O Cachimbo de Magritte: Não importa o quê

19-12-2009
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O anúncio da actriz, modelo e musa do BPI, Fernanda Serrano, de que é “budista, católica e hindu” valeu um canto de primeira página de uma revista portuguesa. Presumivelmente, a declaração é apenas uma confissão de intimidade, a par dos gostos gastronómicos ou das preferências sexuais. É curioso que os nossos “famosos” ou as nossas “celebridades” cuja vida profissional é essencialmente exposição pública se esforcem tanto por publicitar o pouco que ainda têm de íntimo e oculto. É curioso que o façam voluntariamente, não obstante os inevitáveis arrependimentos posteriores. O horror à penumbra leva as figuras públicas – grupo em que temos de incluir gente do entretenimento, do desporto, mas também da política e da república das letras – a considerar que não basta conhecermos o seu corpo, o seu trabalho, a sua obra, as suas palavras. O actor não se satisfaz com o aplauso ao seu desempenho. Afinal, todos somos mais do que a nossa máscara. Todos nos deleitamos na confissão à orelha gigantesca a que chamamos “público”. O “eu” íntimo que receia, que deseja, que delira e que abomina a coerência, tem de ser exposto às luzes da apreciação universal. Mas perante tantas solicitações, tantos pedidos de entrevistas, tanto microfone ligado, perante o monstro insaciável da comunicação social, que está aí para fazer cumprir o “direito fundamental de saber”, estas pessoas percebem que apresentar sempre o mesmo “eu” íntimo, inevitavelmente monótono e desinteressante não obedece às regras do “sucesso”. A confissão deixa de o ser, e a invenção aflitiva toma o seu lugar, o que nem por isso salva a intimidade do sujeito. Para não permitir que as luzes se apaguem sobre elas próprias, as “celebridades” precisam falar, precisam dizer… não importa o quê.


O anúncio da actriz, modelo e musa do BPI, Fernanda Serrano, de que é “budista, católica e hindu” valeu um canto de primeira página de uma revista portuguesa. Presumivelmente, a declaração é apenas uma confissão de intimidade, a par dos gostos gastronómicos ou das preferências sexuais. É curioso que os nossos “famosos” ou as nossas “celebridades” cuja vida profissional é essencialmente exposição pública se esforcem tanto por publicitar o pouco que ainda têm de íntimo e oculto. É curioso que o façam voluntariamente, não obstante os inevitáveis arrependimentos posteriores. O horror à penumbra leva as figuras públicas – grupo em que temos de incluir gente do entretenimento, do desporto, mas também da política e da república das letras – a considerar que não basta conhecermos o seu corpo, o seu trabalho, a sua obra, as suas palavras. O actor não se satisfaz com o aplauso ao seu desempenho. Afinal, todos somos mais do que a nossa máscara. Todos nos deleitamos na confissão à orelha gigantesca a que chamamos “público”. O “eu” íntimo que receia, que deseja, que delira e que abomina a coerência, tem de ser exposto às luzes da apreciação universal. Mas perante tantas solicitações, tantos pedidos de entrevistas, tanto microfone ligado, perante o monstro insaciável da comunicação social, que está aí para fazer cumprir o “direito fundamental de saber”, estas pessoas percebem que apresentar sempre o mesmo “eu” íntimo, inevitavelmente monótono e desinteressante não obedece às regras do “sucesso”. A confissão deixa de o ser, e a invenção aflitiva toma o seu lugar, o que nem por isso salva a intimidade do sujeito. Para não permitir que as luzes se apaguem sobre elas próprias, as “celebridades” precisam falar, precisam dizer… não importa o quê.

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