O céu sobre Lisboa

19-12-2009
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Uma pequena história do urbanismo em Lisboa

(imagens de satélite do Google maps , uma pequena maravilha)

O Bairro Alto, primeira metade do século XVI. É provavelmente o bairro mais dinâmico de Lisboa. Já foi aristocrático, decadente, operário, industrial, boémio e agora mais burguês e boémio e várias outras coisas. Na altura em que foi feito ocupava um lugar bem importante em Lisboa, pela dimensão, pela regularidade das ruase por ser um local desafogado em relação aos velhos bairros medievais. A aparente uniformidade escondia uma enorme diversidade social, com palácios dispersos, por todo o bairro, que se notam mais pela dimensão que pela arquitectura. Depois do terramoto a aristocracia abandonou o bairro em direcção à periferia, e esses palácios foram divididos para aluguer ou acabaram por se transformar em instalações industriais, nomeadamente de jornais e tipografias, e também de mobiliário, e o bairro acabou por se transformar num bairro popular como outros.A Baixa, segunda metade do século XVIII. Foi o centro de Lisboa, agora não se sabe bem o que é e muito menos o que será. A seguir ao terramoto pôs-se a hipótese de mudar o centro para outro sítio, mas finalmente optou-se por reconstruir tudo mantendo as características que já tinha -- de centro comercial, sede do poder, e também bairro residencial. A norte, o Rossio e a praça da Figueira reproduziram as funções de 'centro social' e de mercado, respectivamente, enquanto a sul a praça do Comércio se manteve como lugar do poder, já antes representado pelo palácio real. Com o tempo, as residências foram sendo substituídas por escritórios e finalmente toda a Baixa entrou em decadência, à medida que o terciário foi subindo pela Avenida acima até ocupar as avenidas.Campo de Ourique, segunda metade do século XIX. Continua predominantemente residencial e é um caso de sucesso, mesmo não tendo nada de especial e quase sem transportes públicos.Avenidas Novas, inícios do século XX. Outrora um grande e agradável bairro residencial burguês, tornou-se o novo centro terciário de Lisboa a partir dos anos 1970/80, com cada vez com menos habitantes. Juntamente com a zona da avenida da Liberdade, tem sido vítima de agressões arquitectónicas sistemáticas e sem um mínimo de bom senso. Na viragem do século XIX para o século XX, Lisboa expande-se para norte, numa lógica de segregação social-espacial, com o eixo Avenida-Fontes Pereira de Melo-Avenidas Novas destinado às classe mais favorecidas e o eixo da Almirante Reis para os mais pobres. Mais tarde as Avenidas acabaram por substituir a Baixa como grande pólo do terciário, enquanto a Almirante Reis se especializou num comércio mais pobre, mantendo a função residencial nas ruas secundárias.A primeira 'célula' de Alvalade (entre as av. Brasil, Roma e da Igreja e o Campo Grande), cerca de 1950, com a escola a meio, os caminhos pedonais, a ruptura com o quarteirão tradicional. Alvalade tem uma população algo envelhecida mas tem resistido muito bem ao tempo, é uma das zonas de Lisboa mais equilibradas na relação emprego/residência. Um paradigma de sucesso do urbanismo português, conseguiu integrar arquitecturas diferentes de épocas diferentes, desde bairros sociais a bairros de vivendas, do prédio mais conservador ao mais modernista. Alvalade representa a introdução em Portugal do urbanismo moderno, com algumas originalidades que criavam uma hierarquia sócio-espacial 'de proximidade'. O eixo principal, da avenida de Roma, foi destinado às classe mais altas e entregue a privados em regime de renda livre, enquanto as traseiras foram ocupados com bairros sociais e/ou de renda condicionada, também construídos por privados que se sujeitavam a rendas pré-estabelecidas em troca de benefícios fiscais. Todos os construtores foram também obrigados a respeitar projectos pré-definidos ou à aprovação dos projectos pela CML, noutros casos.Chelas, o descalabro, sempre a piorar desde a zona J (à direita, cerca de 1970) até ao bairro do Armador (anos 1990). À esquerda, em cima, fica a estação de metro da Bela vista, que, a partir da Zona J e dos outros bairros a leste do vale, só é acessível de carro. Apesar de ficar mesmo ao lado da Quinta do Armador, não foi feito um acesso a este bairro.Chelas tornou-se um paradigma de tudo o que não se deve fazer, desde as dificuldades de circulação, seja a pé, seja de transportes públicos, seja de carro, até às descontinuidades do edificado, à má qualidade de construção, e à arquitectura utópica, disfuncional, simplesmente abaixo de cão ou mesmo a roçar o criminoso, passando pela separação de zonas residenciais e comerciais e pelos realojamentos em massa de populações miseráveis. Pior que isto é muito difícil. Para mim é a grande mancha da gestão João Soares, que perdeu uma oportunidade de repensar tudo para cumprir a promessa eleitoral de acabar com as barracas.E finalmente, as maravilhas do neoliberalismo aplicado à construção civil (1970-????), num sítio que ninguém deve querer saber onde fica.

