O Cachimbo de Magritte: A Transformação

30-05-2010
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Não tenho o livro aqui à mão. Mas hoje só me lembro dele. Die Verwandlung. Que se traduz muito pomposamente para português como A metamorfose. É A Transformação (sei que quer dizer a mesma coisa, mas ao menos «a transformação» tem para nós a familiaridade, a vulgaridade sem nota especial dos étimos latinos, em vez dos sonoros gregos.) De Franz Kafka. Se a memória não me falha, o primeiro parágrafo diz assim: «Um dia Gregor Samsa acordou transformado em bicho». A tradução abusiva costuma dar Ungeziefer por insecto. Mas Ungeziefer é bicho, uma coisa assim indeterminada, horrível, mas indeterminada, justamente tanto mais horrível quanto de identidade estranha, de difícil reconhecimento. Percebe-se que a transformação foi radical, mas não se sabe é em quê exactamente. O que é pior, muito pior.Max Brod conta na sua hagiografia de Kafka que eles, os amigos de Praga, costumavam reunir-se com regularidade, Kafka lia trechos do que escrevia, e os amigos riam-se, por vezes, até perder o ar. Ou é Kafka que conta isso nos diários? Já não sei bem. Mas riam-se.A Transformação tem um momento hilariante. É quando o bicho, que pouco antes, ficámos a saber, nem sequer conseguia mudar de posição, assente que estava sobre a carapaça dura que agora tomara o lugar das velhas costas, de modo que as patinhas do bicho se mexiam loucamente no horizonte do olhar e o corpo não revolvia nem por nada, o bicho, a certa altura, só se preocupa com a desculpa que Gregor Samsa, o caixeiro-viajante, dará no dia seguinte ao patrão, por ter faltado ao trabalho.Isto lembra-me qualquer coisa.


Não tenho o livro aqui à mão. Mas hoje só me lembro dele. Die Verwandlung. Que se traduz muito pomposamente para português como A metamorfose. É A Transformação (sei que quer dizer a mesma coisa, mas ao menos «a transformação» tem para nós a familiaridade, a vulgaridade sem nota especial dos étimos latinos, em vez dos sonoros gregos.) De Franz Kafka. Se a memória não me falha, o primeiro parágrafo diz assim: «Um dia Gregor Samsa acordou transformado em bicho». A tradução abusiva costuma dar Ungeziefer por insecto. Mas Ungeziefer é bicho, uma coisa assim indeterminada, horrível, mas indeterminada, justamente tanto mais horrível quanto de identidade estranha, de difícil reconhecimento. Percebe-se que a transformação foi radical, mas não se sabe é em quê exactamente. O que é pior, muito pior.Max Brod conta na sua hagiografia de Kafka que eles, os amigos de Praga, costumavam reunir-se com regularidade, Kafka lia trechos do que escrevia, e os amigos riam-se, por vezes, até perder o ar. Ou é Kafka que conta isso nos diários? Já não sei bem. Mas riam-se.A Transformação tem um momento hilariante. É quando o bicho, que pouco antes, ficámos a saber, nem sequer conseguia mudar de posição, assente que estava sobre a carapaça dura que agora tomara o lugar das velhas costas, de modo que as patinhas do bicho se mexiam loucamente no horizonte do olhar e o corpo não revolvia nem por nada, o bicho, a certa altura, só se preocupa com a desculpa que Gregor Samsa, o caixeiro-viajante, dará no dia seguinte ao patrão, por ter faltado ao trabalho.Isto lembra-me qualquer coisa.

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