A reclusa como pessoa humana“Eles tratam a gente como gado, esquecem-se que somos gente, mas somos pessoas como as outras e temos sentimentos”, queixa-se em lágrimas a reclusa n.º 427, como se lhe tivessem arrancado mais um pedaço de alma.A sociedade necessita de justiça para ter paz, mas o julgamento já foi feito e a pena está a ser cumprida, para quem está na prisão, através da privação da liberdade. Este é, pois, o momento ideal para se cumprir um terceiro elemento fundamental: o perdão, pressuposto para que haja uma reinserção total e efectiva, na mesma sociedade que desencadeou a condenação.A verdade é que a legislação nacional tem como preocupação fundamental a ressocialização dos reclusos, assegurando-lhes (com as restrições decorrentes do estatuto próprio que detêm) que a pena que lhes está a ser aplicada contribua para que possam conduzir as suas vidas no futuro, de forma socialmente aceitável. E, portanto, o mundo prisional tem de estabelecer condições para que possa existir um ambiente análogo ao do mundo real, onde cada um se possa desenvolver integralmente, formando ainda aptidões profissionais de elevada utilidade. Por outro lado, se é um facto que a maioria das prisões portuguesas dão uma grande atenção a esta questão (como se retira da diversidade de oficinas de trabalho e da elevada taxa de ocupação laboral), também não deixa de ser verdadeiro que há muito por fazer nesta área específica.Neste quadro, a humanização da reclusa é fundamental. Quer se concorde ou não com a visão cristã de “Quem nunca pecou que lhe atire a primeira pedra”, o facto é que o ser humano é demasiado complexo e multifacetado, não sendo apenas um número. Tratá-lo nessa visão redutora é um erro crucial que fere a própria evolução da humanidade.Esta linha de pensamento sugere que, mais do que qualquer outros sítio na prisão, o espaço oficinal deve promover o desaparecimento da culpabilização e dos estereótipos ligados a alguém que está encarcerado, dando lugar a uma ideia universal de igualdade, incentivadora dum espirito fraterno e sadio. É indesculpável se o sistema agravar o sofrimento causado pela privação da liberdade, não promovendo a valorização pessoal do indivíduo e contribuindo para uma inserção inevitável na subcultura criminogénea ligada às prisões dos países menos desenvolvidos. Só um regime incentivador da autopromoção e estima, pode dar esperança a um futuro que é de todos nós.Diogo Dantas"Está alguém aí fora – estudo sobre o trabalho oficinal numa cadeia”© Revista Temas Penitenciários, 2005
Categorias
Entidades
A reclusa como pessoa humana“Eles tratam a gente como gado, esquecem-se que somos gente, mas somos pessoas como as outras e temos sentimentos”, queixa-se em lágrimas a reclusa n.º 427, como se lhe tivessem arrancado mais um pedaço de alma.A sociedade necessita de justiça para ter paz, mas o julgamento já foi feito e a pena está a ser cumprida, para quem está na prisão, através da privação da liberdade. Este é, pois, o momento ideal para se cumprir um terceiro elemento fundamental: o perdão, pressuposto para que haja uma reinserção total e efectiva, na mesma sociedade que desencadeou a condenação.A verdade é que a legislação nacional tem como preocupação fundamental a ressocialização dos reclusos, assegurando-lhes (com as restrições decorrentes do estatuto próprio que detêm) que a pena que lhes está a ser aplicada contribua para que possam conduzir as suas vidas no futuro, de forma socialmente aceitável. E, portanto, o mundo prisional tem de estabelecer condições para que possa existir um ambiente análogo ao do mundo real, onde cada um se possa desenvolver integralmente, formando ainda aptidões profissionais de elevada utilidade. Por outro lado, se é um facto que a maioria das prisões portuguesas dão uma grande atenção a esta questão (como se retira da diversidade de oficinas de trabalho e da elevada taxa de ocupação laboral), também não deixa de ser verdadeiro que há muito por fazer nesta área específica.Neste quadro, a humanização da reclusa é fundamental. Quer se concorde ou não com a visão cristã de “Quem nunca pecou que lhe atire a primeira pedra”, o facto é que o ser humano é demasiado complexo e multifacetado, não sendo apenas um número. Tratá-lo nessa visão redutora é um erro crucial que fere a própria evolução da humanidade.Esta linha de pensamento sugere que, mais do que qualquer outros sítio na prisão, o espaço oficinal deve promover o desaparecimento da culpabilização e dos estereótipos ligados a alguém que está encarcerado, dando lugar a uma ideia universal de igualdade, incentivadora dum espirito fraterno e sadio. É indesculpável se o sistema agravar o sofrimento causado pela privação da liberdade, não promovendo a valorização pessoal do indivíduo e contribuindo para uma inserção inevitável na subcultura criminogénea ligada às prisões dos países menos desenvolvidos. Só um regime incentivador da autopromoção e estima, pode dar esperança a um futuro que é de todos nós.Diogo Dantas"Está alguém aí fora – estudo sobre o trabalho oficinal numa cadeia”© Revista Temas Penitenciários, 2005