Será esta a greve do grito de revolta ou apenas de contestação episódica?

30-11-2010
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Paralisação servirá para perceber até que ponto as duas centrais poderão fazer frente ao Governo no futuro

Não são só os números, divulgados no final do dia e que nunca batem certo entre sindicatos e Governo, que hoje vão ter significado. O dia será também marcado pela incógnita de saber se esta greve geral é apenas um momento de luta episódica ou o verdadeiro ponto de partida para uma contestação política e social mais sistemática.

A resposta só virá quando as duas centrais sindicais se sentarem à mesa, sem a pressão de câmaras e microfones - e se o fizerem em breve. Até que ponto Manuel Carvalho da Silva, da CGTP, e João Proença, da UGT, irão manter as duas centrais suficientemente próximas no objectivo de contestar a política do Governo? Por agora, não há calendário conjunto, disseram ambos ontem ao PÚBLICO. Para Carvalho da Silva, a acção futura das centrais depende "dos conteúdos, das dinâmicas e das propostas", mas realça que "é desejável uma unidade na acção e na intervenção". João Proença é mais esquivo, preferindo dizer que a UGT vai fazer uma "avaliação da greve e do seu alcance", e que deverá haver "contactos futuros". Os caminhos dos líderes cruzam-se hoje só à porta da Autoeuropa (6h45) e na conferência de imprensa conjunta.

A jornada começou ontem, com Carvalho da Silva, às 20h, no quartel dos bombeiros do aeroporto da Portela, onde dez dos onze trabalhadores do turno da noite fizeram greve, e sem João Proença, que faltou à primeira iniciativa nas oficinas da câmara.

Os dois recusam reduzir a greve geral às medidas penalizadoras do Orçamento do Estado para 2011 - "é contra as políticas", vincam. Proença classifica-o de "um mal menor, embora claramente um mal", mas adianta que "sem OE ou sem Governo o país estaria pior": no primeiro caso, "entraria em ruptura financeira e implicava a entrada do FMI"; no segundo, "porque só haveria eleições em Junho" - e isso, "os portugueses decidirão, a prazo, se querem ou não este Governo".

Foi "uma mudança significativa das políticas do Governo", aponta Proença, que é militante do PS, "que fez aumentar as desigualdades, reduzir salários, congelar pensões violando o acordo tripartido sobre a sustentabilidade da segurança social". Os trabalhadores querem, com a greve, "novas políticas em que o emprego e o crescimento voltem a ser protagonistas", em vez da prioridade "no combate ao défice com medidas penalizadoras e que provocam mais recessão".

Carvalho da Silva alinha pelo mesmo diapasão. A greve geral "não é uma situação de resolução de problemas pontuais. Não há uma relação total e absoluta com o OE. É mais uma acção com perspectiva de futuro; um início de uma mobilização e responsabilidade na sociedade portuguesa." Mas é esse porvir que será necessário desenhar nos próximos dias, para saber "se é um momento de contestação episódica ou o ponto de partida para uma contestação crescente e sistemática de nível social", defende o politólogo Carlos Jalali, para quem esta "posição consensual" das duas centrais abre "boas perspectivas para negociações futuras", como os cortes nos salários da função pública. O também politólogo José Adelino Maltês vê nesta greve "um ensaio de uma união, no sentido da movimentação e mobilização, entre a CGTP e a UGT".

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Ironicamente, o anúncio do mais rigoroso pacote de austeridade de que há memória foi feito no mesmo dia em que a CGTP organizou uma manifestação e mostrou-se aberta a convocar uma greve geral. A 7 de Outubro, anunciava-a em consenso com a UGT - porque marcá-la para mês e meio depois, em vez de capitalizar o esforço mais cedo, aquando da discussão do OE? À pergunta, Jalali responde com outra: "Seria uma greve geral capaz de suscitar um diálogo alternativo nessa altura?" Isso sim, seria uma verdadeira prova de força dos sindicatos. O cenário não lhes era favorável: se por causa da pressão sindical o OE não fosse aprovado e o FMI viesse tomar conta do país, "as centrais sindicais e quem as apoiasse seriam responsabilizadas pelos portugueses e pelo PS e PSD", ao mesmo tempo que estes dois partidos sairiam "desresponsabilizados" da questão, diz Jalali.

