O Cachimbo de Magritte: Jerusalém não voltará a ser assim

05-08-2010
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Um dos aspectos mais notórios do combate que se trava em Israel é a ignorância gritante dos intervenientes internacionais relativamente às realidades actuais ou históricas mais elementares do conflito, a distorção, na mente desses intervenientes, do que é a percepção que cada uma das partes em guerra tem da outra, e de si própria, em resumo, a incompreensão do que está em jogo.E, todavia, dada a internacionalização do problema, os referidos intervenientes têm responsabilidades e interesses próprios a defender. Estão, assim, condenados à impotência, se a ignorância continuar a alimentar as suas abordagens, ou, pior, se insistirem em pugnar por soluções que não o são, e a cometer erros cruciais, que mais tarde se pagam caro, como tem sido a desgraçada regra, desde 1922, na região a que se chama Médio Oriente no seu todo.A questão de Jerusalém é um dos principais nós do conflito. Obama manifestamente não sabe o que quer. Em Junho de 2008, em campanha eleitoral e caça ao voto judaico, afirmava: «Jerusalém é e permanecerá a capital de Israel, e tem de permanecer indivisa».Quando ouvi isto - lembro-me muito bem -, tive dificuldades em acreditar. Pensei: mas saberá Obama o que está a dizer? É evidente que não sabia e a virulenta reacção árabe lembrou-lho imediatamente. De modo que, dois dias depois, fez saber por um seu representante o que tinha em mente (?), quando falou de «Jerusalém indivisa» como «capital de Israel»: «Jerusalém é um dossier (...) que tem de ser negociado entre as partes», como parte de «um acordo com o qual ambas possam viver.» Claro?Certo, certo, é que Jerusalém não voltará a ser dividida, pela simples razão de que Israel e a esmagadora maioria dos judeus de todo o mundo jamais o aceitarão. Explico porquê.Israel e os judeus em geral têm muito dolorosamente presente no espírito o que foi a única experiência histórica da divisão de Jerusalém - a que decorreu entre 1948 e 1967. Este artigo de Jeff Jacoby narra o que se passou. Mas eu resumo, para quem não possa ler. Aproveito para completar.Quando, em 14 de Maio de 1948, foi declarada a independência de Israel, na sequência da decisão de partição tomada pelas Nações Unidas, em 29 de Novembro do ano anterior, definindo o território do futuro Estado de Israel e do proposto e recusado Estado árabe palestiniano, uma coligação de cinco países vizinhos - Egipto, Transjordânia (actual Jordânia), Líbano, Iraque e Síria - invadiram o país, com um programa assim enunciado por Abdul Rahman Hassan Azzam, então secretário-geral da Liga Árabe, no dia seguinte: «Esta será uma guerra de extermínio e um massacre memorável, do qual se falará no futuro como hoje se falam dos massacres mongóis e das Cruzadas.»A 28 de Maio, a conquista árabe de Jerusalém Oriental - onde estão os lugares sagrados do Judaísmo - estava consumada. Os cinco países invasores perderam a guerra e em 1949 foram assinados os acordos de armistício.Ao abrigo do artigo 8º do acordo assinado entre Israel e a Jordânia, os árabes, mantendo o controle de Jerusalém Oriental, comprometiam-se a garantir «o livre acesso aos lugares sagrados, às instituições culturais e ao Cemitério do Monte das Oliveiras.»