Entre as brumas da memória: Quando a crise se vive com muitos zeros

03-08-2010
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Apesar do desemprego, do encerramento de fábricas, de tudo o que vemos e lemos, ainda não realizamos, não acreditamos ou preferimos não acreditar no que, inevitavelmente, acabará por cá chegar. Arrumados a um canto, relativamente longe dos epicentros das grandes decisões, assistimos mais ou menos incredulamente aos grandes dramas, americanos ou islandeses, e refugiamo-nos em acontecimentos que consideramos épicos e que mais não são do que episódios de telenovelas caseiras.Talvez valha a pena olharmos para a realidade de fora para dentro, vista dos grandes espaços e medida com grandes números.Ao falar-se do impacto da desaceleração da economia na China, dizia-se há dez dias que cerca de seis milhões de chineses, migrantes dentro no seu próprio país, regressavam ao campo de onde tinham saído em busca de emprego, porque não tinham afinal conseguido encontrá-lo nas grandes cidades ou por terem sido despedidos dos locais onde até agora trabalhavam. Hoje, esse número subiu para vinte milhões – e vinte milhões são dois Portugais! Dizer-se que é um número irrisório quando comparado com a população total do país não diminui em nada o drama, porque cada chinês é uma pessoa que regressa ao campo onde não tem condições dignas de subsistência. (Só comparável ao velho argumento de achar normal que seja na China que há mais vítimas da pena de morte porque existem muitos chineses...)Enquanto escrevo isto, à minha frente, numa televisão sem som, pessoas importantes discutem o que fez um tio, uns ingleses e uns procuradores. Relevante? Certamente. Mas quase me apetece dizer que se divirtam e que aproveitem enquanto é tempo, porque o recreio já não deve durar assim tanto.


Apesar do desemprego, do encerramento de fábricas, de tudo o que vemos e lemos, ainda não realizamos, não acreditamos ou preferimos não acreditar no que, inevitavelmente, acabará por cá chegar. Arrumados a um canto, relativamente longe dos epicentros das grandes decisões, assistimos mais ou menos incredulamente aos grandes dramas, americanos ou islandeses, e refugiamo-nos em acontecimentos que consideramos épicos e que mais não são do que episódios de telenovelas caseiras.Talvez valha a pena olharmos para a realidade de fora para dentro, vista dos grandes espaços e medida com grandes números.Ao falar-se do impacto da desaceleração da economia na China, dizia-se há dez dias que cerca de seis milhões de chineses, migrantes dentro no seu próprio país, regressavam ao campo de onde tinham saído em busca de emprego, porque não tinham afinal conseguido encontrá-lo nas grandes cidades ou por terem sido despedidos dos locais onde até agora trabalhavam. Hoje, esse número subiu para vinte milhões – e vinte milhões são dois Portugais! Dizer-se que é um número irrisório quando comparado com a população total do país não diminui em nada o drama, porque cada chinês é uma pessoa que regressa ao campo onde não tem condições dignas de subsistência. (Só comparável ao velho argumento de achar normal que seja na China que há mais vítimas da pena de morte porque existem muitos chineses...)Enquanto escrevo isto, à minha frente, numa televisão sem som, pessoas importantes discutem o que fez um tio, uns ingleses e uns procuradores. Relevante? Certamente. Mas quase me apetece dizer que se divirtam e que aproveitem enquanto é tempo, porque o recreio já não deve durar assim tanto.

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