Da Literatura: LER OS OUTROS

18-12-2009
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Um livro cada domingo. Rui Ramos (org.), Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro fizeram uma versão compacta da História de Portugal. Compacta na medida em que cabe num volume de 976 páginas. A obra contraria os modelos de Joaquim Veríssimo Serrão e José Mattoso: no primeiro caso, dezassete volumes, com uma média de 550 pp por tomo, não tendo ainda passado dos anos 1960; no segundo, nove volumes (o autor do sexto é Rui Ramos), com uma média de 540 pp, indo até à integração europeia. Contra esse modelo, pretenderam os autores e a Esfera dos Livros dotar o país de um volume manuseável que fizesse a «síntese interpretativa da História de Portugal, desde a Idade Média até aos nossos dias.» Até aos nossos dias significa até à crise económica de 2008. No prólogo, Ramos sublinha o propósito narrativo de combinar «a História política, económica, social e cultural, de modo a dar uma visão integrada de cada época e momento histórico, ao mesmo tempo que integra Portugal no contexto da História da Europa e do mundo.» O volume divide-se em três partes. A 1.ª é da responsabilidade de Bernardo Vasconcelos e Sousa, cobrindo o período que vai do século XI ao século XV. Nuno Gonçalo Monteiro responde pela 2.ª (secs. XV-XVIII). Por último, Rui Ramos “faz” a Idade Contemporânea: das invasões Francesas ao governo de Sócrates. As 40 páginas do capítulo dedicado ao PREC constituem uma boa visão de conjunto. O volume inclui dezenas de quadros, gráficos e mapas; portfolios fotográficos; a lista de reis, chefes de Estado e primeiros-ministros (ou equivalentes); uma cronologia seleccionada que vai do ano 409 até 2008; notas, bibliografia e índice remissivo. Infelizmente, os nossos editores, ao contrário dos seus pares estrangeiros, parecem desconhecer a existência de papel “leve”. A título de exemplo, a Breve historia de España, de Fernando García de Cortázar e José Manuel González Vesga, cuja 4.ª edição, aumentada e actualizada, acaba de sair, pesa um terço da “nossa” (0,652kg vs 1,754kg), apesar das suas 776 páginas e 32 mapas a cores. Em todo o caso, como os portugueses não têm por hábito ler fora de casa, a esquisitice deve ser minha.Francisco José Viegas: «Já recomendei este livro, Caderno de Memórias Coloniais, de Isabela Figueiredo [...] mas o assunto merece mais destaque: trata-se de uma autobiografia sobre a despedida de África e a memória de Moçambique. Sem cedências, sem perdão, sem conforto: tudo a nu, desde a cor da pele até ao horror que as despedidas no Índico provocam em alguém que enfrenta a velha Metrópole que já fora colonial e hoje é pós-colonial. Ainda não estabelecemos, com justiça, o verdadeiro papel dos retornados e dos antigos colonos de África na democratização real de Portugal. Na verdade, eles mudaram Portugal. Isabela Figueiredo, neste livro, fornece uma das imagens possíveis, explosiva, comovente, em chamas. É bom ver que, finalmente, se pode falar livremente sobre África.»João Pinto e Castro: «No princípio da semana, o PSD indignou-se pelo crescimento do défice das contas públicas no corrente ano; mas, aproximando-se o fim de semana, votou a eliminação de um imposto, ou melhor, a eliminação da parte da receita do IRC correspondente ao pagamento por conta. [...] O PSD, que, desde a sua primeira passagem pelo governo, em 1979, nunca perdeu uma oportunidade de arruinar as finanças públicas para tentar ganhar umas eleições, descobriu agora que, afinal, também é possível fazer a mesma coisa na oposição.»Lutz Brückelmann: «Acho natural que haja quem não gosta de Sócrates, não gosta da sua política, não gosta da pessoa, até quem tenha dúvidas acerca do seu carácter. [...] Do ponto de vista jurídico, está assente que não existe matéria criminal nas escutas ao Primeiro Ministro. Sabemos, através de meios ilícitos, que nem todos os agentes jurídicos neste caso concordaram, mas isto não altera o resultado jurídico deste processo. Sobre a actuação destes agentes, há uma certeza que é a fuga da informação, em violação do segredo de justiça. Essa exige uma investigação e resposta criminal. De resto há opiniões. Há uma opinião partilhada por muitos, que o facto da divergência dos agentes judiciais no caso é indício ou até prova