«Durante 19 anos», recorda Jacoby, «nenhum judeu pôde visitar o Muro Ocidental, o Cemitério ou qualquer outro lugar em Jerusalém Oriental.» Note-se que nem aos israelitas árabes foi, durante esse período, permitida a entrada na mesquita al-Aqsa ou a visita ao Monte do Templo.Foram, em vez do acordado, 19 anos de razia aos vestígios da vida e da religião judaicas. Para trás, ficaram, numa «orgia de profanação», 58 sinagogas destruídas, ou convertidas em estábulos ou lixeiras, a mais antiga datando do séc. XIII. O Muro Ocidental, o mais importante dos lugares santos do Judaísmo, foi convertido num pardieiro. O Cemitério do Monte das Oliveiras, lugar simbólico central do Judaísmo, foi totalmente vandalizado: 38 mil tumbas, algumas datando do séc. I AEC, foram arrancadas e serviram para os mais diversos propósitos, entre os quais pavimentar latrinas.A comunidade internacional, que mediara os acordos, através das Nações Unidas, e a quem competia, portanto, assegurar a sua eficácia, não mexeu um dedo.Poder-se-ia dizer. Mas a Autoridade Palestiniana nada tem a ver com o assunto, etc.Pois bem. Nablus, cidade onde estava a tumba do patriarca José, entregue à Autoridade Palestiniana (AP) na sequência dos Acordos de Oslo, manteve até 7 de Outubro de 2000 um contingente de tropas israelitas, para assegurarem a protecção ao lugar santo. Nessa data, Ehud Barak, num gesto de boa-vontade e com base num acordo de protecção firmado com a AP, mandou retirar as tropas.Poucas horas decorreram entre a retirada e a invasão do local, com queima nas ruas de rolos da Torá, um ataque e encerramento imediato da escola de ensino talmúdico (Ieshivá) Od Yosef Chai, tendo o «espectáculo» passado em directo na televisão palestiniana, sob controle da AP. Cinco dias depois, era assaltada e incendiada, por vândalos empunhando tochas, a sinagoga de Jericó.A destruição de quaisquer vestígios da presença judaica em Terra de Israel é, compreende-se, um objectivo lógico de quem se recusa a aceitar qualquer título de legitimidade dos judeus relativamente a ela. Como explica, com cristalina clareza, o ministro do Interior da Autoridade Palestiniana, Jerusalém, em particular, «não é uma cidade judaica, apesar do mito bíblico enxertado em algumas mentes.»Espero ter sido claro. O corpus separatum ideado pelas Nações Unidas em 1947 morreu nas cinzas dos 19 anos que se seguiram à guerra de 1948. Não estou a ver como ressuscitá-lo. A integridade do Judaísmo é impensável sem a integridade de Jerusalém.


Um dos aspectos mais notórios do combate que se trava em Israel é a ignorância gritante dos intervenientes internacionais relativamente às realidades actuais ou históricas mais elementares do conflito, a distorção, na mente desses intervenientes, do que é a percepção que cada uma das partes em guerra tem da outra, e de si própria, em resumo, a incompreensão do que está em jogo.E, todavia, dada a internacionalização do problema, os referidos intervenientes têm responsabilidades e interesses próprios a defender. Estão, assim, condenados à impotência, se a ignorância continuar a alimentar as suas abordagens, ou, pior, se insistirem em pugnar por soluções que não o são, e a cometer erros cruciais, que mais tarde se pagam caro, como tem sido a desgraçada regra, desde 1922, na região a que se chama Médio Oriente no seu todo.A questão de Jerusalém é um dos principais nós do conflito. Obama manifestamente não sabe o que quer. Em Junho de 2008, em campanha eleitoral e caça ao voto judaico, afirmava: «Jerusalém é e permanecerá a capital de Israel, e tem de permanecer indivisa».Quando ouvi isto - lembro-me muito bem -, tive dificuldades em acreditar. Pensei: mas saberá Obama o que está a dizer? É evidente que não sabia e a virulenta reacção árabe lembrou-lho imediatamente. De modo que, dois dias depois, fez saber por um seu representante o que tinha em mente (?), quando falou de «Jerusalém indivisa» como «capital de Israel»: «Jerusalém é um dossier (...) que tem de ser negociado entre as partes», como parte de «um acordo com o qual ambas possam viver.» Claro?Certo, certo, é que Jerusalém não voltará a ser dividida, pela simples razão de que Israel e a esmagadora maioria dos judeus de todo o mundo jamais o aceitarão. Explico porquê.Israel e os judeus em geral têm muito dolorosamente presente no espírito o que foi a única experiência histórica da divisão de Jerusalém - a que decorreu entre 1948 e 1967. Este artigo de Jeff Jacoby narra o que se passou. Mas eu resumo, para quem não possa ler. Aproveito para completar.Quando, em 14 de Maio de 1948, foi declarada a independência de Israel, na sequência da decisão de partição tomada pelas Nações Unidas, em 29 de Novembro do ano anterior, definindo o território do futuro Estado de Israel e do proposto e recusado Estado árabe palestiniano, uma coligação de cinco países vizinhos - Egipto, Transjordânia (actual Jordânia), Líbano, Iraque e Síria - invadiram o país, com um programa assim enunciado por Abdul Rahman Hassan Azzam, então secretário-geral da Liga Árabe, no dia seguinte: «Esta será uma guerra de extermínio e um massacre memorável, do qual se falará no futuro como hoje se falam dos massacres mongóis e das Cruzadas.»A 28 de Maio, a conquista árabe de Jerusalém Oriental - onde estão os lugares sagrados do Judaísmo - estava consumada. Os cinco países invasores perderam a guerra e em 1949 foram assinados os acordos de armistício.Ao abrigo do artigo 8º do acordo assinado entre Israel e a Jordânia, os árabes, mantendo o controle de Jerusalém Oriental, comprometiam-se a garantir «o livre acesso aos lugares sagrados, às instituições culturais e ao Cemitério do Monte das Oliveiras.»«Durante 19 anos», recorda Jacoby, «nenhum judeu pôde visitar o Muro Ocidental, o Cemitério ou qualquer outro lugar em Jerusalém Oriental.» Note-se que nem aos israelitas árabes foi, durante esse período, permitida a entrada na mesquita al-Aqsa ou a visita ao Monte do Templo.Foram, em vez do acordado, 19 anos de razia aos vestígios da vida e da religião judaicas. Para trás, ficaram, numa «orgia de profanação», 58 sinagogas destruídas, ou convertidas em estábulos ou lixeiras, a mais antiga datando do séc. XIII. O Muro Ocidental, o mais importante dos lugares santos do Judaísmo, foi convertido num pardieiro. O Cemitério do Monte das Oliveiras, lugar simbólico central do Judaísmo, foi totalmente vandalizado: 38 mil tumbas, algumas datando do séc. I AEC, foram arrancadas e serviram para os mais diversos propósitos, entre os quais pavimentar latrinas.A comunidade internacional, que mediara os acordos, através das Nações Unidas, e a quem competia, portanto, assegurar a sua eficácia, não mexeu um dedo.Poder-se-ia dizer. Mas a Autoridade Palestiniana nada tem a ver com o assunto, etc.Pois bem. Nablus, cidade onde estava a tumba do patriarca José, entregue à Autoridade Palestiniana (AP) na sequência dos Acordos de Oslo, manteve até 7 de Outubro de 2000 um contingente de tropas israelitas, para assegurarem a protecção ao lugar santo. Nessa data, Ehud Barak, num gesto de boa-vontade e com base num acordo de protecção firmado com a AP, mandou retirar as tropas.Poucas horas decorreram entre a retirada e a invasão do local, com queima nas ruas de rolos da Torá, um ataque e encerramento imediato da escola de ensino talmúdico (Ieshivá) Od Yosef Chai, tendo o «espectáculo» passado em directo na televisão palestiniana, sob controle da AP. Cinco dias depois, era assaltada e incendiada, por vândalos empunhando tochas, a sinagoga de Jericó.A destruição de quaisquer vestígios da presença judaica em Terra de Israel é, compreende-se, um objectivo lógico de quem se recusa a aceitar qualquer título de legitimidade dos judeus relativamente a ela. Como explica, com cristalina clareza, o ministro do Interior da Autoridade Palestiniana, Jerusalém, em particular, «não é uma cidade judaica, apesar do mito bíblico enxertado em algumas mentes.»Espero ter sido claro. O corpus separatum ideado pelas Nações Unidas em 1947 morreu nas cinzas dos 19 anos que se seguiram à guerra de 1948. Não estou a ver como ressuscitá-lo. A integridade do Judaísmo é impensável sem a integridade de Jerusalém.

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