Uma pequena história do urbanismo em Lisboa

(imagens de satélite do Google maps , uma pequena maravilha)

O Bairro Alto, primeira metade do século XVI. É provavelmente o bairro mais dinâmico de Lisboa. Já foi aristocrático, decadente, operário, industrial, boémio e agora mais burguês e boémio e várias outras coisas. Na altura em que foi feito ocupava um lugar bem importante em Lisboa, pela dimensão, pela regularidade das ruase por ser um local desafogado em relação aos velhos bairros medievais. A aparente uniformidade escondia uma enorme diversidade social, com palácios dispersos, por todo o bairro, que se notam mais pela dimensão que pela arquitectura. Depois do terramoto a aristocracia abandonou o bairro em direcção à periferia, e esses palácios foram divididos para aluguer ou acabaram por se transformar em instalações industriais, nomeadamente de jornais e tipografias, e também de mobiliário, e o bairro acabou por se transformar num bairro popular como outros.A Baixa, segunda metade do século XVIII. Foi o centro de Lisboa, agora não se sabe bem o que é e muito menos o que será. A seguir ao terramoto pôs-se a hipótese de mudar o centro para outro sítio, mas finalmente optou-se por reconstruir tudo mantendo as características que já tinha -- de centro comercial, sede do poder, e também bairro residencial. A norte, o Rossio e a praça da Figueira reproduziram as funções de 'centro social' e de mercado, respectivamente, enquanto a sul a praça do Comércio se manteve como lugar do poder, já antes representado pelo palácio real. Com o tempo, as residências foram sendo substituídas por escritórios e finalmente toda a Baixa entrou em decadência, à medida que o terciário foi subindo pela Avenida acima até ocupar as avenidas.Campo de Ourique, segunda metade do século XIX. Continua predominantemente residencial e é um caso de sucesso, mesmo não tendo nada de especial e quase sem transportes públicos.Avenidas Novas, inícios do século XX. Outrora um grande e agradável bairro residencial burguês, tornou-se o novo centro terciário de Lisboa a partir dos anos 1970/80, com cada vez com menos habitantes. Juntamente com a zona da avenida da Liberdade, tem sido vítima de agressões arquitectónicas sistemáticas e sem um mínimo de bom senso. Na viragem do século XIX para o século XX, Lisboa expande-se para norte, numa lógica de segregação social-espacial, com o eixo Avenida-Fontes Pereira de Melo-Avenidas Novas destinado às classe mais favorecidas e o eixo da Almirante Reis para os mais pobres. Mais tarde as Avenidas acabaram por substituir a Baixa como grande pólo do terciário, enquanto a Almirante Reis se especializou num comércio mais pobre, mantendo a função residencial nas ruas secundárias.A primeira 'célula' de Alvalade (entre as av. Brasil, Roma e da Igreja e o Campo Grande), cerca de 1950, com a escola a meio, os caminhos pedonais, a ruptura com o quarteirão tradicional. Alvalade tem uma população algo envelhecida mas tem resistido muito bem ao tempo, é uma das zonas de Lisboa mais equilibradas na relação emprego/residência. Um paradigma de sucesso do urbanismo português, conseguiu integrar arquitecturas diferentes de épocas diferentes, desde bairros sociais a bairros de vivendas, do prédio mais conservador ao mais modernista. Alvalade representa a introdução em Portugal do urbanismo moderno, com algumas originalidades que criavam uma hierarquia sócio-espacial 'de proximidade'. O eixo principal, da avenida de Roma, foi destinado às classe mais altas e entregue a privados em regime de renda livre, enquanto as traseiras foram ocupados com bairros sociais e/ou de renda condicionada, também construídos por privados que se sujeitavam a rendas pré-estabelecidas em troca de benefícios fiscais. Todos os construtores foram também obrigados a respeitar projectos pré-definidos ou à aprovação dos projectos pela CML, noutros casos.Chelas, o descalabro, sempre a piorar desde a zona J (à direita, cerca de 1970) até ao bairro do Armador (anos 1990). À esquerda, em cima, fica a estação de metro da Bela vista, que, a partir da Zona J e dos outros bairros a leste do vale, só é acessível de carro. Apesar de ficar mesmo ao lado da Quinta do Armador, não foi feito um acesso a este bairro.Chelas tornou-se um paradigma de tudo o que não se deve fazer, desde as dificuldades de circulação, seja a pé, seja de transportes públicos, seja de carro, até às descontinuidades do edificado, à má qualidade de construção, e à arquitectura utópica, disfuncional, simplesmente abaixo de cão ou mesmo a roçar o criminoso, passando pela separação de zonas residenciais e comerciais e pelos realojamentos em massa de populações miseráveis. Pior que isto é muito difícil. Para mim é a grande mancha da gestão João Soares, que perdeu uma oportunidade de repensar tudo para cumprir a promessa eleitoral de acabar com as barracas.E finalmente, as maravilhas do neoliberalismo aplicado à construção civil (1970-????), num sítio que ninguém deve querer saber onde fica.

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