da má fé de um ou do outro lado. [...] Quanto ao Primeiro Ministro, sei — não devia saber, mas sei — que há dois magistrados que o acham suspeito de um crime grave. Sendo contrariada por outra instância competente, é uma opinião sem valor jurídico, passa assim a uma opinião privada, embora de pessoas com formação jurídica e acesso a informação de que eu não disponho: as escutas. Não conheço o conteúdo das escutas, e por muita curiosidade que tenha, acho muito bem que isso fique assim. Não consigo compreender como uma pessoa com um mínimo de respeito para os direitos cívicos poderá achar se no direito de saber. [...] É exactamente isso que os opositores de Sócrates actualmente fazem no caso das escutas. E é absolutamente imoral em relação à pessoa visada e, em muitas formas, nocivo para a nossa vida pública. [...]»Pedro Correia: «José Pacheco Pereira escreveu inúmeras páginas contra a tentação tão portuguesa de denegrir a função política e que cede às mais básicas pulsões populistas, tendo servido de fermento à ditadura. [...] O “debate”, nesta Quadratura, é nulo: tudo se esgota no incessante martelar das teclas de Pacheco, cada vez mais prisioneiro das suas obsessões, cada vez mais transfigurado pelo ódio cego a José Sócrates. E nestes instantes vou sentindo uma irreprimível nostalgia do Pacheco antigo, que nos mandava tomar as devidas precauções contra o frenesim populista, inimigo desbragado dos “políticos” e de todo o debate travado em moldes racionais. Nada a ver com esta penosa reencarnação do ilustre pensador, tão mal representado pelo seu sósia, que parece desdizer hoje tudo quanto o Pacheco original dizia outrora.»Pedro Marques Lopes: «A candidatura de Jorge Bacelar Gouveia à distrital de Lisboa do PSD conta com apoiantes de peso: António Preto, Helena Lopes da Costa e Pacheco Pereira.»Porfírio Silva: «A incapacidade pessoal de Cavaco Silva para compreender a estatura de Melo Antunes não me espanta. Mas não tenho nada a ver com isso: a sua pessoa privada não me interessa nada. O crescente desplante com que Cavaco Silva dá sinais de ser presidente apenas de alguns portugueses, isso já me diz respeito. As teorias de Cavaco acerca do PREC, supondo-se que ele sabe o que isso seja, não me interessam. (Como se vê, quase nada no senhor me interessa.) Mas já me diz respeito que ele não se mexa quando se trata de fazer justiça a pessoas que representaram muito para este país. Mesmo que este país não saiba. Por exemplo, que esteve para haver uma guerra civil e que, se ela foi evitada, não foi uma bênção da Nossa Senhora de Fátima. Foi o fruto da acção de certas pessoas. Como Melo Antunes. Mas Cavaco Silva não quer saber de nada disso. Fica lá sentado no seu Pulo do Lobo permanente. Talvez porque os demasiado pequenos não gostam de se perfilar ao lado dos gigantes. Fica-lhes pior submeterem-se à comparação ou fugirem a ela?»Tomás Vasques: «[...] Esta legislatura já tem o caminho traçado. E percebe-se porquê: à excepção do CDS, nenhum partido da oposição se conformou com os resultados eleitorais. O PSD acreditou que podia ganhar as eleições, mas não ganhou; o BE queria alcançar um resultado que lhe desse maioria absoluta juntamente com o PS para ser o maestro do Parlamento, mas não conseguiu. O PCP estava convicto que as suas lutas de rua, sobretudo a dos professores e da função pública, lhe daria um lugar no pódio, mas foi o partido menos votado. Um mês após a tomada de posse do Governo, há no ar um cheiro a pólvora. Todos querem a desforra. Agora, vem aí o Orçamento de Estado. Pelo andar da carruagem, pode muito bem acontecer que o PSD dispute as “directas” internas para a escolha do seu novo líder durante a próxima campanha eleitoral para as legislativas.»Valupi: «[...] O jornalista aproveitou o balanço para fazer um dos seus comentários elevados e pungentes que tão característicamente definem a sua ética profissional, dizendo que aquele retrato estava de acordo com este Inverno do nosso descontentamento. Foi essa também a forma de mostrar aos pategos que ele, Mário Crespo, com ela, Felícia Cabrita, levavam um avanço de 25 dias em relação ao povoléu que ainda estava a curtir o Outono. Aquele casal de famosos e corajosos jornalistas já tinha chegado à próxima estação. São a guarda avançada do General Inverno.»Etiquetas: Blogues, Nota de leitura

