ambio: Razão e emoção

03-08-2010
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Tenho publicado em vários posts gráficos da evolução dos fogos. Convém ter em atenção que as escalas mudam à medida dos valores. Por exemplo, o extraordinário salto de 1691 para 3423 bombeiros que se verifica de anteontem para ontem altera bastante a imagem geral do gráfico, ao mesmo tempo que é bem a medida do dia difícil de ontem. E hoje as perspectivas também não parecem ser brilhantes: acompanhei os dados de observação do vento e da humidade às cinco da manhã, às oito e às nove e definição da direcção do vento, bem como a queda da humidade atmosférica são evidentes, sendo que às nove da manhã já havia várias estações com humidades abaixo dos 30%Ontem foi um dia de muitos fogos, um dos quais próximo da Mata de Albergaria, no Gerês.Mesmo tendo em conta a observação de Paulo Fernandes no comentário anterior (de que nesta altura, sem folhas, os carvalhais estão mais vulneráveis ao fogo) tenho quase a certeza de que os efeitos destes fogos não são muito relevantes para a conservação.É claro que me falta informação, há uma referência à proximidade de uma zona de teixos que pode ser preocupante, mas de resto não vejo grandes riscos associados a estes fogos.Mesmo tendo em atenção a observação de Paulo Fernandes, e considerando-se uma perda a eventual afectação da Mata de Albergaria, não vejo como fogos com tempo relativamente frio, em folhada de mata de carvalho adulta (portanto com relativamente poucos matos altos), mesmo mais desprotegida pela ausência de folhagem nesta altura do ano, pudesse afectar profundamente o carvalhal e a sua capacidade de recuperar em pouco tempo.Deve evitar-se esta situação, de acordo, mas se suceder não me parece dramática para o património natural.E no entanto veja-se o Público de hoje:Chamada de primeira página, referindo "Jóia da floresta nacional ameaçada pelo fogo" (felizmente em Portugal o que não faltam são jóias. Se fosse em montezinho era a jóia das áreas protegidas, se fosse na Arrábida era a jóia do mata mediterrânica, se fosso no sudoeste era a jóia da costa europeia).E depois duas páginas no interior.O professor Catarino resolve ajudar à festa dizendo que a mata de Albergaria "é um dos poucos sítios onde a mão do homem nunca pôs o pé" que é evidentemente um disparate porque a mata de Albergaria sempre foi explorada, nomeadamente pelas gentes de Vilarinho da Furna e até a fábrica de vidro de Vilarinho se instalou à sua ilharga para aproveitar a abundância de madeira para os fornos (como fizeram aliás as fábricas de vidro da Marinha Grande em relação ao pinhal de Leiria). E diz ainda que se a mata fosse afectada a sua recuperação seria mais lenta que em outros tipos de formação florestal, afirmação que, tendo em atenção o tipo de fogo em causa, tenho as maiores dúvidas de que tenha alguma fundamentação.E embora o conteúdo das notícias seja depois bastante mais equilibrado. Ainda assim lá vem outra vez a insidiosa ideia de que a responsabilidade deste incêndio é do pastoreio, embora muito mitigada para o costume.Mas não se vai ao ponto de explicar que a ignição até pode ter sido provocada por pastores mas que os pastores fazem fogos nestas condições evidentemente desfavoráveis porque o Estado se demitiu da sua responsabilidade de gestão, directa ou indirecta, e portanto não desenha medidas de gestão de combustível com os pastores como aliados e não como inimigos.Com metade do dinheiro que agora se gastou a controlar o fogo ter-se-iam feito muitos hectares de fogo controlado e seria possível gerir muitos hectares com combinação fogo+pastoreio que teriam diminuído a probabilidade da ignição e teriam seguramente contido os eventuais efeitos negativos do fogo agora descontrolado.Mas basta ler os comentários dos leitores do público on-line para perceber como a discussão dos fogos está tão próxima da emoção e tão longe da razão.Só que são muitos poucos os assuntos em que é preferível decidir com o coração em vez de decidir com a razão.henrique pereira dos santos


