Entre as brumas da memória: And the winner is...

03-08-2010
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Soube-se por volta do meio-dia que o Prémio Pessoa 2009 tinha sido atribuído a Manuel José Macário do Nascimento Clemente, bispo do Porto.Oficialmente, «O Prémio Pessoa é um prémio concedido anualmente à pessoa de nacionalidade portuguesa que durante esse período - e na sequência de uma actividade anterior - tiver sido protagonista de uma intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica do país.»Ao anunciar a atribuição do prémio - uma iniciativa do Expresso que tem o apoio da CGD -, Francisco Balsemão leu o comunicado oficial do júri: «A sua intervenção cívica tem-se destacado por uma postura humanística de defesa do diálogo e da tolerância, de combate à exclusão e da intervenção social da Igreja. Ao mesmo tempo que leva a cabo a sua missão pastoral, D. Manuel Clemente desenvolve uma intensa actividade cultural de estudo e debate público. Em tempos difíceis como os que vivemos actualmente, D. Manuel Clemente é uma referência ética para a sociedade portuguesa no seu todo».Polémica à vista? É talvez cedo para o saber. Mas não fui a única a reagir logo com perplexidade à aparente divergência entre os objectivos do Prémio e os argumentos expostos por Balsemão. A discussão surgiu imediatamente no Twitter e um post da M. João Pires no Jugular sobre este assunto tem já, no momento em que escrevo este, 89 comentários.Claro que o júri é livre de escolher quem muito bem entender e de infringir ou não os princípios por si definidos. Mas nós podemos também interpretá-lo e interrogarmo-nos sobre o significado da decisão.Teria Manuel Clemente sido escolhido se não fosse bispo? Claro que não. Houve uma vontade deliberada de distinguir um dos principais representantes da hierarquia da igreja católica portuguesa. Porquê? Isso não é explicado no comunicado…Sabe-se que é sempre muito grande a projecção mediática de quem recebe este prémio, pelo menos durante o ano do seu «reinado». Ora, certamente por mero acaso, este abrange a vinda do papa a Portugal. Também por coincidências aleatórias da história, a nomeação acontece alguns dias antes da discussão na AR do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a propósito do qual o bispo do Porto pensa que «é essencial assegurar um debate alargado» porque se trata de questões que «não podem ser resolvidas rapidamente», já que está em causa «a própria base da sociedade, que sempre existiu, a partir da família, da abertura à vida e à educação» - foi pelo menos o que disse, há cerca de duas semanas, nas Jornadas Parlamentares do PSD.Mas isto sou eu a imaginar coisas, com a mania de complicar o que para outros é provavelmente muito simples…P.S. – Claro que o presidente da República já veio dizer que tem «uma elevadíssima consideração» por ele, «um homem extraordinário, que tem ainda muito a dar a Portugal» e que a atribuição do prémio foi «de toda a justiça». Até a Caras já noticiou e a Associação Comercial do Porto define o bispo como «o protagonista de um novo Norte». Para o presidente da Conferência Episcopal, trata-se de um «testemunho inequívoco como é possível aliar a fé à razão», «no seguimento do trabalho que Bento XVI tem vindo a realizar» (?...). Ámen, então.


Soube-se por volta do meio-dia que o Prémio Pessoa 2009 tinha sido atribuído a Manuel José Macário do Nascimento Clemente, bispo do Porto.Oficialmente, «O Prémio Pessoa é um prémio concedido anualmente à pessoa de nacionalidade portuguesa que durante esse período - e na sequência de uma actividade anterior - tiver sido protagonista de uma intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica do país.»Ao anunciar a atribuição do prémio - uma iniciativa do Expresso que tem o apoio da CGD -, Francisco Balsemão leu o comunicado oficial do júri: «A sua intervenção cívica tem-se destacado por uma postura humanística de defesa do diálogo e da tolerância, de combate à exclusão e da intervenção social da Igreja. Ao mesmo tempo que leva a cabo a sua missão pastoral, D. Manuel Clemente desenvolve uma intensa actividade cultural de estudo e debate público. Em tempos difíceis como os que vivemos actualmente, D. Manuel Clemente é uma referência ética para a sociedade portuguesa no seu todo».Polémica à vista? É talvez cedo para o saber. Mas não fui a única a reagir logo com perplexidade à aparente divergência entre os objectivos do Prémio e os argumentos expostos por Balsemão. A discussão surgiu imediatamente no Twitter e um post da M. João Pires no Jugular sobre este assunto tem já, no momento em que escrevo este, 89 comentários.Claro que o júri é livre de escolher quem muito bem entender e de infringir ou não os princípios por si definidos. Mas nós podemos também interpretá-lo e interrogarmo-nos sobre o significado da decisão.Teria Manuel Clemente sido escolhido se não fosse bispo? Claro que não. Houve uma vontade deliberada de distinguir um dos principais representantes da hierarquia da igreja católica portuguesa. Porquê? Isso não é explicado no comunicado…Sabe-se que é sempre muito grande a projecção mediática de quem recebe este prémio, pelo menos durante o ano do seu «reinado». Ora, certamente por mero acaso, este abrange a vinda do papa a Portugal. Também por coincidências aleatórias da história, a nomeação acontece alguns dias antes da discussão na AR do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a propósito do qual o bispo do Porto pensa que «é essencial assegurar um debate alargado» porque se trata de questões que «não podem ser resolvidas rapidamente», já que está em causa «a própria base da sociedade, que sempre existiu, a partir da família, da abertura à vida e à educação» - foi pelo menos o que disse, há cerca de duas semanas, nas Jornadas Parlamentares do PSD.Mas isto sou eu a imaginar coisas, com a mania de complicar o que para outros é provavelmente muito simples…P.S. – Claro que o presidente da República já veio dizer que tem «uma elevadíssima consideração» por ele, «um homem extraordinário, que tem ainda muito a dar a Portugal» e que a atribuição do prémio foi «de toda a justiça». Até a Caras já noticiou e a Associação Comercial do Porto define o bispo como «o protagonista de um novo Norte». Para o presidente da Conferência Episcopal, trata-se de um «testemunho inequívoco como é possível aliar a fé à razão», «no seguimento do trabalho que Bento XVI tem vindo a realizar» (?...). Ámen, então.

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