Carvalho da Silva recusa falta de eficácia à greve por acontecer já com o OE aprovado. "Ainda está em discussão e vai ter tantas recauchutagens como os PEC deste ano", diz o líder da CGTP, para quem esta greve é também uma "prova da não submissão às inevitabilidades". Proença reforça que "agora é o prazo ideal" e que a mobilização não esmoreceu. Adelino Maltês é dos que vêem esta greve como "uma janela de oportunidade" para a sobrevivência das centrais, para "demonstrar que os sindicatos têm um papel a desempenhar na coesão social" e para "diminuir a indiferença".

PCP e BE são os partidos activos na defesa desta greve - o primeiro fala numa "poderosa afirmação daqueles que não desistem de um país desenvolvido e de progresso". A deputada bloquista Mariana Aiveca chama-lhe "um grito de revolta e de desilusão" e classifica-a como uma "greve da maioria", por englobar trabalhadores, desempregados, precários, pensionistas. PS e PSD preferem não tirar ilações sobre consequências políticas. "O PSD não estimula a greve nem atira pedras a quem a faz", afirma o secretário-geral do PSD ao PÚBLICO, Miguel Relvas, que não vê este protesto como uma sanção extensível ao seu partido por ter ajudado a viabilizar o OE. O PS desvaloriza a eficácia da greve: o vice-presidente da bancada socialista considera que os sindicatos "darão conta facilmente de que há pouca margem de manobra" nas medidas de austeridade e diz que "preferia ver o enfoque dos protestos na defesa do Estado social". Mas Jorge Strecht Ribeiro reconhece que a greve "pode afectar a imagem do Governo". O CDS não a comenta. Siga os desenvolvimentos da greve em tempo real em www.publico.pt/

Paralisação servirá para perceber até que ponto as duas centrais poderão fazer frente ao Governo no futuro

Não são só os números, divulgados no final do dia e que nunca batem certo entre sindicatos e Governo, que hoje vão ter significado. O dia será também marcado pela incógnita de saber se esta greve geral é apenas um momento de luta episódica ou o verdadeiro ponto de partida para uma contestação política e social mais sistemática.

A resposta só virá quando as duas centrais sindicais se sentarem à mesa, sem a pressão de câmaras e microfones - e se o fizerem em breve. Até que ponto Manuel Carvalho da Silva, da CGTP, e João Proença, da UGT, irão manter as duas centrais suficientemente próximas no objectivo de contestar a política do Governo? Por agora, não há calendário conjunto, disseram ambos ontem ao PÚBLICO. Para Carvalho da Silva, a acção futura das centrais depende "dos conteúdos, das dinâmicas e das propostas", mas realça que "é desejável uma unidade na acção e na intervenção". João Proença é mais esquivo, preferindo dizer que a UGT vai fazer uma "avaliação da greve e do seu alcance", e que deverá haver "contactos futuros". Os caminhos dos líderes cruzam-se hoje só à porta da Autoeuropa (6h45) e na conferência de imprensa conjunta.

A jornada começou ontem, com Carvalho da Silva, às 20h, no quartel dos bombeiros do aeroporto da Portela, onde dez dos onze trabalhadores do turno da noite fizeram greve, e sem João Proença, que faltou à primeira iniciativa nas oficinas da câmara.

Os dois recusam reduzir a greve geral às medidas penalizadoras do Orçamento do Estado para 2011 - "é contra as políticas", vincam. Proença classifica-o de "um mal menor, embora claramente um mal", mas adianta que "sem OE ou sem Governo o país estaria pior": no primeiro caso, "entraria em ruptura financeira e implicava a entrada do FMI"; no segundo, "porque só haveria eleições em Junho" - e isso, "os portugueses decidirão, a prazo, se querem ou não este Governo".