Tenho publicado em vários posts gráficos da evolução dos fogos. Convém ter em atenção que as escalas mudam à medida dos valores. Por exemplo, o extraordinário salto de 1691 para 3423 bombeiros que se verifica de anteontem para ontem altera bastante a imagem geral do gráfico, ao mesmo tempo que é bem a medida do dia difícil de ontem. E hoje as perspectivas também não parecem ser brilhantes: acompanhei os dados de observação do vento e da humidade às cinco da manhã, às oito e às nove e definição da direcção do vento, bem como a queda da humidade atmosférica são evidentes, sendo que às nove da manhã já havia várias estações com humidades abaixo dos 30%Ontem foi um dia de muitos fogos, um dos quais próximo da Mata de Albergaria, no Gerês.Mesmo tendo em conta a observação de Paulo Fernandes no comentário anterior (de que nesta altura, sem folhas, os carvalhais estão mais vulneráveis ao fogo) tenho quase a certeza de que os efeitos destes fogos não são muito relevantes para a conservação.É claro que me falta informação, há uma referência à proximidade de uma zona de teixos que pode ser preocupante, mas de resto não vejo grandes riscos associados a estes fogos.Mesmo tendo em atenção a observação de Paulo Fernandes, e considerando-se uma perda a eventual afectação da Mata de Albergaria, não vejo como fogos com tempo relativamente frio, em folhada de mata de carvalho adulta (portanto com relativamente poucos matos altos), mesmo mais desprotegida pela ausência de folhagem nesta altura do ano, pudesse afectar profundamente o carvalhal e a sua capacidade de recuperar em pouco tempo.Deve evitar-se esta situação, de acordo, mas se suceder não me parece dramática para o património natural.E no entanto veja-se o Público de hoje:Chamada de primeira página, referindo "Jóia da floresta nacional ameaçada pelo fogo" (felizmente em Portugal o que não faltam são jóias. Se fosse em montezinho era a jóia das áreas protegidas, se fosse na Arrábida era a jóia do mata mediterrânica, se fosso no sudoeste era a jóia da costa europeia).E depois duas páginas no interior.O professor Catarino resolve ajudar à festa dizendo que a mata de Albergaria "é um dos poucos sítios onde a mão do homem nunca pôs o pé" que é evidentemente um disparate porque a mata de Albergaria sempre foi explorada, nomeadamente pelas gentes de Vilarinho da Furna e até a fábrica de vidro de Vilarinho se instalou à sua ilharga para aproveitar a abundância de madeira para os fornos (como fizeram aliás as fábricas de vidro da Marinha Grande em relação ao pinhal de Leiria). E diz ainda que se a mata fosse afectada a sua recuperação seria mais lenta que em outros tipos de formação florestal, afirmação que, tendo em atenção o tipo de fogo em causa, tenho as maiores dúvidas de que tenha alguma fundamentação.E embora o conteúdo das notícias seja depois bastante mais equilibrado. Ainda assim lá vem outra vez a insidiosa ideia de que a responsabilidade deste incêndio é do pastoreio, embora muito mitigada para o costume.Mas não se vai ao ponto de explicar que a ignição até pode ter sido provocada por pastores mas que os pastores fazem fogos nestas condições evidentemente desfavoráveis porque o Estado se demitiu da sua responsabilidade de gestão, directa ou indirecta, e portanto não desenha medidas de gestão de combustível com os pastores como aliados e não como inimigos.Com metade do dinheiro que agora se gastou a controlar o fogo ter-se-iam feito muitos hectares de fogo controlado e seria possível gerir muitos hectares com combinação fogo+pastoreio que teriam diminuído a probabilidade da ignição e teriam seguramente contido os eventuais efeitos negativos do fogo agora descontrolado.Mas basta ler os comentários dos leitores do público on-line para perceber como a discussão dos fogos está tão próxima da emoção e tão longe da razão.Só que são muitos poucos os assuntos em que é preferível decidir com o coração em vez de decidir com a razão.henrique pereira dos santos

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