O Cachimbo de Magritte: Responsabilidade civil dos magistrados (I)

29-05-2010
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Hoje em dia sempre que um juiz decide um caso relevante (ou com pessoas influentes) está a colocar em risco a sua casa, o carro, o colégio dos filhos e a sua tranquilidade. À dificuldade natural da decisão foi acrescentado um ruído desnecessário e eventualmente perturbador da mesma. Com a alteração da lei responsabilidade civil do Estado (com a perspectiva que lhe foi dada) o juiz pode ter de indemnizar alguém por factos que uns podem considerar que são um erro grave e outros podem considerar que se trata da solução mais justa e adequada.Na altura, a medida foi muito aplaudida. O Presidente da República levantou reservas, mas ninguém quis saber. É uma lei popular (os juízes e os magistrados do MP são uns malandros, segundo alguns, por isso, a sociedade agradece que os mais ricos e influentes disponham de um excelente meio para pressionar a decisão que se pretendia livre).Ora, a ser verdade o que se diz no Correio da Manhã de hoje, já se começam a ver os hipotéticos frutos de tal medida e apenas cito:«No essencial, foi confirmado que Lopes da Mota pressionou os colegas (...). Nas conversas que manteve com Vítor Magalhães e Paes Faria, o presidente do Eurojust disse que 'o primeiro--ministro quer isto resolvido depressa' e que mandava perguntar se os dois magistrados tinham 'a noção de serem as pessoas mais importantes do País'. Acrescentou que tinha estado com Alberto Costa, a quem Sócrates teria dito que se o PS não tivesse maioria absoluta isso seria por causa do Freeport e que haveria 'represálias'. Foi ainda feita uma alusão à lei da responsabilidade civil extracontratual, que permite exigir uma indemnização por actos de magistrados.» Aqui.Quantos não teriam pensado (numa hipótese semelhante): E o colégio dos meus filhos? E o meu lindo carrito? E o meu T4? Vou arranjar problemas se, bem vistas as coisas, isto é corrupção para acto lícito e já está prescrito? Quer dizer, as polícias, os ingleses, ou os peritos (ou lá quem seja...estamos a falar de um exemplo hipotético) andaram anos a empastelar isto e sou eu que agora me vou chatear e arranjar chatices por causa disto? Além disso, que provas temos? Esta é nula por não ter sido determinada por um juiz? Esta é um indício vago, pode ser ou pode não ser? Os livros de referência (como o "Comentário Conimbricense") acham que não é crime? Se eles acham, e o Professor X também acha, quem sou eu para dizer o contrário (apesar de toda a gente – o homem da rua, o cidadão comum, ver com evidência a necessidade censura penal de determinada conduta)?Vocês não vêem um jogo de futebol. Com 15 câmaras apontadas para o lance. Com dois árbitros a poucos metros. E nos debates televisivos somos capaz de ver pessoas a defenderem, perante as mesmas imagens, perante os mesmos factos, que todos vemos, opiniões totalmente opostas: foi mão na bola ou bola na mão? Foi falta ou foi fita? Estava ou não em posição de fora de jogo?E há pessoas que discutem com tanta certeza das suas posições que são capazes de matar (já aconteceu) o seu interlocutor.E a Federação Portuguesa de Futebol, ou o Estado português vão pedir uma indemnização por causa de um penalti não assinalado que nos retirou o título de campeões europeus? Isto existe nalgum país civilizado (e estamos a falar de bola)?Agora imaginem um caso judicial. Em que o magistrado não esteve lá. Não viu. Não ouviu. Está limitado nas provas que pode obter ou mesmo nas que pode conhecer (se entretanto lhe chegarem novas provas às mãos).E imaginemos que consegue cristalizar os factos que podem ou não servir para acusar alguém.Aí entram as interpretações jurídicas, pareceres de ilustres professores de direito (muitas vezes a preço de ouro) que defendem que, às vezes, 2 e 2 são mais ou menos 4; quer dizer, também se pode admitir que 2 e 2 são 4,3. Entra o trabalho, as pilhas de processos para despachar e as estatísticas. Não interessa se bem ou mal, o que interessa é decidir rápido e entram muitos factores que seria fastidioso ou inoportuno elencar.... e como se não bastasse, no final, o magistrado ainda pode ir com a família para debaixo da ponte.... só porque se armou em herói.Acho que sim... vamos no bom caminho.