Um livro cada domingo. Rui Ramos (org.), Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro fizeram uma versão compacta da História de Portugal. Compacta na medida em que cabe num volume de 976 páginas. A obra contraria os modelos de Joaquim Veríssimo Serrão e José Mattoso: no primeiro caso, dezassete volumes, com uma média de 550 pp por tomo, não tendo ainda passado dos anos 1960; no segundo, nove volumes (o autor do sexto é Rui Ramos), com uma média de 540 pp, indo até à integração europeia. Contra esse modelo, pretenderam os autores e a Esfera dos Livros dotar o país de um volume manuseável que fizesse a «síntese interpretativa da História de Portugal, desde a Idade Média até aos nossos dias.» Até aos nossos dias significa até à crise económica de 2008. No prólogo, Ramos sublinha o propósito narrativo de combinar «a História política, económica, social e cultural, de modo a dar uma visão integrada de cada época e momento histórico, ao mesmo tempo que integra Portugal no contexto da História da Europa e do mundo.» O volume divide-se em três partes. A 1.ª é da responsabilidade de Bernardo Vasconcelos e Sousa, cobrindo o período que vai do século XI ao século XV. Nuno Gonçalo Monteiro responde pela 2.ª (secs. XV-XVIII). Por último, Rui Ramos “faz” a Idade Contemporânea: das invasões Francesas ao governo de Sócrates. As 40 páginas do capítulo dedicado ao PREC constituem uma boa visão de conjunto. O volume inclui dezenas de quadros, gráficos e mapas; portfolios fotográficos; a lista de reis, chefes de Estado e primeiros-ministros (ou equivalentes); uma cronologia seleccionada que vai do ano 409 até 2008; notas, bibliografia e índice remissivo. Infelizmente, os nossos editores, ao contrário dos seus pares estrangeiros, parecem desconhecer a existência de papel “leve”. A título de exemplo, a Breve historia de España, de Fernando García de Cortázar e José Manuel González Vesga, cuja 4.ª edição, aumentada e actualizada, acaba de sair, pesa um terço da “nossa” (0,652kg vs 1,754kg), apesar das suas 776 páginas e 32 mapas a cores. Em todo o caso, como os portugueses não têm por hábito ler fora de casa, a esquisitice deve ser minha.Francisco José Viegas: «Já recomendei este livro, Caderno de Memórias Coloniais, de Isabela Figueiredo [...] mas o assunto merece mais destaque: trata-se de uma autobiografia sobre a despedida de África e a memória de Moçambique. Sem cedências, sem perdão, sem conforto: tudo a nu, desde a cor da pele até ao horror que as despedidas no Índico provocam em alguém que enfrenta a velha Metrópole que já fora colonial e hoje é pós-colonial. Ainda não estabelecemos, com justiça, o verdadeiro papel dos retornados e dos antigos colonos de África na democratização real de Portugal. Na verdade, eles mudaram Portugal. Isabela Figueiredo, neste livro, fornece uma das imagens possíveis, explosiva, comovente, em chamas. É bom ver que, finalmente, se pode falar livremente sobre África.»João Pinto e Castro: «No princípio da semana, o PSD indignou-se pelo crescimento do défice das contas públicas no corrente ano; mas, aproximando-se o fim de semana, votou a eliminação de um imposto, ou melhor, a eliminação da parte da receita do IRC correspondente ao pagamento por conta. [...] O PSD, que, desde a sua primeira passagem pelo governo, em 1979, nunca perdeu uma oportunidade de arruinar as finanças públicas para tentar ganhar umas eleições, descobriu agora que, afinal, também é possível fazer a mesma coisa na oposição.»Lutz Brückelmann: «Acho natural que haja quem não gosta de Sócrates, não gosta da sua política, não gosta da pessoa, até quem tenha dúvidas acerca do seu carácter. [...] Do ponto de vista jurídico, está assente que não existe matéria criminal nas escutas ao Primeiro Ministro. Sabemos, através de meios ilícitos, que nem todos os agentes jurídicos neste caso concordaram, mas isto não altera o resultado jurídico deste processo. Sobre a actuação destes agentes, há uma certeza que é a fuga da informação, em violação do segredo de justiça. Essa exige uma investigação e resposta criminal. De resto há opiniões. Há uma opinião partilhada por muitos, que o facto da divergência dos agentes judiciais no caso é indício ou até prova da má fé de um ou do outro lado. [...] Quanto ao Primeiro Ministro, sei — não devia saber, mas sei — que há dois magistrados que o acham suspeito de um crime grave. Sendo contrariada por outra instância competente, é uma opinião sem valor jurídico, passa assim a uma opinião privada, embora de pessoas com formação jurídica e acesso a informação de que eu não disponho: as escutas. Não conheço o conteúdo das escutas, e por muita curiosidade que tenha, acho muito bem que isso fique assim. Não consigo compreender como uma pessoa com um mínimo de respeito para os direitos cívicos poderá achar se no direito de saber. [...] É exactamente isso que os opositores de Sócrates actualmente fazem no caso das escutas. E é absolutamente imoral em relação à pessoa visada e, em muitas formas, nocivo para a nossa vida pública. [...]»Pedro Correia: «José Pacheco Pereira escreveu inúmeras páginas contra a tentação tão portuguesa de denegrir a função política e que cede às mais básicas pulsões populistas, tendo servido de fermento à ditadura. [...] O “debate”, nesta Quadratura, é nulo: tudo se esgota no incessante martelar das teclas de Pacheco, cada vez mais prisioneiro das suas obsessões, cada vez mais transfigurado pelo ódio cego a José Sócrates. E nestes instantes vou sentindo uma irreprimível nostalgia do Pacheco antigo, que nos mandava tomar as devidas precauções contra o frenesim populista, inimigo desbragado dos “políticos” e de todo o debate travado em moldes racionais. Nada a ver com esta penosa reencarnação do ilustre pensador, tão mal representado pelo seu sósia, que parece desdizer hoje tudo quanto o Pacheco original dizia outrora.»Pedro Marques Lopes: «A candidatura de Jorge Bacelar Gouveia à distrital de Lisboa do PSD conta com apoiantes de peso: António Preto, Helena Lopes da Costa e Pacheco Pereira.»Porfírio Silva: «A incapacidade pessoal de Cavaco Silva para compreender a estatura de Melo Antunes não me espanta. Mas não tenho nada a ver com isso: a sua pessoa privada não me interessa nada. O crescente desplante com que Cavaco Silva dá sinais de ser presidente apenas de alguns portugueses, isso já me diz respeito. As teorias de Cavaco acerca do PREC, supondo-se que ele sabe o que isso seja, não me interessam. (Como se vê, quase nada no senhor me interessa.) Mas já me diz respeito que ele não se mexa quando se trata de fazer justiça a pessoas que representaram muito para este país. Mesmo que este país não saiba. Por exemplo, que esteve para haver uma guerra civil e que, se ela foi evitada, não foi uma bênção da Nossa Senhora de Fátima. Foi o fruto da acção de certas pessoas. Como Melo Antunes. Mas Cavaco Silva não quer saber de nada disso. Fica lá sentado no seu Pulo do Lobo permanente. Talvez porque os demasiado pequenos não gostam de se perfilar ao lado dos gigantes. Fica-lhes pior submeterem-se à comparação ou fugirem a ela?»Tomás Vasques: «[...] Esta legislatura já tem o caminho traçado. E percebe-se porquê: à excepção do CDS, nenhum partido da oposição se conformou com os resultados eleitorais. O PSD acreditou que podia ganhar as eleições, mas não ganhou; o BE queria alcançar um resultado que lhe desse maioria absoluta juntamente com o PS para ser o maestro do Parlamento, mas não conseguiu. O PCP estava convicto que as suas lutas de rua, sobretudo a dos professores e da função pública, lhe daria um lugar no pódio, mas foi o partido menos votado. Um mês após a tomada de posse do Governo, há no ar um cheiro a pólvora. Todos querem a desforra. Agora, vem aí o Orçamento de Estado. Pelo andar da carruagem, pode muito bem acontecer que o PSD dispute as “directas” internas para a escolha do seu novo líder durante a próxima campanha eleitoral para as legislativas.»Valupi: «[...] O jornalista aproveitou o balanço para fazer um dos seus comentários elevados e pungentes que tão característicamente definem a sua ética profissional, dizendo que aquele retrato estava de acordo com este Inverno do nosso descontentamento. Foi essa também a forma de mostrar aos pategos que ele, Mário Crespo, com ela, Felícia Cabrita, levavam um avanço de 25 dias em relação ao povoléu que ainda estava a curtir o Outono. Aquele casal de famosos e corajosos jornalistas já tinha chegado à próxima estação. São a guarda avançada do General Inverno.»Etiquetas: Blogues, Nota de leitura

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