Sempre tive imensa dificuldade em digerir que seja o Estado, o "nós", que, sem face, coloque uma corda num pescoço de um homem. Como nada é preto ou branco tenho que, neste caso em concreto, subalternizar a minha posição quanto à pena de morte em relação às consequências políticas - mediáticas? - da execução.Independentemente de concordarmos com a pena de morte e de como a classificamos (retrocesso civilizacional, bárbaro, justo, aceitável) o grande problema político e social desta execução acaba por ser, como seria de esperar numa sociedade cada vez mais mediática, a divulgação dum vídeo de baixa qualidade da execução. Em vez de discutir o acto em si a preocupação das administrações - principalmente a iraquiana e americana - é discutir como é possível, como se o acto só passe a ser horrendo quando é transmitido sem edição, que alguém tenha colocado à disposição do mundo o vídeo da execução.Ninguém se pergunta porque é que o vídeo mexe com as entranhas? Porque não tem nenhum filtro nem nenhuma edição política ou jornalística e porque, afinal, mostra a execução tal como é, concretizando, crua. E sem esses filtros até parece algo bárbaro, não é? Não! Não parece, é. Mas o que é irónico é que não é a execução que está a criar esta ebulição - o acto per si é um retrocesso social mas de impacto controlado - mas sim o vídeo com direito a som que cria este frenesim que molesta as nossas consciências. Estaremos numa nova era em que a difusão rápida e simples da informação por parte de qualquer pessoa vai acabar com as notícias esterilizadas? E qual a consequência disso? Vamos ficar ainda mais indiferentes ou vamos finalmente controlar o que até agora só era revelado quando os arquivos eram abertos passadas umas décadas?O "espectáculo" degradante a que todos assistimos - parece uma cena da Idade Média a que todos temos acesso com todos os detalhes - incomoda e criou um momento histórico lamentável: o desumano Saddam Hussein a ser executado duma forma tão desumana que parece que é o próprio o mandante da execução. Este momento histórico não é o acontecimento - infelizmente mais banal do que pensamos - mas as imagens do acontecimento que balançam, tal como Saddam no vídeo, entre o mau gosto e o grotesco.Quando George W. Bush enviou uma mensagem épica para a imprensa - a informação é cada vez mais feita de imagens e palavras chave - a elogiar o acontecimento (segundo este, um marco em direcção à democracia) não estava à espera das imagens. De facto a execução de Saddam Hussein foi um marco mas discordo que em direcção à democracia. É um marco porque muitos, eu incluído, sentem vergonha de serem contemporâneos deste acontecimento. Ou em vez de acontecimento devia ter dito imagens? E interessa a distinção?Tópico Relacionado: Grão de Areia no Universo: Saddam HusseinTechnorati Tags: Iraque, Saddam Hussein
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Sempre tive imensa dificuldade em digerir que seja o Estado, o "nós", que, sem face, coloque uma corda num pescoço de um homem. Como nada é preto ou branco tenho que, neste caso em concreto, subalternizar a minha posição quanto à pena de morte em relação às consequências políticas - mediáticas? - da execução.Independentemente de concordarmos com a pena de morte e de como a classificamos (retrocesso civilizacional, bárbaro, justo, aceitável) o grande problema político e social desta execução acaba por ser, como seria de esperar numa sociedade cada vez mais mediática, a divulgação dum vídeo de baixa qualidade da execução. Em vez de discutir o acto em si a preocupação das administrações - principalmente a iraquiana e americana - é discutir como é possível, como se o acto só passe a ser horrendo quando é transmitido sem edição, que alguém tenha colocado à disposição do mundo o vídeo da execução.Ninguém se pergunta porque é que o vídeo mexe com as entranhas? Porque não tem nenhum filtro nem nenhuma edição política ou jornalística e porque, afinal, mostra a execução tal como é, concretizando, crua. E sem esses filtros até parece algo bárbaro, não é? Não! Não parece, é. Mas o que é irónico é que não é a execução que está a criar esta ebulição - o acto per si é um retrocesso social mas de impacto controlado - mas sim o vídeo com direito a som que cria este frenesim que molesta as nossas consciências. Estaremos numa nova era em que a difusão rápida e simples da informação por parte de qualquer pessoa vai acabar com as notícias esterilizadas? E qual a consequência disso? Vamos ficar ainda mais indiferentes ou vamos finalmente controlar o que até agora só era revelado quando os arquivos eram abertos passadas umas décadas?O "espectáculo" degradante a que todos assistimos - parece uma cena da Idade Média a que todos temos acesso com todos os detalhes - incomoda e criou um momento histórico lamentável: o desumano Saddam Hussein a ser executado duma forma tão desumana que parece que é o próprio o mandante da execução. Este momento histórico não é o acontecimento - infelizmente mais banal do que pensamos - mas as imagens do acontecimento que balançam, tal como Saddam no vídeo, entre o mau gosto e o grotesco.Quando George W. Bush enviou uma mensagem épica para a imprensa - a informação é cada vez mais feita de imagens e palavras chave - a elogiar o acontecimento (segundo este, um marco em direcção à democracia) não estava à espera das imagens. De facto a execução de Saddam Hussein foi um marco mas discordo que em direcção à democracia. É um marco porque muitos, eu incluído, sentem vergonha de serem contemporâneos deste acontecimento. Ou em vez de acontecimento devia ter dito imagens? E interessa a distinção?Tópico Relacionado: Grão de Areia no Universo: Saddam HusseinTechnorati Tags: Iraque, Saddam Hussein