Hoje em dia sempre que um juiz decide um caso relevante (ou com pessoas influentes) está a colocar em risco a sua casa, o carro, o colégio dos filhos e a sua tranquilidade. À dificuldade natural da decisão foi acrescentado um ruído desnecessário e eventualmente perturbador da mesma. Com a alteração da lei responsabilidade civil do Estado (com a perspectiva que lhe foi dada) o juiz pode ter de indemnizar alguém por factos que uns podem considerar que são um erro grave e outros podem considerar que se trata da solução mais justa e adequada.Na altura, a medida foi muito aplaudida. O Presidente da República levantou reservas, mas ninguém quis saber. É uma lei popular (os juízes e os magistrados do MP são uns malandros, segundo alguns, por isso, a sociedade agradece que os mais ricos e influentes disponham de um excelente meio para pressionar a decisão que se pretendia livre).Ora, a ser verdade o que se diz no Correio da Manhã de hoje, já se começam a ver os hipotéticos frutos de tal medida e apenas cito:«No essencial, foi confirmado que Lopes da Mota pressionou os colegas (...). Nas conversas que manteve com Vítor Magalhães e Paes Faria, o presidente do Eurojust disse que 'o primeiro--ministro quer isto resolvido depressa' e que mandava perguntar se os dois magistrados tinham 'a noção de serem as pessoas mais importantes do País'. Acrescentou que tinha estado com Alberto Costa, a quem Sócrates teria dito que se o PS não tivesse maioria absoluta isso seria por causa do Freeport e que haveria 'represálias'. Foi ainda feita uma alusão à lei da responsabilidade civil extracontratual, que permite exigir uma indemnização por actos de magistrados.» Aqui.Quantos não teriam pensado (numa hipótese semelhante): E o colégio dos meus filhos? E o meu lindo carrito? E o meu T4? Vou arranjar problemas se, bem vistas as coisas, isto é corrupção para acto lícito e já está prescrito? Quer dizer, as polícias, os ingleses, ou os peritos (ou lá quem seja...estamos a falar de um exemplo hipotético) andaram anos a empastelar isto e sou eu que agora me vou chatear e arranjar chatices por causa disto? Além disso, que provas temos? Esta é nula por não ter sido determinada por um juiz? Esta é um indício vago, pode ser ou pode não ser? Os livros de referência (como o "Comentário Conimbricense") acham que não é crime? Se eles acham, e o Professor X também acha, quem sou eu para dizer o contrário (apesar de toda a gente – o homem da rua, o cidadão comum, ver com evidência a necessidade censura penal de determinada conduta)?Vocês não vêem um jogo de futebol. Com 15 câmaras apontadas para o lance. Com dois árbitros a poucos metros. E nos debates televisivos somos capaz de ver pessoas a defenderem, perante as mesmas imagens, perante os mesmos factos, que todos vemos, opiniões totalmente opostas: foi mão na bola ou bola na mão? Foi falta ou foi fita? Estava ou não em posição de fora de jogo?E há pessoas que discutem com tanta certeza das suas posições que são capazes de matar (já aconteceu) o seu interlocutor.E a Federação Portuguesa de Futebol, ou o Estado português vão pedir uma indemnização por causa de um penalti não assinalado que nos retirou o título de campeões europeus? Isto existe nalgum país civilizado (e estamos a falar de bola)?Agora imaginem um caso judicial. Em que o magistrado não esteve lá. Não viu. Não ouviu. Está limitado nas provas que pode obter ou mesmo nas que pode conhecer (se entretanto lhe chegarem novas provas às mãos).E imaginemos que consegue cristalizar os factos que podem ou não servir para acusar alguém.Aí entram as interpretações jurídicas, pareceres de ilustres professores de direito (muitas vezes a preço de ouro) que defendem que, às vezes, 2 e 2 são mais ou menos 4; quer dizer, também se pode admitir que 2 e 2 são 4,3. Entra o trabalho, as pilhas de processos para despachar e as estatísticas. Não interessa se bem ou mal, o que interessa é decidir rápido e entram muitos factores que seria fastidioso ou inoportuno elencar.... e como se não bastasse, no final, o magistrado ainda pode ir com a família para debaixo da ponte.... só porque se armou em herói.Acho que sim... vamos no bom caminho.

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