economia arribou, nem as prometidas reformas estruturais aconteceram. Mas nem tudo foi tempo perdido. Houve opções tomadas com acerto e que importaria prosseguir durante o próximo ciclo governativo.O mandato de Manuela Ferreira Leite será um dia um case study de Finanças Públicas. Ninguém poderá assacar-lhe falta de empenho, de seriedade ou de convicção no combate que obsessivamente travou contra o défice. Procurou disciplinar a intendência, controlar as despesas, recrutar quadros competentes para a administração fiscal e introduzir regras de avaliação de desempenho na função pública. Quaisquer que venham a ser as futuras políticas orçamentais e as nuances contabilísticas para Bruxelas ver, a gestão dos dinheiros públicos pós-Ferreira Leite (e pós-pacto) não voltará a ser o domínio virtual que foi durante anos a fio. São boas notícias.Ao invés, tudo falhou nas intenções de reforma da administração pública. Desde logo, a mensagem política. Não é possível domar o monstro da despesa com uma mensagem simplesmente financeira e hostil aos interesses legítimos dos servidores públicos. A ineficiência do Estado só pode ser combatida com uma visão transformadora, onde a parcimónia nos gastos se associe a uma orientação de serviço para o cidadão, capaz de valorizar e qualificar os recursos humanos através da introdução de novos métodos de gestão e de ferramentas de trabalho evoluídas. Se alguém imagina que é possível mudar a máquina com simples grelhas de avaliação de desempenho, desorçamentações e parcerias público-privado, desiluda-se. Impõe-se inteligência, capacidade de decisão e cirurgia pesada ao nível dos principais sistemas públicos.Igualmente prometedoras eram as intenções no capítulo da sociedade de informação. A UMIC nasceu direita, produziu um bom plano de acção, alinhado com os objectivos da iniciativa e-Europe, mas cedo se viu confrontada com dificuldades previsíveis. A primeira foi a tradicional falta de sensibilidade política para a matéria, bem patente na escolha de José Luís Arnaut como responsável pelo pelouro. A segunda foi o espartilho financeiro a que o Terreiro do Paço a submeteu, limitando-a fortemente na sua capacidade de realização. A terceira foi o pecado da gula. Teria sido preferível, dada a exiguidade de meios, concentrar as energias num pequeno naipe de processos-chave, reengenhando-os numa lógica selectivamente radical. Mas não. A extrema preocupação do governo em mostrar mais e melhor obra do que o seu antecessor socialista conduziu-o à dispersão de esforços e a um output decepcionante. À excepção do Portal do Cidadão e dos novos processos de compras públicas on line, os resultados são magros. Em três anos de actividade, não conseguiu sequer substituir as nossas vetustas peças de identidade - BI, cartão de contribuinte, cartão de eleitor, cartão de beneficiário da Segurança Social, entre outros - por uma peça única de formato digital, algo a que se comprometera no início do seu mandato e que agora, ironicamente, promete para daqui a seis meses...Do lado bom do balanço ficam as iniciativas levadas a cabo no sector da saúde - com a introdução de regras de gestão empresarial nas unidades hospitalares - e na comunicação social pública, onde o tino dos gestores e a qualidade média dos conteúdos constituíram boas surpresas. Além de uma nova lei do arrendamento, que fica por regulamentar, saúda-se igualmente o fim da guerrilha na governança da transportadora aérea nacional e os passos dados no sentido da liberalização dos serviços notariais. É pouco, muito pouco para quem tanto prometeu. Mas o pouco que é merece ser continuado pelos dirigentes vindouros.Luís Nazaré, in Jornal de Negócios, 13 de Janeiro de 2004

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