o franco atirador: O encanto dos anacronismos.

19-12-2009
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Antigamente, quando trabalhava nas férias e recebia uma mesada dos meus pais, colocava todo o dinheirinho entre as páginas de um livro. Reparem que não era um livro qualquer: era o Itinerário da Mente para Deus, do São Boaventura.A escolha nada tinha de casual. Eu gostava daquele contraste, entre o puro materialismo das notas de banco crepitantes e a pura beatitude da obra. Além disso agradava-me que o magro fruto dos meus esforços, tão urgentes, tão actuais, fosse depositado entre as páginas de um monumento à reflexão medieval. Quando São Boaventura defendia, por exemplo, que os anjos empurram os corpos celestas para o portal dos nossos cinco sentidos, a inocência que dimanava das suas palavras produzia em mim um sentimento de infinita segurança: a alguém que acredita em anjos, achava eu, nada de mal podia acontecer - muito principalmente um assalto.Essa é a virtude dos anacronismos: eles criam em nós uma falsa sensação de segurança. Quando, hoje de manhã, visitei o blogue do não, senti mais uma vez que tinha regressado ao universo encantado da patrística e da tomistica, dos doces anacronismos, das florestas negras como breu onde os demónios espreitavam o corpo das virgens incautas e as possuiam abandonadamente, condenando-as ao inferno ou ao arrependimento. Não houve uma santa Efigénia, prostituta por vocação, que teve de padecer no deserto trinta anos antes de ser chamada ao regaço do Senhor? Ah, isso é que eram tempos!Visitemos, leitores, o blog do não. Encontremos nos seus posts um lenitivo, um refrigério para o alvoroço estonteante da modernidade. E despachemo-nos - porque a causa que o motivou, muito brevemente, terá o destino das gárgulas, dos autos-de-fé, e dos itinerários de São Boaventura.

Antigamente, quando trabalhava nas férias e recebia uma mesada dos meus pais, colocava todo o dinheirinho entre as páginas de um livro. Reparem que não era um livro qualquer: era o Itinerário da Mente para Deus, do São Boaventura.A escolha nada tinha de casual. Eu gostava daquele contraste, entre o puro materialismo das notas de banco crepitantes e a pura beatitude da obra. Além disso agradava-me que o magro fruto dos meus esforços, tão urgentes, tão actuais, fosse depositado entre as páginas de um monumento à reflexão medieval. Quando São Boaventura defendia, por exemplo, que os anjos empurram os corpos celestas para o portal dos nossos cinco sentidos, a inocência que dimanava das suas palavras produzia em mim um sentimento de infinita segurança: a alguém que acredita em anjos, achava eu, nada de mal podia acontecer - muito principalmente um assalto.Essa é a virtude dos anacronismos: eles criam em nós uma falsa sensação de segurança. Quando, hoje de manhã, visitei o blogue do não, senti mais uma vez que tinha regressado ao universo encantado da patrística e da tomistica, dos doces anacronismos, das florestas negras como breu onde os demónios espreitavam o corpo das virgens incautas e as possuiam abandonadamente, condenando-as ao inferno ou ao arrependimento. Não houve uma santa Efigénia, prostituta por vocação, que teve de padecer no deserto trinta anos antes de ser chamada ao regaço do Senhor? Ah, isso é que eram tempos!Visitemos, leitores, o blog do não. Encontremos nos seus posts um lenitivo, um refrigério para o alvoroço estonteante da modernidade. E despachemo-nos - porque a causa que o motivou, muito brevemente, terá o destino das gárgulas, dos autos-de-fé, e dos itinerários de São Boaventura.

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