Foi "uma mudança significativa das políticas do Governo", aponta Proença, que é militante do PS, "que fez aumentar as desigualdades, reduzir salários, congelar pensões violando o acordo tripartido sobre a sustentabilidade da segurança social". Os trabalhadores querem, com a greve, "novas políticas em que o emprego e o crescimento voltem a ser protagonistas", em vez da prioridade "no combate ao défice com medidas penalizadoras e que provocam mais recessão".

Carvalho da Silva alinha pelo mesmo diapasão. A greve geral "não é uma situação de resolução de problemas pontuais. Não há uma relação total e absoluta com o OE. É mais uma acção com perspectiva de futuro; um início de uma mobilização e responsabilidade na sociedade portuguesa." Mas é esse porvir que será necessário desenhar nos próximos dias, para saber "se é um momento de contestação episódica ou o ponto de partida para uma contestação crescente e sistemática de nível social", defende o politólogo Carlos Jalali, para quem esta "posição consensual" das duas centrais abre "boas perspectivas para negociações futuras", como os cortes nos salários da função pública. O também politólogo José Adelino Maltês vê nesta greve "um ensaio de uma união, no sentido da movimentação e mobilização, entre a CGTP e a UGT".

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Ironicamente, o anúncio do mais rigoroso pacote de austeridade de que há memória foi feito no mesmo dia em que a CGTP organizou uma manifestação e mostrou-se aberta a convocar uma greve geral. A 7 de Outubro, anunciava-a em consenso com a UGT - porque marcá-la para mês e meio depois, em vez de capitalizar o esforço mais cedo, aquando da discussão do OE? À pergunta, Jalali responde com outra: "Seria uma greve geral capaz de suscitar um diálogo alternativo nessa altura?" Isso sim, seria uma verdadeira prova de força dos sindicatos. O cenário não lhes era favorável: se por causa da pressão sindical o OE não fosse aprovado e o FMI viesse tomar conta do país, "as centrais sindicais e quem as apoiasse seriam responsabilizadas pelos portugueses e pelo PS e PSD", ao mesmo tempo que estes dois partidos sairiam "desresponsabilizados" da questão, diz Jalali.

Carvalho da Silva recusa falta de eficácia à greve por acontecer já com o OE aprovado. "Ainda está em discussão e vai ter tantas recauchutagens como os PEC deste ano", diz o líder da CGTP, para quem esta greve é também uma "prova da não submissão às inevitabilidades". Proença reforça que "agora é o prazo ideal" e que a mobilização não esmoreceu. Adelino Maltês é dos que vêem esta greve como "uma janela de oportunidade" para a sobrevivência das centrais, para "demonstrar que os sindicatos têm um papel a desempenhar na coesão social" e para "diminuir a indiferença".

PCP e BE são os partidos activos na defesa desta greve - o primeiro fala numa "poderosa afirmação daqueles que não desistem de um país desenvolvido e de progresso". A deputada bloquista Mariana Aiveca chama-lhe "um grito de revolta e de desilusão" e classifica-a como uma "greve da maioria", por englobar trabalhadores, desempregados, precários, pensionistas. PS e PSD preferem não tirar ilações sobre consequências políticas. "O PSD não estimula a greve nem atira pedras a quem a faz", afirma o secretário-geral do PSD ao PÚBLICO, Miguel Relvas, que não vê este protesto como uma sanção extensível ao seu partido por ter ajudado a viabilizar o OE. O PS desvaloriza a eficácia da greve: o vice-presidente da bancada socialista considera que os sindicatos "darão conta facilmente de que há pouca margem de manobra" nas medidas de austeridade e diz que "preferia ver o enfoque dos protestos na defesa do Estado social". Mas Jorge Strecht Ribeiro reconhece que a greve "pode afectar a imagem do Governo". O CDS não a comenta. Siga os desenvolvimentos da greve em tempo real em www.publico.pt/

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