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26-12-2009
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De cada vez que o elegante Presidente de Angola dá à costa lusitana, com a fortuna da sua família e dos seus amigos no bolso, todas as palavras ganham um novo sentido. Do PCP ao CDS, dos empresários aos deputados, não faltam os elogios ao único democrata do planeta que é chefe de Estado há trinta anos sem nunca ter sido eleito, à única democracia que se conhece onde há eleições quando calha e a liberdade de imprensa é uma miragem e ao único homem de bem que se conhece que entregou à sua própria filha grande parte das riquezas do país enquanto tantos vivem na miséria. É verdade que se sentem melhorias no senhor de Luanda. Já não persegue os opositores com o mesmo afinco. Talvez o facto de já ter morto alguns (e que o céu me caia em cima se tinha mais respeito por Savimbi do que tenho por Eduardo dos Santos) e de ter comprado os restantes explique a evolução.

O Bloco de Esquerda, que parece achar que a defesa dos direitos humanos é coisa que também se usa fora de piedosos banquetes de solidariedade, faltou à festa de 'Zedu'. O professor doutor Vital Moreira de Coimbra repreendeu os meninos radicais. Não têm sentido de Estado. Ainda bem que não vão participar em nenhum governo. Bem sei que Portugal tem e deve ter relações institucionais com Angola. Mas se desse para não lamberem os sapatos de um cleptomaníaco de cada vez que ele nos visita talvez o ambiente nestas festarolas ficasse um pouco mais respirável. O diamante angolano pode ter um brilho irresistível, mas chega a ser patética tanta subserviência.

A arte do insulto

O que seria de Feliciano Castilho sem Antero de Quental? Quem seria Júlio Dantas sem Almada Negreiros? Mesmo recentemente, o veneno nunca faltou aos mais ilustres portugueses. Foi sobre Manuel Alegre que Agustina disse ser "o melhor dos poetas assim-assim". E foi a pensar num outro escritor que Luiz Pacheco criou uma nova classificação: "abaixo de Namora". Claro que nunca chegámos à sofisticação de um Winston Churchill. Quando Bernard Shaw enviou um telegrama jocoso a Churchill - "Tenho o prazer e a honra de convidar digno primeiro-ministro para primeira apresentação minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver." - este respondeu: "Agradeço ao ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer à primeira apresentação. Irei à segunda, se houver." Disse-lhe Lady Astor, durante uma visita ao Palácio de Blenheim: "Winston, se você fosse meu marido, eu poria veneno no seu café." Ao que ele respondeu, sem nenhum cavalheirismo: "Nancy, se eu fosse seu marido, bebia-o".

Bem sei que o genital vocábulo do deputado José Eduardo Martins veio como resposta a uma tosca ironia dessa figura incontornável da política nacional que dá pelo nome de Afonso Candal, uma prova viva do poder da genética. Mas esperava-se mais. De facto, e será talvez esse um dos sinais da crise do nosso sistema educativo, já não se insulta como antigamente. Falta requinte no verbo e subtileza no adjectivo. Não há conteúdo na baixeza, é pobre a forma do aparte. Por isso, do que me tem sido dado conhecer destes tribunos, restam-me de novo as sábias palavras do mais mortífero dos insultadores que a política já conheceu: têm todas as virtudes que odeio e nenhum dos vícios que admiro.

Daniel Oliveira

De cada vez que o elegante Presidente de Angola dá à costa lusitana, com a fortuna da sua família e dos seus amigos no bolso, todas as palavras ganham um novo sentido. Do PCP ao CDS, dos empresários aos deputados, não faltam os elogios ao único democrata do planeta que é chefe de Estado há trinta anos sem nunca ter sido eleito, à única democracia que se conhece onde há eleições quando calha e a liberdade de imprensa é uma miragem e ao único homem de bem que se conhece que entregou à sua própria filha grande parte das riquezas do país enquanto tantos vivem na miséria. É verdade que se sentem melhorias no senhor de Luanda. Já não persegue os opositores com o mesmo afinco. Talvez o facto de já ter morto alguns (e que o céu me caia em cima se tinha mais respeito por Savimbi do que tenho por Eduardo dos Santos) e de ter comprado os restantes explique a evolução.

O Bloco de Esquerda, que parece achar que a defesa dos direitos humanos é coisa que também se usa fora de piedosos banquetes de solidariedade, faltou à festa de 'Zedu'. O professor doutor Vital Moreira de Coimbra repreendeu os meninos radicais. Não têm sentido de Estado. Ainda bem que não vão participar em nenhum governo. Bem sei que Portugal tem e deve ter relações institucionais com Angola. Mas se desse para não lamberem os sapatos de um cleptomaníaco de cada vez que ele nos visita talvez o ambiente nestas festarolas ficasse um pouco mais respirável. O diamante angolano pode ter um brilho irresistível, mas chega a ser patética tanta subserviência.

A arte do insulto

O que seria de Feliciano Castilho sem Antero de Quental? Quem seria Júlio Dantas sem Almada Negreiros? Mesmo recentemente, o veneno nunca faltou aos mais ilustres portugueses. Foi sobre Manuel Alegre que Agustina disse ser "o melhor dos poetas assim-assim". E foi a pensar num outro escritor que Luiz Pacheco criou uma nova classificação: "abaixo de Namora". Claro que nunca chegámos à sofisticação de um Winston Churchill. Quando Bernard Shaw enviou um telegrama jocoso a Churchill - "Tenho o prazer e a honra de convidar digno primeiro-ministro para primeira apresentação minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver." - este respondeu: "Agradeço ao ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer à primeira apresentação. Irei à segunda, se houver." Disse-lhe Lady Astor, durante uma visita ao Palácio de Blenheim: "Winston, se você fosse meu marido, eu poria veneno no seu café." Ao que ele respondeu, sem nenhum cavalheirismo: "Nancy, se eu fosse seu marido, bebia-o".

Bem sei que o genital vocábulo do deputado José Eduardo Martins veio como resposta a uma tosca ironia dessa figura incontornável da política nacional que dá pelo nome de Afonso Candal, uma prova viva do poder da genética. Mas esperava-se mais. De facto, e será talvez esse um dos sinais da crise do nosso sistema educativo, já não se insulta como antigamente. Falta requinte no verbo e subtileza no adjectivo. Não há conteúdo na baixeza, é pobre a forma do aparte. Por isso, do que me tem sido dado conhecer destes tribunos, restam-me de novo as sábias palavras do mais mortífero dos insultadores que a política já conheceu: têm todas as virtudes que odeio e nenhum dos vícios que admiro.

Daniel Oliveira

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